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STJ absolve homem negro acusado em 62 processos com base somente em reconhecimento por foto

Preso há três anos, a única prova contra o acusado eram imagens retiradas de redes sociais e incluídas em álbuns de suspeitos da polícia do Rio

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou hoje (10) a absolvição e a soltura imediata de Paulo Alberto da Silva Costa, homem negro de 36 anos, preso desde 2020 e acusado em 62 processos, a maioria por roubo. Todas as acusações são baseadas exclusivamente em reconhecimentos fotográficos. A decisão foi tomada pela 3ª seção do tribunal, no julgamento do Habeas Corpus (HC) 769.783, impetrado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que contou com a atuação do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Absolvido no caso julgado, os ministros estenderam a ordem para determinar a soltura imediata nos demais processos, para que Paulo aguarde os julgamentos em liberdade. 

Em 2018, antes do primeiro reconhecimento, Paulo não possuía nenhum processo contra si e nunca tinha sido preso. Ele trabalhava como porteiro no mesmo condomínio onde residia, localizado no bairro de Santa Tereza, em Belford Roxo (RJ). A região é marcada pela violência e dominada por milícias e facções. Foi então que ele passou a ser reconhecido por vítimas de vários crimes como autor dos delitos, a partir de fotos retiradas das redes sociais dele e incluídas no álbum e no mural de suspeitos localizado na entrada da delegacia de polícia de Belford Roxo (RJ). Nos inquéritos policiais, além dos reconhecimentos feitos em desacordo com a lei, não foram realizados outros atos de investigação para coleta de mais provas contra ele. Paulo também nunca chegou a ser ouvido pela polícia.

O IDDD conduziu um estudo de todos os casos, que teve seu resultado compilado em um relatório (disponível aqui). Até 5 de dezembro de 2022, Paulo havia sido absolvido em 17 processos, condenado em 11 e duas denúncias foram rejeitadas. Aguarda-se ainda o desfecho de 32 casos. Em 17 processos, as vítimas não confirmaram em juízo os reconhecimentos efetuados na delegacia.

Diante das dezenas de acusações contra Paulo, a ministra Laurita Vaz, relatora do HC 769.783, decidiu na última quinta-feira (27/4) levar o caso para ser analisado pelos membros da 3ª Seção, que reúne as duas turmas de direito criminal. O intuito foi obter uma decisão uniforme sobre os processos, podendo formar precedente para casos semelhantes.

“O resultado do julgamento de hoje é o reconhecimento de que a justiça sabe olhar para o erro judiciário e sabe repará-lo”, avalia o presidente do IDDD, Guilherme Carnelós, que participou do julgamento atuando na defesa de Paulo. “O reconhecimento fotográfico é utilizado frequentemente em delegacias e, sem dúvidas, outras pessoas vivem as mesmas injustiças que Paulo. Agora, a decisão do STJ pode contribuir para frear essas injustiças”, ressalta.

Mesmo sem estar previsto na lei é comum o uso de imagens retiradas de banco de imagens e de redes sociais para compor os álbuns de suspeitos da polícia. Um estudo elaborado pela Defensoria Pública do RJ em 2022 mostra que esse tipo de procedimento induz vítimas e testemunhas a identificar erroneamente supostos autores de crimes, pois em 30% dos casos a vítima não confirma em juízo o reconhecimento feito através de fotografias para a polícia. A pesquisa também evidencia que o racismo leva a falsos reconhecimentos já que a grande maioria dos acusados identificados por fotos são homens (96%) e negros (64%).

Acesse o relatório com os estudos dos processos de Paulo aqui.

 

Confira a sustentação oral do presidente do IDDD, Guilherme Carnelós, durante o julgamento do Habeas Corpus (HC) 769.783 pela Terceira Seção do STJ em 10/05/2023:

 

Confira o vídeo da íntegra dos julgamentos da Terceira Seção do STJ em 10/05/2023:

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