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Que a sombra dos ricos ilumine os pobres

Thiago Gomes Anastácio
Diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa

Artigo originalmente publicado no portal JOTA, em 30 de junho de 2015.

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Meu escritório foi consultado para defender um parlamentar no bojo da Operação Lava Jato e o bom senso indica que eu não deveria mais falar sobre o tema. A sorte é que a consulta versa sobre a Ação Originária que tramita no Supremo Tribunal Federal, portanto longe dessa Oscar Freire da Justiça Brasileira, a vara do Dr. Sérgio Moro, de vis atractiva ainda a ser explicada à vista do bom direito.

BANESTADO caiu lá.

Operação CURAÇAO caiu lá, por causa do BANESTADO.

Operação FAROL DA COLINA caiu lá, por causa do BANESTADO.

Operação LAVA­JATO caiu lá, por causa do BANESTADO.

“Caiu”, em termos advocatícios, significa competência/distribuição/conexão por prevenção.

E BANESTADO parece significar algo mais potente do que a maçã de Isaac Newton para a força atrativa da Terra.

Tenho a mesma posição de sempre sobre o ínclito magistrado. Ele é discreto e faz um bom trabalho de investigação. De juiz (ou seja), de cumprir inexoravelmente os princípios basilares da presunção de inocência, da isonomia das partes no processo penal e alguns correlatos, ele fica a muito a dever.

Tem sofrido críticas bastante embasadas até de intelectuais que se posicionam abertamente contra o governo PTista e que querem maiores revelações sobre os supostos crimes ocorridos na Petrobrás. Reinaldo Azevedo, jornalista considerado um conservador (ele é mais um legalista do que um conservador), de ampla cultura clássica e muito talento, criticou duramente a violação à presunção de inocência com as prisões evidentemente sem fundamentos hígidos e dirigidas para coagir até se alcançar a delação premiada. O bom é que o Brasil vai se adequando pelos poucos intelectuais que tem ao sistema democrático de direitos e garantias individuais, ou seja, ao legalismo, às limitações impostas ao Estado pelas Leis. Não importa as paixões e opiniões, a Lei é a Lei.

Há um ponto bastante curioso.

Em breve, quando o Supremo Tribunal Federal começar a analisar os Habeas Corpus em defesa da liberdade de homens muito ricos, as calúnias e insinuações de internet começarão. É, miseravelmente, comum.

Mas vamos colocar pingos nos is.

Primeiro: rico ou pobre, todos são presumidamente inocentes.

O Estado deve, porque gasta muito dinheiro para isso, produzir provas capazes de se sustentar mesmo diante dos melhores ataques que possa sofrer das defesas. E são esses ataques que legitimam ou deslegitimam a prova. É uma questão que deveria ser regulada pelo Código de Defesa do Consumidor! Tratam­se, as tais provas penais, de um serviço do Estado pago – e muito bem – pelo contribuinte. Se as provas tombam, o serviço foi mal feito. Se as provas se mantêm hígidas, o trabalho foi bem feito.

Outro ponto relevante é que o que é produzido fora da dialética judicial, ou seja, sem que seja apresentado pelo acusador perante um juiz e sofra esperados ataques da defesa (o bom juiz os espera sempre ansiosamente) não passam de PISTAS sobre provas.

Sim, pistas. Escolhemos o nome indícios, mas o que se tem são pistas. Pistas só se tornam provas aos olhos de um juiz. Ao menos, a Lei afirma que deveria ser assim.

Estamos acostumados e aplaudimos apresentações canhestras de delegados e promotores de justiça expondo, ao longo ou findas as investigações, o que chamam de provas cabais, provas definitivas. E pior ainda, a população mal sabe que um promotor não é um juiz e um delegado não faz outras coisas senão apresentar pistas sobre provas.

Esses novos showmen ofendem o direito de defesa e a boa magistratura. Com isso, instigam a opinião pública e agora, principalmente, as paixões políticas que envolvem o atual e clamoroso escândalo público.

Mas lembremo­-nos que nossos cárceres não estão e nunca estarão recheados de pessoas ricas. É da gênese do direito penal que ele seja, nos países com grande desigualdade social, usado como espécie de contenção. Existem centenas de tratados sobre o tema.

Portanto, tenhamos cautela em aplaudir as prisões de hoje por causa dos regozijos e esperanças políticas. As últimas prisões da Operação Lava ­Jato são todas ilegais e violam a presunção de inocência; ou seja, colocou no cárcere homens ricos porque, em tese, teriam cometido crimes, embora a lei indique que, se em tese, uma pessoa cometeu crimes, ela deve ser processada e não presa. A prisão processual é uma medida urgente e que se mostra necessária em hipóteses específicas, como de destruição ou desaparecimento de provas, indícios de fuga etc.

Alguns poderiam afirmar: mas se cometeram os crimes, devem estar presos! A ideia soaria, num botequim, como boa. Pareceria até vinda de um jurista. Mas e se os presos preventivamente não cometeram os crimes?

Serão os juízes a restituir meses – e muitas vezes ­ anos de prisão, em que se perdeu a vida social, o prestígio e, nos casos dos ricos, muito dinheiro?

Ao tempo em que essas linhas são escritas, surgiu ao público – talvez, e explicarei o porquê ­ uma das maiores barbaridades da história judicial brasileira. Trata­-se, aparentemente, de uma piada. Espero que seja. Aprecio o bom humor. O juiz Sérgio Moro deve ter acordado esses dias e pensado: “Vou tirar um sarro desse pessoal, quebrar um pouco o gelo”.

Explico:
Em decisão que aprisionou preventivamente um e manteve aprisionados outros investigados, o ínclito juiz afirmou que o motivo da mantença das prisões contestadas seria a defesa pública que a Odebrecht lançou à imprensa.

Para falar da defesa pública da companhia, utilizou-­se de expressões jocosas, como “o inusitado comunicado” e ainda propõe que tipos de argumentos seriam os adequados à defesa.

Trata­-se, evidentemente, de uma ironia, de um ato de bom humor. Por certo o ínclito juiz irá se pronunciar explicando que tal manifestação não passou de um ato divertido, para amenizar o estresse daquela jurisdição.

Pois caso essa decisão seja séria, está-­se diante de juiz usando uma defesa pública, legítima e pertinente, de uma empresa e seus empregados, como escopo para prender. E estaríamos diante de caso grave a ser repudiado pela Corregedoria do Tribunal Regional ou pelo CNJ, com providências sérias demais a serem tomadas.

Torço para que seja jocoso. Mesmo.

A lição que fica é que as ilegalidades cometidas contra os ricos iluminam os problemas da nossa Justiça criminal.

Porque as sofridas pelos pobres, ninguém está nem aí mesmo.

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