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O assistente técnico da defesa no Tribunal do Júri

Renato Marques Martins
Diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)

Artigo originalmente publicado no portal JOTA, em 27 de julho de 2017.

Alguns juízes presidentes de Tribunais do Júri têm obrigado a defesa a computar o seu assistente técnico no número legal de cinco testemunhas a serem ouvidas em plenário, situações nas quais a defesa, no mais das vezes, acaba obrigada a abrir mão de uma de suas testemunhas para poder ouvir o assistente técnico, o que cerceia o exercício da “plenitude[1] de defesa” garantida no art. 5º, inc. XXXVIII, “a”, da CF.

Mas assistente técnico e testemunha são figuras que se confundem? Evidentemente que não. Na mais balizada lição de Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, na obra clássica “Da Prova no Processo Penal”: “testemunha é todo homem, estranho ao feito e equidistante às partes, capaz de depor, chamado ao processo para falar sobre fatos caídos sob seus sentidos e relativos ao objeto do litígio. (…) Depois, há de ser um terceiro estranho ao feito, não se incluindo entre os sujeitos processuais, nem tampouco como auxiliares do juízo, e equidistante das partes, com elas não mantendo relação de parentesco, interesse ou amizade que as tornem impedidas ou suspeitas de depor” (4ª ed., São Paulo, Ed. Saraiva, p.128/129[2]).

Já o assistente técnico, assim como o perito, não presenciou os fatos, apenas depõe sobre questões estritamente técnicas, emitindo um juízo de valor profissional sobre determinados fatos e circunstâncias com base em dados científicos e em sua experiência profissional (Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha. Da Prova no Processo Penal, 3a ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 115-116). Nesse sentido: “os assistentes técnicos são contratados e remunerados pelas partes para trazer dados técnicos e científicos à apuração dos fatos e aclaramento das diligências realizadas pelo perito do juízo. … embora de atuação parcial, os assistentes técnicos tampouco se confundem com as testemunhas, porque são remunerados, não respondem pelo crime de falso testemunho, cujos sujeitos ativos são específicos (art. 342, caput do CP), além de desempenharem função diversa das testemunhas[3].

Ou seja, o assistente técnico é contratado pelo acusado (ou pelo Ministério Público), não sendo equidistante das partes, como é ou deveria ser o perito. Não obstante, importante consignar que o fato de ter sido contratado por uma das partes não retira, por si só, o valor de suas declarações, que deve ser medido pela correção de sua ciência, pela procedência de suas afirmações, e não por uma presumida e no mais das vezes mal representada fé-pública que deveria sustentar as conclusões dos peritos oficiais.

Mas então por que alguns juízes não têm admitido que a defesa ouça o assistente técnico além do número de cinco testemunhas, obrigado a ouvi-las como se testemunhas fossem? É fato que o procedimento do Júri instituído pela Lei nº 11.689/08 somente fala de assistente técnico na hipótese de o plenário precisar ser dissolvido para verificação de fato reconhecido essencial para o julgamento da causa que não puder ser realizada imediatamente, oportunidade em que, “Se a diligência consistir na produção de prova pericial, o juiz presidente, desde logo, nomeará perito e formulará quesitos, facultando às partes também formulá-los e indicar assistentes técnicos, no prazo de 5 (cinco) dias[4].

Os demais artigos relativos ao procedimento do júri somente falam a respeito da oitiva de testemunhas e de peritos[5]. Parece que as duas leis que reformaram o capítulo relativo ao procedimento do júri (Lei nº 11.689/08) e o capítulo relativo à prova (Lei nº 11.690/08), como era de se esperar, acabaram por quebrar a sistemática do Código de Processo Penal. Tanto assim o é que o Capítulo VI, do CPP, que cuida “Dos Peritos e Intérpretes”, não foi atualizado de acordo com as citadas novas leis, não existindo qualquer disciplina sobre o assistente técnico.

