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Nota pública: Não é tragédia anunciada, é tragédia produzida

Nos últimos dias, pelo menos 55 pessoas sob custódia do Estado brasileiro foram mortas em presídios do Amazonas. A nova tragédia acontece menos de dois anos depois do massacre de 56 pessoas no Compaj (Complexo Anísio Jobim), em janeiro de 2017.

A matança registrada entre domingo e segunda-feira (26 e 27/5) não pode ser atribuída ao desconhecimento das autoridades sobre a situação do sistema prisional. Relatórios da ONU, do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e inspeções conduzidas por organizações não-governamentais evidenciam, há anos, que episódios de violência generalizada continuarão se repetindo caso o país não enfrente o encarceramento massivo e garanta condições dignas para o cumprimento das penas.

O Estado do Amazonas tem indicadores especialmente preocupantes. Nas unidades onde as mortes ocorreram – Compaj, CDPM1 (Centro de Detenção Provisória Masculina 1), Ipat (Instituto Penal Antônio Trindade) e UPP (Unidade Prisional do Puraquequara) -, a taxa média de ocupação é de 207,4%. Em todo o Amazonas, segundo dados de junho de 2016 do Ministério da Justiça, cada vaga é ocupada por cinco pessoas e mais de 64% dos presos e presas não têm condenação definitiva.

É errôneo afirmar que o governo brasileiro se omite diante dessas informações: deliberadamente, nossas autoridades tomam o caminho oposto, reforçando todas as condições que reproduzem a violência e aumentam o poder das organizações criminosas que operam nos presídios.

Um bom exemplo dessa política é o endosso parlamentar ao PL 7223/16, que cria o regime disciplinar de segurança máxima e aumenta para o 720 dias o tempo em que uma pessoa presa pode ficar em isolamento – essa prática, aliás, é equiparada à tortura pela ONU.

Outra medida que pode avançar nos próximos dias é o PLS 580/2015, que obriga o preso a arcar com os custo de seu tempo na prisão e, assim, coloca uma dívida injusta e certamente intransponível em seu caminho para a ressocialização. O projeto foi aprovado por unanimidade na Comissão de Direitos Humanos do Senado e aguarda análise pelo Plenário.

Podemos somar a essas iniciativas que endurecem a política penal o ímpeto privatizante de governadores como João Doria, de São Paulo, que anunciou a entrega do sistema prisional do Estado à iniciativa privada. A eles é importante lembrar que o Compaj é atualmente administrado por uma empresa.

As propostas para superar esse “estado de coisas inconstitucional”, como sentenciou o STF (Supremo Tribunal Federal), existem. Após o massacre de 2017, o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) elaborou seis medidas concretas para reduzir a superlotação e melhorar o sistema penitenciário, entre elas a proibição da prisão preventiva para crimes sem violência ou grave ameaça com pena mínima igual ou menor a quatro anos.

O Instituto também apoia iniciativas como o  PL 4373/16, que obriga os parlamentares a apresentarem uma análise de impacto social e orçamentário sempre que suas propostas criem novos tipos penais, aumentem penas ou  tornem a progressão de regime mais rigorosa, e o PL 6620/16, que dá concretude legal às audiências de custódia.

Enquanto o país não se comprometer com medidas que colocam  freios ao encarceramento massivo, continuaremos produzindo tragédias como essa.