Depois de muita pesquisa, amadurecimento e novas parcerias, o projeto Prova sob Suspeita inicia uma fase de compartilhamento e difusão de seus aprendizados entre defensores e defensoras, visando assim qualificar a Justiça criminal, que tem sido feita basicamente a partir de evidências precárias, em especial de provas dependentes da memória.
Realizado pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (DDD) em parceria com a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP) e a Escola Nacional das Defensoras e Defensores Públicos do Brasil (ENADEP), o curso “Prova sob Suspeita: um olhar crítico sobre as provas dependentes da memória” traz especialistas que são referências mundiais no tema, abordando várias de suas dimensões. A coordenação pedagógica é das professoras doutoras Janaína Matida e Verónica Hinestroza.
Os encontros, iniciados no dia 16 de abril, ocorrem semanalmente, às sextas-feiras, até o mês de julho. A formação visa difundir entre advogados/as e defensores/as públicos conhecimento jurídico interdisciplinar de ponta para qualificar estratégias defensivas e mudar as formas de valoração das provas nos tribunais. O objetivo é atualizar os profissionais para que estes, por sua vez, provoquem o Judiciário a produzir e valorar provas dependentes da memória em consonância com a ciência da Psicologia do Testemunho e da Neurociência, reduzindo vieses racistas.
Durante a primeira sessão do curso, foi lançado o caderno “Linhas defensivas sobre o reconhecimento de pessoas e a prova testemunhal”, material que traz enunciados para subsidiar a defesa na identificação de procedimentos inadequados de produção de provas, bem como no estímulo à adoção, pelo sistema de Justiça, de métodos mais precisos e atuais no trato com evidências criminais.
Sessões:
# 1: Início do curso
Encontro de apresentação do programa e lançamento do caderno “Linhas defensivas sobre o reconhecimento de pessoas e a prova testemunhal”.
#2: “Presunção de Inocência, Injustiça Epistêmica e Responsabilidade por Preconceitos Implícitos”
Conduzido pelas professoras doutoras Janaína Matida (Faculdade de Direito da Universidade Alberto Hurtado, Chile) e Miranda Fricker (The Graduate Center CUNY, EUA), o encontro debateu injustiças, sobretudo nos atos de partilha de conhecimento, que se dão em interrogatórios e investigações.
A sessão abordou a noção de “injustiça testemunhal”, que ocorre quando alguém dá sua palavra e, por causa do preconceito do ouvinte, recebe baixo nível de credibilidade – isto não é totalmente desacreditado. Foram discutidas ainda as diferentes etapas do processo legal em que o conceito pode ser aplicado.
MIRANDA FRICKER
Distinguished Professor de Filosofia no The Graduate Center, CUNY. Sua pesquisa concentra-se fundamentalmente nas áreas de Ética e Epistemologia Social, com especial interesse na perspectiva feminista. Autora de Epistemic Injustice: Power and the Ethics of Knowing (2007); co-autora e editora de Reading Ethics (2009); e co-editora de uma série de coleções, sendo a mais recente The Routledge Handbook of Social Epistemology (2019). Professora Honorária do Departamento de Filosofia na University of Sheffield, Membro da British Academy e da American Academy of Arts and Sciences. Futura presidente da American Philosophical Association (Eastern Division) de 2022 a 2023.
#3: “Garantias de Direitos Humanos aplicáveis à entrevista e devido processo”
Conduzida por Verónica Hinestroza, consultora e assessora sênior nas áreas de Direitos Humanos, Direito Internacional e Penal, a sessão discutiu formas de empregar a entrevista para extrair da memória informações verídicas e efetivas para a documentação de casos, sempre observando as garantias processuais e com máximo respeito à dignidade e aos direitos das pessoas, sejam essas acusadas de crimes ou vítimas.
