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IDDD defende no Supremo inconstitucionalidade das conduções coercitivas

Instituto foi habilitado como amicus curiae em ação que julgará no próximo dia 18 a constitucionalidade da medida. Roberto Soares Garcia, coordenador de Litigância Estratégica, explica o que é defendido pelo IDDD no caso

No último dia 29 de março, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) foi admitido como amicus curiae na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 395, ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores no Supremo Tribunal Federal. A ação pede que a condução coercitiva para a realização de interrogatório, prevista no artigo 260 do Código de Processo Penal (CPP), seja declarada incompatível com a Constituição Federal. A admissão foi mais um fruto do trabalho de Litigância Estratégica do IDDD, desenvolvido por um grupo de oito advogados membros do Instituto, que tem como finalidade tentar influir na formação da jurisprudência, buscando decisões e entendimentos mais justos e atentos ao direito de defesa e às garantias individuais.

O julgamento está pautado para acontecer no próximo dia 18 de maio. Na ocasião, o IDDD sustentará oralmente a incompatibilidade da condução coercitiva à Constituição. Clique aqui para acessar o documento. A petição é assinada pela presidente do Conselho Deliberativo Dora Cavalcanti, pelo diretor presidente Fábio Tofic Simantob, pelos associados integrantes do grupo de Litigância Estratégica Ana Fernanda Ayres Delloso e Arthur Sodré Prado, pela advogada Renata Rodrigues Ferreira, bem como pelo coordenador da área Roberto Soares Garcia.

Em entrevista, Garcia comenta os principais pontos relacionados ao direito de defesa em discussão no caso. Confira a seguir:

O IDDD considera a condução coercitiva inconstitucional?

Roberto Soares Garcia: Colaborar com a investigação, fornecer provas de quaisquer espécies e manifestar-se sobre fatos pretensamente criminosos é um direito do cidadão investigado ou acusado. Não havendo dúvida de que, em um processo penal democrático, o increpado tem direito de calar e de não produzir provas contra si, o Estado não tem direito a uma versão do investigado/acusado. Eis, portanto, que na condução coercitiva de acusado há em jogo apenas o exercício do direito do indivíduo, sem que se possa identificar nenhuma expectativa de direito ao Estado acusador. Sendo assim, é evidentemente desproporcional que se defira ao Estado a imposição de constrangimento ao cidadão, colocando-o no camburão para ser apresentado na delegacia, limitando seu direito de ir e vir, de não ir, nem de ficar, para que o infeliz exerça direito (de manifestar-se ou de calar) que é exclusivamente seu. É por ferimento à proporcionalidade que o IDDD considera que a condução coercitiva de acusado, prevista no artigo 260 do CPP, não foi recepcionada pela Constituição de 1988.

Como o IDDD avalia o uso da medida na atualidade, em grandes operações policiais?

RSG: Nesses casos, a violação é, de primeira, à legalidade mesmo, já que a condução coercitiva autorizada pelo CPP exige a intimação prévia e desatendimento ao chamado, sendo certo que as conduções hodiernas prescindem dessas duas “formalidades”. Fala-se em um poder geral de cautela do Juiz Criminal, que, ao decretar a condução, adotaria medida menos rigorosa do que a prisão cautelar, o que é uma aberração. A ilegalidade passou a ser vista como um “bem” que se faz ao pobre diabo investigado. Não existe no processo penal garantista poder geral de cautela judicial contra o acusado. As medidas restritivas devem obedecer a tipicidade processual estrita, sob pena de serem descabidas, e dentre as medidas previstas não está a de condução forçada sem intimação prévia. Nesses casos, a prática é manifestamente inconstitucional.

O que motivou o IDDD a ingressar com o pedido de amicus curiae na ADPF 395?

