IDDD vai ao STF para barrar os efeitos da pena de multa na marginalização de sobreviventes do cárcere

22 de março de 2024
Instituto participa de julgamento no Supremo para defender que a pena de multa ainda pendente de pagamento deixe de impedir a extinção do processo de quem já cumpriu a pena de prisão

No dia 15 de março, o plenário virtual do STF (Supremo Tribunal Federal) começou a julgar a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 7032, que pede a extinção do processo de uma pessoa condenada após o cumprimento da pena de prisão, independentemente do pagamento da pena de multa. A sessão virtual segue até sexta-feira, dia 22.

A pena de multa é uma sanção financeira, aplicada individualmente ou acompanhada da pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, em condenações por tráfico de drogas e furto, por exemplo. Mesmo após cumprir o tempo de prisão, pessoas condenadas à pena de multa seguem em dívida com o Estado até o valor ser pago. Enquanto não é quitado, a pena não é considerada cumprida e os direitos políticos seguem suspensos, impedindo o voto e gerando um efeito cascata sobre uma série de direitos básicos de cidadania.  

Sem poder votar, o CPF fica irregular, o que impede a pessoa de ter conta bancária ou sequer ser titular de uma conta de energia elétrica que possa servir como comprovante de endereço. Sem esses documentos e com a anotação em sua ficha de antecedentes criminais, dificilmente irá conseguir um emprego no mercado de trabalho formal. Além disso, não é possível receber benefícios assistenciais do governo (como o Bolsa Família), tampouco se matricular em uma instituição de ensino superior. Tal situação cria um ciclo perverso de exclusão, dificultando ainda mais a reintegração social após a passagem pela prisão. Saiba mais aqui.

O IDDD participa do julgamento no Supremo como amigo da corte e defende que a pena de multa pendente de pagamento deixe de impedir a extinção do processo de quem já  cumpriu a pena de prisão. Em memoriais, solicitou a transferência desse julgamento para o plenário presencial, para aprofundamento da discussão.

Histórico

Os debates sobre essa sanção financeira passaram a acontecer nas cortes superiores depois da alteração legislativa promovida pelo chamado Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), de autoria do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, e pelas interpretações dos tribunais firmadas a partir de casos midiáticos de crimes econômicos, como o “Mensalão” e a “Lava-Jato”. Foram essas mudanças que determinaram o atual cenário: o inadimplemento da pena de multa impede a extinção da punibilidade do condenado.

No entanto, como o IDDD pontuou ao STF no seu posicionamento sobre a ADI  “a ‘criminalidade econômica’ não é a ‘clientela’ que, usualmente, frequenta o sistema de justiça criminal. Pelo contrário, quem se senta nos bancos dos réus do sistema é o hipossuficiente”.

Em seu argumento, o Instituto aborda os efeitos mais evidentes das mudanças na legislação sobre pena de multa: o aprofundamento da vulnerabilidade e marginalização de sobreviventes do cárcere. Levantamento feito pelo DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) em 2021, mostrou que a maioria da população carcerária no Brasil é negra, de baixa renda e escolaridade, em situação de desemprego (ou informalidade), com idade entre 18 e 24 anos. Aproximadamente 70% responde por crimes contra o patrimônio e de drogas, casos em que a sanção financeira é aplicada junto com a pena privativa de liberdade.

No texto enviado ao STF, o IDDD ainda aponta os valores elevados das multas, quando se considera a capacidade econômica de pessoas condenadas. Por exemplo, para crimes patrimoniais (furto e roubo, por exemplo), que representam 39,96% da população carcerária (276.672 pessoas), o valor mínimo da multa parte de R$ 404,00 – 1/3 do salário-mínimo nacional vigente até fins de abril de 2023. Para quem é condenado por crimes previstos na lei de drogas, 29,41% da população carcerária (203.625, ao todo), a multa penal mínima para um réu primário e de bons antecedentes é de R$ 6.706,409.

São valores impagáveis para a maioria dos cidadãos brasileiros que já sofreram uma condenação. Essa realidade levou, inclusive, à alteração do entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que em fevereiro determinou que a punibilidade pode ser extinta com a autodeclaração de pobreza da pessoa condenada, após ela cumprir a pena de prisão ou restritiva de direitos.

O IDDD ainda ressalta no documento enviado à Corte que, da forma como é prevista na lei e aplicada hoje, a pena de multa representa uma punição contínua de pessoas condenadas que já cumpriram a pena de prisão, mas não possuem condições financeiras de liquidar essas dívidas. “Não se mostra, portanto, compatível com os objetivos e fundamentos do Estado Democrático de Direito – destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça’ que se perpetue uma situação que tem representado uma sobrepunição dos condenados”, diz.

Clique aqui para ler a peça de amicus curiae do IDDD na ADI 7032

Confira os memoriais enviados aos ministros do STF aqui.

 

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