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Flávia Rahal: “O que mais vulnerabiliza o papel do STF são as decisões tomadas com olhos e ouvidos voltados a atender a ‘voz das ruas’”

Presidente do Conselho do IDDD, Flávia Rahal, em entrevista, comentou decisão do ministro Edson Fachin

Advogada Flávia Rahal fala em evento do IDDD
Para Rahal, é necessário que se dê a mesma credibilidade à defesa que é conferida à acusação [Foto: Alice Vergueiro]

Na semana do Dia Internacional da Mulher, a presidente do Conselho Deliberativo do IDDD, a advogada Flávia Rahal, responde a seis perguntas sobre o significado da decisão do STF que, na última segunda-feira (8), anulou as condenações da Justiça do Paraná contra Lula. Rahal falou do perigo da demora em se fazer Justiça e da importância do fortalecimento das instituições estritamente em seus respectivos papéis como único caminho para realização do Estado Democrático de Direito. A presidente do Conselho do IDDD também lembrou que a decisão evidencia a urgência em se destinar à defesa o mesmo respeito e credibilidade conferidos, em geral, à acusação, para o bem do devido processo legal. Confira a entrevista.

IDDD – Como você avalia a decisão do ministro do STF Edson Fachin? O que ela diz sobre o direito de defesa no Brasil?

FR – A competência universal que se estabeleceu em Curitiba já vinha, há muito, sendo apontada como uma das grandes ilegalidades da Operação Lava Jato. Seu reconhecimento, no atual momento, por decisão monocrática do Ministro Edson Fachin, recolocou nos trilhos a boa aplicação do Direito. Por outro lado, no entanto, escancarou os riscos e consequências da Justiça que tarda a ser feita. Para o Direito de Defesa a decisão também joga luz em duas questões: na sua importância e efetividade e, também, em como ainda temos que defendê-lo enquanto instrumento essencial para a concretização da Justiça. Tivesse essa questão, alardeada há anos, em tantas frentes, por tantas defesas, sido anteriormente acolhida e teríamos evitado danos irreparáveis não só às pessoas que sofreram o peso de persecuções criminais ilegais mas às próprias instituições.

IDDD – Quais os impactos desta decisão? É possível que ela funcione como precedente para corrigir prisões injustas?

FR – A decisão do ministro Fachin tem impacto porque, como dito, recoloca no lugar certo a interpretação das regras de competência no âmbito do processo penal e não só pode como deve ser utilizada para corrigir decisões equivocadas, especialmente quando estas atingiram a liberdade das pessoas. É inadmissível imaginar, em um Estado Democrático de Direito, que se mantenham prisões proferidas por juiz incompetente.

“Tivesse essa questão, alardeada há anos, em tantas frentes, por tantas defesas, sido anteriormente acolhida e teríamos evitado danos irreparáveis” 

IDDD – O julgamento sobre a imparcialidade de Sergio Moro marca mais uma divisão no STF, em um momento em que seus ministros têm sido alvos de crescentes ataques. Você acredita que esse novo conjunto de situações vulnerabiliza o papel da instituição?

FR – O que mais vulnerabiliza o papel do Supremo Tribunal Federal, em minha opinião, são as decisões tomadas com olhos e ouvidos voltados a atender a “voz das ruas” ou a acalmar um alegado clamor público. Como Corte Constitucional que é, cabe ao Supremo Tribunal Federal dizer o Direito a partir daquilo que a Constituição da República ilumina, deixando de lado questões políticas ou interesses outros que não a aplicação do bom Direito.

IDDD – O painel da Folha de S.Paulo nesta quarta trouxe a informação que outros ministros e juristas interpretaram a decisão de Fachin como ingênua, caso tenha deliberado no sentido de preservar o que sobrou da Lava Jato. O que uma decisão nesse sentido diz sobre o legado da Lava Jato? Acredita que houve uma mudança na opinião pública sobre a operação?

FR – Não tenho dúvida de que houve uma mudança no olhar que as pessoas, de uma forma geral, têm da Operação Lava-Jato. É fundamental que essa mudança aconteça! Não se pode pretender que as pessoas aprendam a respeitar a lei se as autoridades incumbidas disso colocam-se acima da própria Lei. Os fins não podem justificar os meios, especialmente na Justiça Criminal na qual o que está em jogo são os direitos individuais e a liberdade das pessoas.

“Não há dúvida de que ele [o Juiz das Garantias] teria contido, em grande parte, os abusos inaceitáveis que a Lava Jato perpetrou”

IDDD – Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes, crítico da Lava Jato, classificou as denúncias de conluio entre Sergio Moro e procuradores como a maior crise da Justiça Federal. Ele citou ainda o instituto do juiz das garantias como importante mecanismo. De que maneira essa figura poderia contribuir para uma redução de danos como os que vieram à tona desde a revelação do site The Intercept?

FR – O Juiz das garantias já deveria ter sido implementado há muito tempo em nosso sistema processual penal porque vai assegurar, com muito mais efetividade, a ideia de imparcialidade que deve guiar os passos do Juiz criminal. Não há dúvida de que ele teria contido, em grande parte, os abusos inaceitáveis que a Lava Jato perpetrou. Mas não só ele. Sem uma mudança cultural que passa pela valorização do papel da Defesa esta mudança não virá com a força necessária. A revelação das conversas entre o então juiz Moro e os procuradores são a prova daquilo que também já se apontava há muito tempo: a existência de uma bancada da acusação nos casos criminais da Lava Jato, dirigida pelo próprio julgador. É inaceitável, incompreensível que tenhamos chegado a isso. Precisamos com urgência entender que o Juiz criminal, no Brasil não é combatente da criminalidade e não pode, em hipótese alguma, agir como ativista de boas causas, ainda que sejam tão relevantes como o combate à corrupção. É fundamental, para que nossa Justiça se aprimore, que cada instituição se fortaleça na função que lhe cabe exercer. E, neste ponto, não avançaremos se a defesa não for vista com o mesmo respeito, credibilidade e importância da acusação. Temos que continuar a defender o direito de defesa, sem o qual, não nos fortaleceremos enquanto sociedade civilizada e democrática.