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IDDD vai ao STF para barrar os efeitos da pena de multa na marginalização de sobreviventes do cárcere

Instituto participa de julgamento no Supremo para defender que a pena de multa ainda pendente de pagamento deixe de impedir a extinção do processo de quem já cumpriu a pena de prisão

No dia 15 de março, o plenário virtual do STF (Supremo Tribunal Federal) começou a julgar a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 7032, que pede a extinção do processo de uma pessoa condenada após o cumprimento da pena de prisão, independentemente do pagamento da pena de multa. A sessão virtual segue até sexta-feira, dia 22.

A pena de multa é uma sanção financeira, aplicada individualmente ou acompanhada da pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, em condenações por tráfico de drogas e furto, por exemplo. Mesmo após cumprir o tempo de prisão, pessoas condenadas à pena de multa seguem em dívida com o Estado até o valor ser pago. Enquanto não é quitado, a pena não é considerada cumprida e os direitos políticos seguem suspensos, impedindo o voto e gerando um efeito cascata sobre uma série de direitos básicos de cidadania.  

Sem poder votar, o CPF fica irregular, o que impede a pessoa de ter conta bancária ou sequer ser titular de uma conta de energia elétrica que possa servir como comprovante de endereço. Sem esses documentos e com a anotação em sua ficha de antecedentes criminais, dificilmente irá conseguir um emprego no mercado de trabalho formal. Além disso, não é possível receber benefícios assistenciais do governo (como o Bolsa Família), tampouco se matricular em uma instituição de ensino superior. Tal situação cria um ciclo perverso de exclusão, dificultando ainda mais a reintegração social após a passagem pela prisão. Saiba mais aqui.

O IDDD participa do julgamento no Supremo como amigo da corte e defende que a pena de multa pendente de pagamento deixe de impedir a extinção do processo de quem já  cumpriu a pena de prisão. Em memoriais, solicitou a transferência desse julgamento para o plenário presencial, para aprofundamento da discussão.

Histórico

Os debates sobre essa sanção financeira passaram a acontecer nas cortes superiores depois da alteração legislativa promovida pelo chamado Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), de autoria do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, e pelas interpretações dos tribunais firmadas a partir de casos midiáticos de crimes econômicos, como o “Mensalão” e a “Lava-Jato”. Foram essas mudanças que determinaram o atual cenário: o inadimplemento da pena de multa impede a extinção da punibilidade do condenado.

No entanto, como o IDDD pontuou ao STF no seu posicionamento sobre a ADI  “a ‘criminalidade econômica’ não é a ‘clientela’ que, usualmente, frequenta o sistema de justiça criminal. Pelo contrário, quem se senta nos bancos dos réus do sistema é o hipossuficiente”.

Em seu argumento, o Instituto aborda os efeitos mais evidentes das mudanças na legislação sobre pena de multa: o aprofundamento da vulnerabilidade e marginalização de sobreviventes do cárcere. Levantamento feito pelo DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) em 2021, mostrou que a maioria da população carcerária no Brasil é negra, de baixa renda e escolaridade, em situação de desemprego (ou informalidade), com idade entre 18 e 24 anos. Aproximadamente 70% responde por crimes contra o patrimônio e de drogas, casos em que a sanção financeira é aplicada junto com a pena privativa de liberdade.

No texto enviado ao STF, o IDDD ainda aponta os valores elevados das multas, quando se considera a capacidade econômica de pessoas condenadas. Por exemplo, para crimes patrimoniais (furto e roubo, por exemplo), que representam 39,96% da população carcerária (276.672 pessoas), o valor mínimo da multa parte de R$ 404,00 – 1/3 do salário-mínimo nacional vigente até fins de abril de 2023. Para quem é condenado por crimes previstos na lei de drogas, 29,41% da população carcerária (203.625, ao todo), a multa penal mínima para um réu primário e de bons antecedentes é de R$ 6.706,409.

São valores impagáveis para a maioria dos cidadãos brasileiros que já sofreram uma condenação. Essa realidade levou, inclusive, à alteração do entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que em fevereiro determinou que a punibilidade pode ser extinta com a autodeclaração de pobreza da pessoa condenada, após ela cumprir a pena de prisão ou restritiva de direitos.

O IDDD ainda ressalta no documento enviado à Corte que, da forma como é prevista na lei e aplicada hoje, a pena de multa representa uma punição contínua de pessoas condenadas que já cumpriram a pena de prisão, mas não possuem condições financeiras de liquidar essas dívidas. “Não se mostra, portanto, compatível com os objetivos e fundamentos do Estado Democrático de Direito – destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça’ que se perpetue uma situação que tem representado uma sobrepunição dos condenados”, diz.

Clique aqui para ler a peça de amicus curiae do IDDD na ADI 7032

Confira os memoriais enviados aos ministros do STF aqui.