Search
Close this search box.

60 vezes suspeito

abril 29, 2024

Paulo Alberto da Silva Costa é um homem negro morador de Belford Roxo, no Rio de Janeiro. Aos 36 anos, Paulo havia sido acusado em 62 processos. Além de um mesmo suspeito, todos esses processos tinham em comum uma característica nefasta: estavam baseados em reconhecimentos irregulares, feitos com fotos retiradas das redes sociais e expostas no mural de uma delegacia.

Seu caso é um dos mais emblemáticos exemplos da falta de controle nos processos de reconhecimento realizados pela polícia. Apesar das acusações, Paulo nunca foi chamado pelos agentes para prestar depoimento, nem mesmo após ser preso. Ele ficou privado de liberdade por mais de três anos, entre março de 2020 e maio de 2023. Foi solto após o julgamento de um Habeas Corpus no STJ (Superior Tribunal de Justiça), que o absolveu em pelo menos uma das acusações. Ainda pesam contra ele outros 32 processos.

Em 2021, o IDDD constituiu um grupo de trabalho para apoiar a família de Paulo em sua luta por justiça e liberdade. Além de ter produzido um relatório técnico aprofundado, que pode ser acessado na íntegra aqui, a entidade também passou a trabalhar em parceria com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro nos distintos processos abertos contra Paulo.

De acordo com Rogério Schietti, ministro do STJ e autor de um livro sobre os procedimentos de reconhecimento no Brasil, o caso de Paulo não é uma exceção. “Muitas vezes as pessoas são reconhecidas com base em fotografias tiradas dez anos antes. Não é possível confiar neste ato. Você não pode pegar um álbum de fotografias e pedir para a vítima sair procurando um suspeito. O risco de a vítima fazer o reconhecimento e esse reconhecimento ser determinante para a condenação de uma pessoa é muito grande. E esse erro grave vai levar à prisão de alguém que pode ser inocente”, diz.

Em 2020, Schietti foi relator no julgamento de um Habeas Corpus que marcou um ponto de inflexão na forma como o Judiciário lida com esse tipo de reconhecimento. Na sentença, o tribunal afirmou que as regras para a realização de reconhecimento previstas no artigo 226 do Código de Processo Penal não são uma mera recomendação, mas uma garantia mínima. Em outras palavras, o julgamento determinou que todos os procedimentos de reconhecimento que não respeitem a lei devem ser invalidados como prova.

“Nós precisamos ter muito cuidado. Ninguém pode restituir o que alguém perde com uma liberdade que foi suprimida por conta de um ato tão falho. Não há como reparar os anos que uma pessoa passa presa injustamente”, completa Schietti.

Compartilhe

Mais

Skip to content