VERÓNICA HINESTROZA
Consultora e assessora sênior em direito internacional dos direitos humanos e direito penal internacional, sobretudo no campo da documentação e investigação de graves violações dos direitos humanos (em especial maus-tratos e tortura, desaparecimentos forçados e homicídios arbitrários). Mestre pela University of Essex. Presidente do Comitê de Propósitos e Princípios de Investigação para o Desenvolvimento do ‘Protocolo La Esperanza’. Integra o Comitê Diretor pelo Desenvolvimento de um Conjunto de Padrões Universais para Entrevistas Não Coercitivas e Salvaguardas de Garantias Processuais e o Comitê Diretivo que desenvolve um protocolo universal das Nações Unidas para interrogatórios legais, efetivos e em conformidade com os direitos humanos. Especialista na Omega Research Foundation e Justice Rapid Response. Serviu como membro do grupo de trabalho encarregado de atualizar o Protocolo de Istambul.
#4: “Processo de memória e reconhecimento de pessoas”
A professora doutora Lilian Stein (Universidade Federal de Santa Catarina e PUC-RS) abortou o tema da fragilidade da memória humana e os diversos fatores que podem contribuir para um falso reconhecimento de pessoas. Entre esses fatores estão a própria natureza do funcionamento da memória, além das variáveis cognitivas, individuais e contextuais da testemunha ou vítima que interferem no ato do reconhecimento. Também foram debatidas as melhores práticas descritas pela psicologia do testemunho sobre a temática.
#5: “Entrevista de investigação”
O professor doutor Gavin Oxburgh (Northumbria University, Reino Unido) falou sobre a entrevista de investigação de vítimas, testemunhas, informantes e suspeitos desempenha um papel fundamental no direcionamento de investigações. Na sessão foram abordadas técnicas e tipologias de questionamento, que permitem obter informações precisas, abrangentes e atualizadas sobre a ocorrência de crimes. Para isso, Oxburgh tratou de habilidades específicas necessárias para a condução dessas entrevistas – bem como a compreensão dos fatores cognitivos, sociais e ambientais que influenciam os relatos de testemunhas e suspeitos -, de forma a garantir a coleta de informações confiáveis e sólidas a serem utilizadas nos processos respeitando os direitos e garantias individuais.
#6: “Técnica da linha do tempo”
Conduzida pela professora doutora Lorraine Hope (Universidade de Portsmouth, Reino Unido), a sessão, abordou a técnica inovadora de “linha do tempo”, que visa obter informações precisas e detalhadas em uma variedade de contextos investigativos. Desenvolvida no campo da psicologia cognitiva, a técnica considera o importante papel desempenhado pelo contexto temporal no processo de relatos de eventos testemunhados e traz benefícios para a exploração da organização da memória.
LORRAINE HOPE
Professora de Psicologia Cognitiva Aplicada na Universidade de Portsmouth e membro principal afiliado ao programa de Elicitation do UK National Centre for Research and Evidence on Security Threats (CREST). Líder estratégica do International Investigative Entrevisting Research Group e membro do Conselho Consultivo para uma Iniciativa de Direitos Humanos liderada pela ONU para o Desenvolvimento de um Protocolo Universal para Interrogatórios Não Coercitivos. Nos últimos 20 anos, sua pesquisa resultou no desenvolvimento de ferramentas e técnicas inovadoras para obter informações precisas e detalhadas em uma variedade de contextos investigativos (por exemplo, Técnica da Linha do Tempo, Entrevista Autoadministrada, Protocolo de Entrevista Estruturado). Fornece ferramentas para setores de polícia internacional, inteligência e segurança, incluindo agências internacionais e multinacionais, além do Tribunal Penal Internacional em Haia e do High-Value Detainee Interrogation Group.
#7: “Para além do testemunho: evidência forense”
O encontro foi conduzido pela professora doutora Mercedes Salado Puerto, antropóloga forense e coordenadora de identificação da Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), perita em inúmeras missões de treinamento e investigações forenses em mais de 25 países e membra-certificada da Associação Latinoamericana de Antropologia Forense (ALAF), integrando ainda diversos comitês na temática da antropologia forense.
A sessão tratou de boas práticas forenses de acordo com padrões internacionais a serem aplicadas nos processos criminais. Foram apresentadas técnicas e metodologias das ciências forenses que permitem uma abordagem de evidências menos dependentes da prova testemunhal e do reconhecimento de pessoas.
