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IDDD questiona condenação baseada exclusivamente em reconhecimento fotográfico

Jovem negro foi identificado por foto em rede social e apontado como autor de roubo no Rio

Foto: arquivo pessoal

O IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) protocolou um pedido para participar, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, do julgamento de revisão criminal da condenação do produtor cultural Ângelo Gustavo, que teve como única prova o reconhecimento fotográfico. O jovem negro, então com 22 anos, foi identificado através de uma foto em rede social e apontado como autor de um roubo na cidade do Rio

O incidente teve início em agosto de 2014, quando um homem branco sofreu um assalto, no bairro do Flamengo. Segundo relato da vítima, seis homens em três motos teriam lhe rendido e levado seu veículo. O automóvel foi encontrado após dois meses e dentro dele havia uma mochila com documentos de João Carlos da Silva Mateus. Por iniciativa própria, a vítima teria entrado nas redes sociais de Mateus e lá viu uma foto dele com Gustavo. Essa é a única prova que sustentou a condenação do produtor cultural, preso desde setembro de 2020.

O processo, contudo, tem outras ilegalidades questionadas pelo IDDD, que requereu participação no julgamento como amigo da corte (amicus curiae), instrumento jurídico que permite que entidades com acúmulo sobre determinado tema compartilhem conhecimento com o tribunal para informá-lo sobre o assunto e auxiliá-lo a fundamentar sua decisão. 

No caso, a fotografia de Gustavo sequer consta dos autos do processo. De acordo com o documento em que o IDDD solicita admissão no julgamento, isto cria um obstáculo ao exercício do direito de defesa e torna “impossível confrontar as declarações incriminatórias, pois não há como saber se referida imagem foi de alguma forma alterada digitalmente”. O reconhecimento também foi feito de forma ilegal, descumprindo o que prevê o Código de Processo Penal, já que não houve procedimento formal. A condenação contraria ainda o entendimento recente do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) de que reconhecimento por foto não é prova suficiente para condenar alguém.

Segundo familiares, o jovem foi informado de que o caso seria arquivado e só descobriu que havia sido condenado sem mais direito a recurso quando compareceu à delegacia. Ângelo Gustavo foi sentenciado a seis anos em regime fechado pelo Tribunal de Justiça do Rio. Com a ação de revisão criminal, a defesa requer do tribunal o reexame da sentença mesmo depois do trânsito em julgado (quando se esgotam todas as possibilidades de recorrer).

Reconhecimento falho 

Cerca de um mês antes do crime de que é acusado, o jovem, sem quaisquer antecedentes criminais, havia passado por cinco cirurgias no pulmão e, de acordo com a defesa, quando do crime se encontrava debilitado durante o período de recuperação. No dia em que o assalto ocorreu, relatos das testemunhas dão conta de que o produtor só conseguiu chegar à missa de sétimo dia do melhor amigo com a ajuda do pai, retornando à casa em seguida. A cronologia indica que sua participação no assalto seria inviável, levando em conta, sobretudo, seu estado físico e o curto intervalo entre a sua presença na missa e o assalto.

Segundo o documento de admissão como amicus curiae do IDDD, um primeiro reconhecimento feito sem respeitar o art. 226 do Código de Processo Penal gera vício em todos os reconhecimentos posteriores. É o que também têm apontado estudos de psicologia do testemunho sobre o impacto do tempo – com o reconhecimento feito meses depois do crime, no caso – e do sugestionamento no processo de formação da memória. 

Na manifestação do IDDD são apresentados ainda dados sobre casos de condenações injustas decorrentes de procedimentos falhos de reconhecimento. Uma pesquisa feita nos EUA, pelo Innocence Project, por exemplo, demonstrou que 69% dos erros judiciários ocorrem em função de reconhecimentos feitos inadequadamente. 

O ingresso como amicus curiae no julgamento da revisão criminal do caso Ângelo Gustavo é um desdobramento do projeto Prova sob Suspeita, que busca acabar com o uso de evidências não confiáveis e investigações precárias ou inexistentes para sustentar condenações. 

Acesse o documento na íntegra.