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IDDD entra com ação civil pública para garantir direitos básicos para a população prisional

Ação ocorre diante do descumprimento de protocolos básicos de combate à pandemia nas prisões

De acordo com o Núcleo Especializado de Situação Carcerária (NESC), mais de 70% dos estabelecimentos racionam água (Foto: Marlene Bergamo/Folhapress)

Na última sexta-feira (14), o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), representado de forma pro bono pelo escritório de advocacia Tozzini Freire, protocolou uma ação civil pública para exigir do Estado de São Paulo medidas mínimas de proteção dos direitos fundamentais da população prisional, diante do descumprimento de protocolos básicos para conter a proliferação da pandemia no sistema carcerário.

A ação requer fornecimento ininterrupto de água aos detentos; garantia de pelo menos 6 horas diárias de banho de sol em todos os estabelecimentos prisionais do estado; fornecimento de itens básicos de higiene como sabão e álcool em gel, além de equipamentos de proteção individual; abastecimento de remédios e fornecimento obrigatório de alimentação; material de limpeza suficiente para aumentar a frequência da assepsia dos espaços; a presença de equipes médicas para viabilizar a triagem de quem entra e sai, bem como detectar casos suspeitos entre as pessoas presas; a realização de campanhas informativas sobre a COVID-19; dentre outras medidas.

São Paulo hoje concentra cerca de 30% da população carcerária brasileira, o que significa mais de 230 mil pessoas distribuídas entre 172 unidades, das quais duas em cada três estão superlotadas. As celas não têm ventilação adequada e, de acordo com o Núcleo Especializado de Situação Carcerária (NESC), mais de 70% dos estabelecimentos racionam água, como é o caso do Centro de Detenção Provisória de Mauá, que tem apenas quatro horas diárias de acesso, segundo denúncias recentes. Em inspeções, o NESC verificou que 69% dos presos ouvidos não recebem sabonete quando precisam e a maioria das unidades não conta com distribuição de kits de higiene que atendam a demanda.

Segundo levantamento de dados feitos pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, 77,28% das unidades prisionais no estado não possuem equipe mínima de saúde e a maior parte das prisões não conta com médicos em seu quadro de funcionários.

“Temos observado não só o descumprimento dos protocolos, como muitas vezes medidas contrárias ao que os epidemiologistas recomendam, como pessoas sintomáticas convivendo com outras que não foram testadas, suspensão do banho de sol – pasmem – como medida preventiva, e uma combinação de insuficiência dos materiais de higiene disponíveis com o impedimento da chegada do jumbo [pacote com itens pessoais normalmente enviado pelas famílias, agora impedidas de entregá-los, já que as visitas foram interrompidas]”, ressaltou Hugo Leonardo, presidente do IDDD.

Não se sabe o atual grau de contágio da COVID-19 nas penitenciárias da São Paulo, pois apenas 15% da população carcerária foi efetivamente testada, segundo dados oficiais do Infopen. Entre as poucas instituições que receberam testagem em massa, os resultados foram alarmantes, indicando o contágio de uma em cada três pessoas presas. Na Penitenciária II de Sorocaba, testes realizados pela SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) mostram que, dos 2.062 detentos que tiveram amostras coletadas, 747 (36%) apresentaram laudos positivos para anticorpos, indicando contato com o vírus. Se esses índices de contágio se replicarem em toda população carcerária do estado, serão mais de 85.000 infectados.

Para reduzir danos

Ainda em março, o IDDD foi ao STF em busca de uma determinação para que juízes e tribunais se pronunciassem a respeito de medidas de desencarceramento para pessoas nos grupos de risco, gestantes, lactantes e acusados de crimes sem violência ou grave ameaça. A organização já alertava que esta seria uma das únicas possibilidades de diminuir efetivamente os impactos da pandemia e poupar vidas, diante da situação degradante que caracteriza historicamente o sistema prisional brasileiro.

Diante da resistência do Judiciário ao tema do desencarceramento, o presidente do IDDD destaca que a ação civil pública cumpre um papel de reduzir danos. “A população carcerária infelizmente não foi incluída nas medidas de contenção da pandemia e não há justificativa possível para isso. A ação na verdade busca garantir o mínimo, numa realidade tão perversa em que itens como sabão podem ajudar a reduzir o tamanho da tragédia”, observa Hugo Leonardo.

Um estudo feito pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) analisou 6.781 decisões de Habeas Corpus que mencionam a COVID-19 entre os dias 18 de março e 4 de maio. Em 88% dos casos, o pedido foi negado, mostrando a posição do judiciário paulista a respeito de medidas de concessão de liberdade como saída para o problema do coronavírus nas prisões. O projeto de mutirão carcerário do IDDD, ainda em processo, encontrou um cenário semelhante. Ao todo foram 467 pessoas atendidas, tendo sido negadas a liberdade e a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar a 370 delas até o momento.

Nos lugares em que essa resistência ao desencarceramento é menor, milhares de vidas devem ter sido poupadas. Uma projeção da organização norte americana ACLU (American Civil Liberties Union) revela que estados que começam a ver redução da população carcerária, como o Colorado, que pôs em liberdade 31% de seus presos, tiveram um potencial de cerca de 1.100 vidas salvas, contando as pessoas presas e as comunidades nas quais se inserem.

A ação civil pública deve ser julgada pela 6a Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo. Se deferido o pedido, as medidas de contenção como distribuição de material e fornecimento ininterrupto de água deverão ser tomadas, sob pena de multa e outras sanções. Na quarta-feira (19), o Ministério Público de São Paulo emitiu parecer favorável à ação do IDDD. No documento, o órgão atribui à administração pública o dever de “implementar as ações que se mostrem necessárias à resguardar a saúde das pessoas privadas de liberdade, especialmente diante da pandemia da COVID-19 e do elevado índice de contágio existente nas prisões, sob pena de responsabilização objetiva pelos danos que venham sofrer os indivíduos que se encontram submetidos ao poder estatal”.

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