EQUIPE ARGENTINA DE ANTROPOLOGIA FORENSE – EAAF
Instituição científica, não governamental e sem fins lucrativos. Aplica metodologias e técnicas de diferentes ramos das ciências forenses para a investigação, busca, recuperação, determinação de causas mortis, identificação e restituição de pessoas desaparecidas. Trabalha com vítimas de desaparecimentos forçados; violência étnica, política, institucional, de gênero e religiosa; desaparecimentos atuais, tráfico de drogas, tráfico de pessoas, crime organizado; processos migratórios, guerras e conflitos armados, acidentes e catástrofes. Seu trabalho é baseado nos princípios dos Direitos Humanos, do Direito Internacional Humanitário e, fundamentalmente, do respeito ao direito individual e coletivo à identidade, verdade e justiça. Atualmente a EAAF é composta por mais de 60 membros. Abrange diferentes áreas científicas, como antropologia, arqueologia, medicina, biologia, genética, física, arquitetura, computação e geografia.
#8: “Evidência de dados abertos”
Conduzido por Gisela Pérez de Acha, jornalista especializada em perícia digital, advogada e professora de segurança cibernética da Escola de Graduação em Jornalismo da Universidade da Califórnia, Berkeley (EUA).
O encontro trouxe o tema da perícia digital e do uso de informações publicadas nas redes sociais para o reconhecimento de pessoas nos processos, considerando sua segurança e fiabilidade, bem como as graves violações que podem representar.
#9: “Influência de algemas e outros instrumentos de contenção nas audiências”
Conduzido por Matthew McEvoy, mestre em Direito Internacional dos Direitos Humanos e pesquisador associado da Omega Research Foundation (Reino Unido), o encontro apresentou orientações práticas quanto ao uso de algemas, bem como parâmetros e experiências internacionais no uso de ferramentas de contenção impostas a pessoas privadas de liberdade nas audiências judiciais criminais. O uso de algemas em audiências pode reforçar estigmas e preconceitos ou, até mesmo, interferir na decisão judicial. Também foram abordados na sessão outros instrumentos de contenção menos intrusivos.
#10: “Protocolo de entrevista em audiência”
A aula do defensor público federal assistente do Distrito de Maryland (EUA), Christian Lassiter, discutiu o impacto dos vieses raciais e do racismo estrutural nas audiências. Foram apresentadas técnicas e experiências do palestrante com relação ao enfrentamento do viés racial nos tribunais dos EUA. Também foram debatidos diferentes protocolos de entrevista, suas abordagens e técnicas, de forma a obter relatos mais precisos possíveis. Em conjunto, os procedimentos e o emprego adequado das técnicas permitem balizar a valoração da prova testemunhal.
#11: “Reconhecimento Facial e Aprendizado de Máquina”
Encontro conduzido por Pablo Nunes, coordenador adjunto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), e Clare Garvie, advogada com formação também em ciência política, direitos humanos e psicologia. A sessão debateu o uso de tecnologias de reconhecimento facial como estratégia de investigação policial em processos criminais. O encontro trouxe um panorama sobre a funcionalidade e operacionalização dessas tecnologias para a realização de reconhecimentos e uma discussão acerca dos riscos de seu uso a partir de uma perspectiva sobre os vieses e preconceitos implícitos.
#12: “Litígio Estratégico”
Aulas de Fabián Sánchez Matus, diretor executivo do Laboratorio de Litigio Estructural, do México; Adriana Garcia e Natasha Arnpriester, advogadas na Open Society Justice Initiative. A sessão abordou estratégias de litigância perante o Sistema ONU e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, além da importância da documentação completa dos casos criminais desde o início. Foram apresentados os tipos de evidência mais importantes em cada um dos dois sistemas de litigância, com exemplos de casos em que determinados tipos tenham sido cruciais.
NATASHA ARNPRIESTER
Advogada da Open Society Justice Initiative. Doutora em Direito e Mestre em Psicologia Clínica. Já trabalhou na ONU, Human Rights Watch e Human Rights First. Especialista em direito internacional dos direitos humanos..
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Confira os vídeos de apresentação de alguns dos especialistas que conduzem as sessões do curso: