Notícias

Nota pública da Rede Justiça Criminal: Prisão preventiva não é pena!

Rede Justiça Criminal manifesta seu posicionamento sobre o uso abusivo das prisões provisórias e a necessidade de um maior controle de tal dispositivo

País tem mais de 250 mil presos provisórios - equivalente a 33% da população carcerária. (Foto: Aline Souza)

Diante dos intensos debates ocorridos nos últimos dias, a Rede Justiça Criminal vem a público manifestar seu posicionamento sobre o uso abusivo das prisões provisórias e a necessidade de um maior controle na aplicação de tal dispositivo. Neste sentido, as mudanças introduzidas pelo artigo 316, parágrafo único, no Código de Processo Penal brasileiro (CPP) representaram avanços importantes, impondo a necessidade de revisão das prisões preventivas após a sua decretação dentro de um prazo legal de 90 dias. É alarmante a quantidade de pessoas privadas de liberdade no Brasil. Predomina no país uma política ostensiva de encarceramento, cujo resultado mais imediato é o aumento vertiginoso de sua população carcerária. Entre os anos 2000 e 2016, a taxa de aprisionamento no Brasil teve um incremento de 157%.

De acordo com dados do Infopen, em dezembro de 2019 existiam 748 mil pessoas presas em estabelecimentos carcerários em todo o país, a despeito de um déficit de mais de 300 mil vagas. Desse total, a maioria é composta por jovens negros, pobres e de baixa escolaridade. Além disso, de acordo com o Tribunal de Contas da União, o custo de manutenção dos presídios superlotados custa R$ 15,8 bilhões ao ano, sendo que seria necessário o investimento de R$ 97 bilhões para zerar o déficit de vagas prisionais e reformar as que se encontram em situação precária.

Diante deste cenário, o uso excessivo e indiscriminado das prisões provisórias torna-se ainda mais preocupante, chegando a ultrapassar em reiterados casos o prazo de 90 dias de custódia previstos em lei, sem a devida reavaliação dos requisitos autorizadores. De acordo com o CNJ, o tempo médio que uma pessoa presa provisoriamente aguarda pelo julgamento varia de 172 a 974 dias, sendo que 29% passam mais de 180 dias encarceradas antes de receber sentença condenatória. Em um país cuja população prisional é a terceira maior do mundo, o número de pessoas presas sem condenação definitiva atinge, atualmente, um patamar de 222.558 mil.

Quando julgadas, 37% sequer são condenadas com pena privativa de liberdade ao final do processamento. A prisão preventiva tem natureza processual e não pode ser confundida com a pena. Além disso, só pode ser aplicada como uma exceção à regra que determina que a prisão somente pode ser efetuada após o trânsito em julgado da sentença condenatória, ou seja, quando não cabe mais a possibilidade de recursos, de acordo com o princípio constitucional da presunção de inocência. No entanto, o que se vê no Brasil é o contrário do que diz a lei: a prisão preventiva tem sido utilizada como forma de punição prévia e sem a devida revisão legal. É importante ressaltar que a intenção do artigo 316 é justamente impedir que uma pessoa permaneça privada de sua liberdade por tempo indeterminado e à revelia do devido processo legal. Trata-se, portanto, de uma medida bastante positivae que contribui para inibir o uso abusivo de prisões cautelares.

É igualmente importante salientar que a clientela preferencial da política criminal vigente tem cor, raça e classe pré-estabelecidos. Portanto, as determinações contidas no artigo 316 beneficiariam um número significativo de pessoas que aguardam julgamento presas e cujos direitos são constantemente violados por um sistema penitenciário estruturalmente colapsado e reprodutor de violências e crueldades.

Individualizar o debate a partir de casos de grande visibilidade pública e que não correspondem à realidade da maioria das pessoas encarceradas no Brasil apenas contribui para o reforço da seletividade penal. Para a Rede Justiça Criminal, o encarceramento massivo, seletivo, abusivo e inócuo para a prevenção da violência coloca em xeque o atual sistema de justiça de criminal e retroalimenta as desigualdades profundas que permeiam e castigam a nossa sociedade. Medidas que não contemplem o Estado de Coisas Inconstitucional do sistema carcerário brasileiro e que estejam em dissonância com os direitos humanos e o princípio da presunção de inocência – como a antecipação do trânsito em julgado e outras propostas que tenham como resultado o aumento do encarceramento em massa – não são e não podem servir como respostas para sanar anseios mais imediatos. O custo da condenação de inocentes não justifica esse tipo de medida extrema.

Assinam esta nota:

ANADEP – Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM
Iniciativa Negra por uma nova Política sobre drogas
Nova Frente Negra Brasileira
Rede Justiça Criminal
SASP – Sindicato dos Advogados de São Paulo