Notícias

O combate à tortura no Sistema de Justiça Criminal

Bate-papo promovido pelo IDDD no dia 15 de maio reuniu especialistas que trabalham com a temática para debater meios de combater a prática

DSCN8374

O ciclo da prática de tortura no Sistema de Justiça Criminal e os meios de suprimi-la foram os temas do bate-papo realizado pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) no último dia 15 de maio, na capital paulista. Para a discussão, que reuniu cerca de 35 pessoas, o IDDD convidou a diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch, Maria Laura Canineu; o coordenador do programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos, Rafael Custódio; e a integrante do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de Pernambuco (MEPCT-PE), Maria Clara de Sena. O debate foi mediado por José Carlos Abissamra Filho, Diretor do IDDD responsável pelo evento.

Maria Laura Canineu trouxe dados da pesquisa da Human Rights Watch, lançada em 2016, sobre violência policial no estado do Rio de Janeiro, para abordar o tema da violência praticada na entrada do sistema, durante a abordagem policial. Em sua fala, destacou a institucionalização do uso da tortura pela corporação como forma de obter confissões e também de punição, o que transforma a prática em uma política de segurança pública local.

Canineu também expôs números do levantamento divulgado pela organização em 2014, sobre o envolvimento de agentes estatais em casos de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante em cinco estados brasileiros (Bahia, Espírito Santo, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo).  Dos casos estudados à época da pesquisa “em comum, observou-se as falhas relacionadas ao exame de corpo de delito e a falta de possibilidade de as vítimas denunciarem a tortura que sofreram. Isso porque, 3 meses depois, quando tinham a possibilidade de encontrar com uma autoridade judicial durante uma audiência, as provas já teriam sumido [do corpo]. ” De acordo com Maria Laura, “essa realidade mudou um pouco com as audiências de custódia”.

Rafael Custódio, representante titular da Conectas Direitos Humanos no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, chamou atenção para reações das instituições do Sistema de Justiça Criminal diante dos casos de tortura observados em audiências de custódia acompanhadas pela organização durante a pesquisa “Tortura Blindada”, lançada em fevereiro deste ano. Dos 393 casos analisados no estudo, em 1/3 das vezes os juízes se quer perguntaram aos presos se sofreram agressão ou violência no momento da prisão, questão de suma importância no procedimento, tida como um dos objetivos desse tipo de audiência. Em cerca de 80% das vezes em que as pessoas relataram ter sido vítimas de agressão, os representantes do Ministério Público – órgão competente pelo controle externo da atividade policial – não fez qualquer tipo de pergunta para o custodiado sobre o ocorrido, e em 22% das ocasiões em que se manifestaram de alguma maneira, os promotores usaram sua fala para justificar a suposta agressão policial. Dos 393 casos acompanhados, houve a instauração de inquérito policial para apuração da denúncia em apenas um.

Para Rafael, as audiências de custódia têm constituído um elemento importante para o debate sobre o papel do Ministério Público e do Judiciário. “É absolutamente inadmissível que um promotor de Justiça ou um juiz de Direito se sinta autorizado a convalidar qualquer tipo de prática de violência policial como se fosse algo absolutamente normal e de menor importância”, destacou. Por fim, defendeu que “não será através de novas leis e procedimentos legais, que vamos mudar essa realidade. Precisamos incidir sobre as instituições do sistema de Justiça e denunciar quem pratica e negligencia a tortura, impondo a eles a mudança necessária”.

DSCN8350

Já Maria Clara de Sena apresentou ao público o funcionamento do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de Pernambuco. Maria Clara é a primeira transexual do mundo a assumir o cargo no órgão e, desde então, tem concentrado seu trabalho no atendimento a pessoas LGBTs nas prisões do estado. Ressaltando a importância da diversidade de representatividade entre os integrantes do órgão, para que nas visitas aos presídios estejam atentos às especificidades de todas as populações encarceradas, destacou que as mulheres travestis e transexuais sofrem uma violência dupla dentro das unidades. “Além da violência por parte do Estado, que qualquer preso já sofre, essas meninas também são torturadas pelos outros presos”, salientou.

Uma das conquistadas alcançadas por Maria Clara por meio do MEPCT-PE foi a criação de um pavilhão para as mulheres transexuais e travestis no Presídio de Igarassu, Região Metropolitana do Recife. Antes, elas eram encaminhadas para um pavilhão onde ficavam os detentos condenados por crimes de estupro, pedofilia e agressão a idosos, sendo constantemente vítimas de violência física e sexual.

O debate também foi marcado pelas intervenções de outros especialistas da área, presentes no evento. Alderon Costa, Ouvidor-Geral da Defensoria Pública de São Paulo, defendeu a união entre as instituições do Sistema de Justiça Criminal para o combate à tortura, pois o problema é sistêmico. Para Alderon a discussão está concentrada na esfera prisional. Já Sheila de Carvalho, Assessora do Núcleo de Atuação Política do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), enfatizou a necessidade da criação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura em São Paulo, estado com a maior população carcerária do país (mais de 220 mil pessoas, o que representa 35% do total de presos do Brasil, de acordo com os dados do último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – dezembro/2014).

Financiadores

ver todos +