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Primeiro ano da pandemia nas prisões brasileiras foi de negligência, falta de itens de prevenção e água

Levantamento do IDDD mostra que só seis estados brasileiros informaram fornecer água 24h por dia nas prisões

Hoje (15), faz um ano da notícia do primeiro óbito por Covid-19 no sistema carcerário. A vítima era um homem de 73 anos, preso no Instituto Penal Cândido Mendes, na cidade do Rio de Janeiro. Cerca de um mês antes da primeira morte, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) passou a monitorar a situação da Covid-19 nas prisões brasileiras. Foram ao todo 56 pedidos via Lei de Acesso à Informação durante o ano de 2020.

O levantamento observou logo de início a negligência generalizada com a saúde de pessoas privadas de liberdade e dos trabalhadores do sistema carcerário. Direitos básicos – que poderiam reduzir o contágio – foram violados, como o acesso à água, o tempo de banho de sol condizente com a situação de emergência sanitária ou mesmo a distribuição de equipamentos de proteção individual (EPIs), como máscaras e álcool gel.

“Prevenção” com 3h de acesso à água em SE 

Até o final de abril de 2020, apenas cinco estados (AL, DF, GO, MS, SC) informaram que o abastecimento de água potável ocorria em tempo integral em suas unidades prisionais. No segundo semestre, foram seis (AL, CE, DF, MS, MG e SP). Em Sergipe, o tempo diário foi de no máximo três horas de acesso à água, fazendo com que pessoas presas precisassem estocá-la para consumo em outros momentos do dia. Também chama atenção o fato de estados como Santa Catarina e Goiás terem disponibilizado água 24h por dia no primeiro semestre e no segundo sequer informarem o tempo médio de acesso – o que pode significar que simplesmente fecharam a torneira.

O tempo médio de banho de sol foi de três horas por dia. Pesquisadores da Universidade de Oxford e do MIT afirmam que ao ar livre o risco de contaminação tende a ser baixo ou moderado. Os dados indicam que os presos podem ter passado em média 21h em espaços que, também em média, têm 18 pessoas em celas onde cabem 10. Ou seja, sem qualquer respeito às regras mínimas de redução de contágio, como distanciamento e ventilação.

Outras medidas para prevenção da disseminação do vírus, seriam a sanitização dos ambientes e uso de máscaras. Nos estados de Tocantins e Maranhão, a desinfecção das celas acontecia quinzenalmente e uma vez por mês, respectivamente, de acordo com as informações que forneceram. Frequência muito aquém do mínimo no que diz respeito à prevenção. Quanto à disponibilização de EPIs, cinco estados afirmaram (AP, AM, GO, RJ e SC) que não houve distribuição universal de máscaras entre detentos e trabalhadores do sistema penitenciário (que entram e saem das unidades a cada jornada).

Em setembro passado, o IDDD, representado pelo escritório de advocacia Tozzini Freire, protocolou uma ação civil pública para tentar alterar essa realidade e exigir do Estado de São Paulo fornecimento ininterrupto de água aos detentos; garantia de pelo menos 6 horas diárias de banho de sol em todos os estabelecimentos prisionais do estado; fornecimento de itens básicos de higiene como sabão e álcool em gel, além de equipamentos de proteção individual; abastecimento de remédios e fornecimento obrigatório de alimentação; dentre outras medidas.

“Diante das tímidas medidas de desencarceramento tomadas pelo sistema de justiça, partimos para uma estratégia de redução de danos com essa ação civil pública em São Paulo, estado com a maior população prisional do país. Em 2020, a negligência que tentamos impedir nas prisões desembocou na catástrofe que temos hoje: somos o segundo país em número de casos e o quarto em mortes na população carcerária”, comentou o presidente do IDDD, Hugo Leonardo.

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Contaminações

A insuficiência ou inexistência de medidas de redução de danos para a propagação do vírus tiveram impacto nos números de infecções. Num período de quatro meses (abril a agosto), a quantidade de infectados no sistema carcerário aumentou 76 vezes (De 226 casos para 17.285). A taxa pode estar subnotificada, já que no mesmo período apenas 8% da população prisional havia sido testada. O número de óbitos registrados como causa desconhecida aumentou quatro vezes de 2019 para 2020, o que pode significar falta de transparência quanto a precisão no número de mortes decorrentes de Covid-19.

O IDDD solicitou em duas perguntas distintas informações sobre a quantidade de óbitos pela Covid-19 até o dia 31/08/2020; e as causas mortis registradas para todos os óbitos de pessoas presas quantificados no mesmo período. Considerando as respostas recebidas para a primeira pergunta, o total de óbitos decorrentes da covid seria de 66. No entanto, as respostas recebidas para a segunda pergunta indicavam que apenas cinco desses óbitos (de três estados: MA, RO e SE) teriam tido como causa mortis registrada a Covid-19. Os demais 61 óbitos supostamente decorrentes da doença (92% dos 66) teriam sido atribuídos a causas mortis distintas (muitas delas possivelmente imprecisas, como “causa natural”), indicando, mais uma vez, subnotificação.

Agentes penitenciários também foram afetados. Até agosto, mais de 8 mil servidores foram contaminados pelo coronavírus, sendo que mais de 6 mil tiveram que ser afastados do trabalho.

Há também um déficit no número de profissionais de saúde disponíveis nas unidades prisionais. Em média, um profissional é responsável pelos cuidados de 115 pessoas presas. No Tocantins e no Rio Grande do Norte, diante da falta de profissionais, os presos são atendidos na rede pública.

Acesse o relatório com todos os dados compilados obtidos pelo IDDD.