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Com atuação do IDDD, Ação Civil Pública obriga o governo paulista a implantar Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura

Decisão reconhece omissão histórica e determina a criação de órgão para fiscalizar condições de locais de privação de liberdade em São Paulo

Crédito: Sem Pena/Divulgação

A Justiça Federal, em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, com a participação do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e outras entidades como amicus curiae, impôs ao Estado de São Paulo a obrigação de implementar o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. O órgão é responsável por inspecionar locais de privação de liberdade para apurar e prevenir violações de direitos.  

A sentença ainda ressalta que o Mecanismo deve ser implantado com estrutura, recursos orçamentários e número de cargos necessários ao funcionamento do órgão e à realização de visitas periódicas (no mínimo, anuais) a todos os locais de privação de liberdade no território paulista, como presídios, centros de detenção provisória, unidades da Fundação Casa, hospitais psiquiátricos, entre outros.   

Desde 2013, a Lei nº 12.847, que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT), prevê a criação de sistemas nos estados. Porém, de acordo com o mapeamento realizado em 2023 pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, somente cinco unidades federativas têm Mecanismos Estaduais em funcionamento atualmente – Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rondônia e Acre. 

Em 2016, o Subcomitê da ONU para Prevenção da Tortura também expediu recomendações ao Ministério dos Direitos Humanos brasileiro para a criação do Pacto Federativo para a Prevenção e Combate à Tortura. A finalidade da inciativa é coordenar e auxiliar as unidades federativas a instituir os Comitês e Mecanismos Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura. 

“O Estado de São Paulo possui a maior parcela da população do sistema carcerário do país. No entanto, não apenas não aderiu ao pacto como não fez qualquer esforço para criar o Comitê e instituir o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura. Essa resistência é escandalosa, principalmente porque temos o histórico julgamento [no STF] da ADPF 347, de 2023, que reconhece o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário. Temos um sistema completamente sucateado, com pessoas passando fome, sede, em condições absolutamente insalubres e isso é uma forma de tortura”, coloca Guilherme Carnelós, presidente do IDDD. 

Segundo dados divulgados pela Secretaria de Administração Penitenciária, São Paulo possui aproximadamente 30% da população carcerária do país – mais de 200 mil pessoas – e opera com uma taxa de ocupação 156,33% maior do que a capacidade de acomodação (déficit aproximado e subdimensionado de 50 mil vagas).  

A peça produzida pelo IDDD para a Ação Civil Pública ressalta que a superlotação é apenas a ponta de uma degradante realidade constatada nos últimos dez anos: o sistema carcerário de São Paulo sofre com um ambiente insalubre, com pouca luz e ventilação, péssimas condições de habitabilidade, alimentação precária, acesso restrito à água potável e à assistência de saúde, com limitação do banho de sol, imposição de banho gelado e com naturalização da violação à integridade física, sobretudo nas incursões do GIR – Grupo de Intervenção Rápida, unidade especializada da Polícia Penal. “Ainda que parcela da população e/ou das autoridades acredite e, despudoradamente, defenda a ideia de que as pessoas privadas de liberdade devem ser submetidas a situações degradantes, sem direito de exigir observância aos direitos inerentes à condição humana, toda a ordem jurídica vigente caminha em sentido absolutamente diverso: em todos os planos hierárquico-normativos, vigora a regra de que todos os reclusos devem ser tratados com o respeito inerente ao valor e dignidade do ser humano”, aponta o texto. 

 “O governo do Estado se preocupa em prender. Todas as propagandas que se veem são das prisões feitas. E o que acontece depois da prisão?”, ressalta Carnelós ao comentar sobre as consequências do tratamento cruel e degradante na vida de egressos. “A importância da procedência dessa Ação Civil Pública é o Poder Judiciário reconhecer que esse quadro sistemático de violação de direitos não pode ser ignorado pelo Estado. Estamos muito satisfeitos de termos conseguido fazer com que o Poder Judiciário compreendesse a gravidade da situação e tomasse as rédeas a fim de determinar uma providência que deveria ter sido tão óbvia por parte do Governo do Estado de São Paulo”, finaliza. 

Histórico 

Antes da Ação Civil Pública, em 2018, foi aprovado o projeto de lei nº 464 pela Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), que visava criar o Comitê e o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. No entanto, em janeiro de 2019, o então governador João Doria vetou a proposta, alegando que ela ultrapassava os limites de controle e fiscalização do Poder Legislativo estadual. Na época, o veto gerou resistência do IDDD e mais de 40 organizações da sociedade civil e do Subcomitê de Prevenção à Tortura, que pediram o cancelamento da decisão do governo. 

Acesse o texto completo do IDDD aqui

Acesse a sentença do Ação Civil Pública aqui

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