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IDDD vence Prêmio Betinho de Democracia e Cidadania com o projeto Pena de Multa, Sentenças de Exclusão

Prêmio criado pela Câmara Municipal de São Paulo em 1997 é destinado a pessoas físicas e organizações da sociedade civil sem fins lucrativos que desenvolvem projetos pela luta da cidadania

Crédito: Douglas Ferreira | CMSP

O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) recebeu o primeiro lugar, a Salva de Prata, do Prêmio Betinho de Democracia e Cidadania 2024, na cerimônia realizada ontem, dia 12 de agosto, com o projeto Pena de multa, sentenças de exclusão: caminhos e estratégias para garantir cidadania à pessoa condenada. O projeto foi selecionado entre 62 iniciativas inscritas na premiação. Criado pela Câmara Municipal de São Paulo em 1997, a cada ano, o prêmio elege pessoas ou organizações sociais sem fins lucrativos que desenvolvem projetos pela luta da cidadania, com enfrentamento à violência, à exclusão, à fome, à miséria, entre outras causas.   

Esta é a quarta vez que o IDDD foi selecionado para o prêmio: em 2006 e 2017, recebeu menções honrosas pelos projetos O Direito do Olhar (concurso cultural em estabelecimentos prisionais femininos) e Educação para Cidadania no Cárcere (formação para mulheres trans e travestis privadas de liberdade no CDP Pinheiros II), respectivamente; em 2021, recebeu a pela primeira vez a Salva de Prata por seu trabalho no sistema prisional durante a pandemia.

O IDDD deu início ao projeto Pena de multa, sentenças de exclusão em 2022, com o primeiro mutirão de atendimento jurídico para lidar com a dívida de pessoas sobreviventes do cárcere com a pendência do pagamento da multa. Desde então, além de atuar na defesa de 241 pessoas atendidas no mutirão, o instituto procura lançar luz sobre o tema em diversas frentes: organizando eventos, produzindo dados e materiais de comunicação e atuando para tentar reverter os efeitos da penalidade por meio de mudanças legislativas e jurisprudenciais.

A pena de multa é uma sanção financeira aplicada a pessoas condenadas por determinados crimes, como tráfico de drogas e furto. Ela pode ser imposta sozinha ou, como acontece na maioria dos casos, junto a uma pena de prisão. Os valores dessas multas são determinados pelo juiz no momento da sentença. Para uma pessoa condenada hoje por tráfico de drogas, por exemplo, independentemente da quantidade de substância apreendida, a sanção é de no mínimo R$ 22 mil.

Com a pena de multa pendente, mesmo após deixar a prisão, a pessoa segue em dívida com o Estado. Enquanto o valor não é pago, a pena não é considerada cumprida e os direitos políticos permanecem suspensos, gerando um efeito cascata sobre uma série de direitos básicos de cidadania. “Enquanto o débito não é pago, a pena não é considerada cumprida e os direitos políticos seguem suspensos. Muito frequentemente os valores são impagáveis, sobretudo para alguém que está tentando reconstruir a vida após sobreviver ao cárcere”, afirma Guilherme Carnelós, presidente do IDDD.

Sem certidão de quitação das obrigações eleitorais, a pessoa não consegue exercer direitos básicos de cidadania: não pode regularizar seu título de eleitor e CPF e, consequentemente, não tem como acessar programas assistenciais do governo; não pode se matricular em instituições de ensino superior; abrir conta no banco; manter cobrança de serviços como fornecimento de energia elétrica em seu nome, o que acarreta dificuldades na comprovação de residência fixa; entre outras formalidades que são porta de entrada para direitos garantidos aos brasileiros. “Uma verdadeira reação em cascata que empurra a pessoa para uma condição de subcidadania sacramentada pelo próprio Estado”, completa Carnelós.

Até pouco tempo atrás a pena de multa não fazia parte do dia a dia da execução penal brasileira. O cenário começou a mudar em 2019, com a alteração legislativa promovida pelo chamado Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), de autoria do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, e pelas interpretações dos tribunais firmadas a partir de casos midiáticos, como o “Mensalão” e a “Lava-Jato”.

As mudanças impulsionadas por fatos relacionados a crimes de corrupção afetaram milhares de famílias pobres, negras e periféricas. Segundo dados publicados pela Agência Pública, em março de 2023, cerca de 208 mil execuções de pena de multa estavam em andamento no estado de São Paulo. O mesmo levantamento aponta que em janeiro de 2020 eram apenas seis processos.

A atuação do IDDD

Em 2022, ao dar início ao projeto, o IDDD promoveu um mutirão de atendimento jurídico gratuito feito em parceria com algumas entidades para tentar extinguir a multa de pessoas que não têm condições de quitar a dívida. Entre julho e dezembro de 2022, foram assistidas 241 pessoas. A partir do mutirão foi feito um levantamento de dados sobre os casos atendidos e sobre o perfil das pessoas que se encontravam com a pendência do pagamento das multas a que haviam sido condenadas. 

Entre os dados coletados, 79,7% das pessoas assistidas se autodeclararam negras (pretas ou pardas); 71,4% relataram terem filhos e/ou outros dependentes; 72,2% disseram ganhar até R$ 1.200 mensais; quase 1/5 (18,7%) afirmaram estar em situação de rua; e 59,3% declararam estar desempregadas.

A aplicação da pena de multa atinge majoritariamente a população que compõe o sistema prisional: a juventude negra, cuja imensa maioria é condenada por tráfico de drogas, o crime que mais leva pessoas à prisão no Brasil, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional.

Em 2023, o IDDD organizou a oficina “Pena de Multa, sentenças de exclusão: caminhos e estratégias para a garantia de direitos de sobreviventes do cárcere”, evento que contou com a participação de defensores públicos, representantes da sociedade civil, juízes, assessores parlamentares e entidades como a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).  

No último ano, algumas conquistas sinalizam a incidência do IDDD na discussão sobre o tema. No fim de 2023, o indulto presidencial alcançou as pessoas condenadas até aquele ano com multas de até R$20 mil. Em 2024, novas jurisprudências dos Tribunais Superiores dão possibilidade de extinção da multa em caso de impossibilidade de pagamento.  

Para conhecer mais sobre o tema, acesse: www.iddd.org.br/pena-de-multa.