RSG: Antes das grandes operações, a condução coercitiva de acusados era prática inusual. Com as grandes operações e a investigação penal centrada quase que exclusivamente em delações premiadas, as autoridades passaram a utilizar a surpresa da condução coercitiva como forma de induzir a delação, pela diminuição do campo de exercício da defesa. Explico-me: tomado o cidadão em pijama, de surpresa, às seis horas da manhã, muitas vezes sem saber que existe investigação contra si em curso, ele é levado à delegacia. Não é raro que o conduzido sequer tenha advogado, e àquela hora, com o celular apreendido, não tem como acionar um. Sua família, atônita, também pode ajudar pouco. No camburão, o silêncio já seria opressor, mas a esse coitado passam a ser contadas histórias contendo ameaças veladas ou diretas a si e a seus parentes, para o caso de não colaborar com as investigações. Invariavelmente, chega a proposta de delação como única solução para evitar a prisão cautelar. Do ponto de vista do conduzido, portanto, não se trata de mero transporte coercitivo para prestar depoimento, mas sim de prisão em perspectiva, que se encerrará com a “abertura do bico do passarinho para cantar”. Nesse ponto, o advogado passa a ser visto pelo próprio conduzido como um entrave para a liberdade almejada. Afinal, será o profissional quem sugerirá que depoimento não comece sem que antes se lhe mostre o mínimo de documentos para que ele exerça seu mister; poderá ser o advogado que sugerirá silêncio, em vez de colaboração, posturas profissionais que são inatacáveis, mas que são indesejadas pelos investigadores. Neste momento, numa espécie de Síndrome de Estocolmo, o conduzido pode passar a ter mais simpatia pelos algozes do que pelo advogado. Noutra ponta, dá sorte o advogado que chega a tempo de acompanhar o depoimento de seu cliente. Quando isso acontece, tem dificuldade de localizá-lo, de conversar com ele, não consegue acesso a todos os documentos da investigação, que muitas vezes estão noutra cidade, e os poucos documentos que vê, é obrigado a analisar sobre suas coxas, por tempo reduzido, sobrando alguns instantes para conversar com o constituinte e prepará-lo para o depoimento. Com honestidade de propósitos, a essas circunstâncias pode-se dar o nome de exercício amplo de defesa? Ao grupo de Litigância Estratégica parece que não, o que estimulou o IDDD a buscar interferir nos autos da ADPF 395, para ver cumpridos os mandamentos constitucionais que coíbem que se imponham tantas restrições ilegais ao exercício da defesa penal.

O que é sustentado pelo IDDD no caso?

RSG: Em brevíssima síntese, a inconstitucionalidade do artigo 260 do CPP, por violação ao devido processo legal, na vertente da proporcionalidade; e a inconstitucionalidade das conduções coercitivas decretadas sem desatendimento a intimação prévia para comparecer. Propusemos também interpretação conforme: tendo em vista que o artigo 218 do CPP estabelece que a testemunha poderá ser conduzida coercitivamente somente se, intimada, deixar de comparecer injustificadamente, pedimos que, se não acabar afastada por incompatibilidade com a Constituição o instrumento da condução coercitiva de acusado, pelo menos valham para os investigados ou réus os mesmos critérios estabelecidos pela lei para promover a condução sob Vara de testemunhas.

Qual a relevância para o direito de defesa de que o STF reconheça que o artigo 260 do CPP não foi recepcionado pela Constituição?

RSG: A Exposição de Motivos de nosso CPP, subscrita pelo Ministro do Estado Novo Francisco Campos, inspirado pelo Código de Processo Penal fascista, sob comando do simpatizante nazifascista Getúlio Vargas, contém o seguinte trecho: “Suprindo uma injustificável omissão da atual legislação processual, o projeto autoriza que o acusado, no caso em que não caiba a prisão preventiva, seja forçadamente conduzido à presença da autoridade, quando, regularmente intimado para ato que, sem ele, não possa realizar-se, deixa de comparecer sem motivo justo”. No fundo, portanto, o que as operações têm ofertado aos cidadãos brasileiros, nesse final da segunda década do século XXI, constitui tratamento mais severo do que o estabelecido por regime jurídico de cunho fascista. A importância da declaração de não recepção é fulcral, pois ambientes democráticos não devem dar espaço a espasmos autoritários. Se a opção for pela interpretação conforme proposta por nós, estaremos melhor do que hoje, mas ainda sob o domínio do pensamento que aterrorizou o mundo viu nos anos 30 e 40 do século passado.

O pedido de habilitação do IDDD foi deferido mesmo após pautado o processo no STF, o que é incomum. Qual é significado dessa conquista?

RSG: Diante de um caso tão candente, o grupo de Litigância também identificou a oportunidade de influir no alargamento da interpretação do STF no que se refere ao momento em que é cabível a habilitação de amigos da Corte. É que há orientação antiga no sentido de que apenas se admite o ingresso de amicus enquanto o feito não entrou em pauta. A ADPF 395 já estava pautada quando o caso chegou a nosso conhecimento e foi feito um belo trabalho no sentido de demonstrar que a restrição temporal à habilitação não fazia sentido. Esperamos que a jurisprudência do STF se consolide no sentido de se admitir a habilitação de amicus a qualquer tempo, pois assim a figura ganha maior amplitude, permitindo o acesso ao STF em maior número de casos, tornando os julgamentos de nossa Suprema Corte mais democráticos pela participação maior da sociedade civil.