Contudo, se durante a fase do sumário da culpa a parte pode indicar assistente técnico (art. 159, §5º, II, do CPP[6]) para ser ouvido em audiência, com o fim de, evidentemente, convencer o juiz presidente acerca de alguma questão técnica que pode levar à absolvição sumário ou à impronúncia, ou até mesmo ao afastamento de uma qualificadora, com muito mais razão a parte tem o direito de o seu assistente técnico ser ouvido perante os jurados, que são os juízes soberanos da causa. Não faz, portanto, sentido algum querer cercear o direito de a parte ouvir o assistente técnico durante o plenário, ou de obrigar a defesa a abrir mão de uma de suas testemunhas para ouvi-lo, a não ser por mera parcialidade ou pelo desiderato de cercear a defesa ao máximo possível.

Atento a tal cerceamento de defesa, o STJ, em recente decisão proferida no RHC nº 80.034, de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior (em 22/03/17), reconheceu o direito de o acusado perante o Tribunal do Júri ouvir em plenário o assistente técnico indicado pela defesa além do número legal de cinco testemunhas. No mesmo sentido também já decidiu o STF no HC n° 120.676 (relatoria do Min. Celso de Mello, em 19/12/13).

Por fim, ao assistente técnico não se impõem as restrições típicas às testemunhas, como a obrigatoriedade de o depoimento ser prestado oralmente, sendo proibido à testemunha trazê-lo por escrito, o que poderia levar à má interpretação de o assistente técnico não poder fazer uso de meios audiovisuais, como a apresentação de croquis, gráficos ou imagens. Nesse sentido já decidiu, não obstante por maioria de votos, o TJSP no HC nº 2071290-51.2017.8.26.0000, nos termos do voto do 2º Juiz, o Desembargador Hermann Herschander.

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[1] Sobre a diferença entre “plenitude de defesa” e “ampla defesa”, ver Guilherme de Souza Nucci, Princípios Constitucionais, SP, Editora Juarez de Oliveira, 1999, p. 139/140.

[2] Vide também, sobre o conceito de testemunha: Vicente Greco Filhotestemunha é “pessoa(s) desinteressada(s) que presta(m) depoimento(s) sobre fatos pertinentes e relevantes do processo” (“Manual de processo penal“, SP, ed. Saraiva, 1991, p. 205).  Também na definição de Frederico Marques, testemunhas “são TERCEIROS chamados a depor, …” (“Elementos de direito processual penal“, SP, ed. Forense, 2ª ed., 1965, III/335, nº 489). Idem o Prof. Tourinho Filho no seu consagrado “Processo penal“, onde leciona que testemunha é uma pessoa “distinta dos sujeitos principais do processo penal …” (SP, ed. Saraiva, 6ª ed., 1982, III/258).

[3] Voto vencido do em. Des. Ivan Sartori, do eg. TJSP, no HC que originou o RCH nº 80.034[3], rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 22.03.17.

[4] Art. 481.  Se a verificação de qualquer fato, reconhecida como essencial para o julgamento da causa, não puder ser realizada imediatamente, o juiz presidente dissolverá o Conselho, ordenando a realização das diligências entendidas necessárias.

Parágrafo único.  Se a diligência consistir na produção de prova pericial, o juiz presidente, desde logo, nomeará perito e formulará quesitos, facultando às partes também formulá-los e indicar assistentes técnicos, no prazo de 5 (cinco) dias.

[5] Art. 431.  Estando o processo em ordem, o juiz presidente mandará intimar as partes, o ofendido, se for possível, as testemunhas e os peritos, quando houver requerimento, para a sessão de instrução e julgamento, observando, no que couber, o disposto no art. 420 deste Código.

Art. 473.  Prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária quando o juiz presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as testemunhas arroladas pela acusação.    (…)

  • 3o As partes e os jurados poderão requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis.

[6] § 5o  Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia:(…)

II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.

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