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IDDD lança o relatório “Pena de Multa, Sentenças de Exclusão” com um diagnóstico sobre a multa criminal

O estudo revela a resistência do Judiciário em reconhecer a hipossuficiência e extinguir a pena de multa de pessoas desempregadas, únicas responsáveis pelo sustento da família e até mesmo em situação de rua

O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) lançou no dia 11/09, na sede da OAB SP, o relatório Pena de Multa, Sentenças de Exclusão”, com um diagnóstico sobre a multa criminal, uma penalidade pouco conhecida que afeta a vida de centenas de milhares de brasileiros. O relatório parte da análise do mutirão de atendimento jurídico de pessoas com multas pendentes assistidas por advogados e advogadas associadas à organização. Com 241 casos, acompanhados desde 2022, o documento apresenta o perfil dessas pessoas, os resultados das decisões judiciais em primeira e segunda instância e os obstáculos jurídico-burocráticos impostos na vida de sobreviventes do sistema prisional. 

Com a parceria das organizações Amparar, Cooperativa Libertas, Rede Rua e Cisarte, o projeto, vencedor do prêmio Betinho de Democracia e Cidadania de 2024 (promovido pela Câmara Municipal de São Paulo), atuou para extinguir as penas de multa e, consequentemente, regularizar a documentação e os dados cadastrais das pessoas assistidas.  

Entre as decisões apresentadas no relatório, os dados mostram que em apenas seis foram debatidas as consequências do bloqueio de direitos causado pela exigência da multa na vida das pessoas condenadas. Entre as pessoas em situação de rua, 60,9% tiveram seus pedidos de extinção da pena de multa, baseados na hipossuficiência, negados (indeferidos ou não conhecidos) em primeira instância. Da mesma forma, entre as pessoas desempregadas, 73,9% também tiveram seus pedidos de extinção da pena de multa negados em primeira instância. 

“O relatório evidencia a dificuldade de o Judiciário reconhecer a vulnerabilidade social da pessoa condenada a partir dos critérios do acesso à renda e à educação. Para usarmos os dados do mutirão, 72% não haviam finalizado o Ensino Médio e 34,7% possuíam Ensino Fundamental incompleto. Outro dado mostra que entre as pessoas com alguma renda, 77,1% recebiam menos que um salário-mínimo por mês. A pena de multa e as decisões judiciais lançam as pessoas sobreviventes do cárcere em uma pena perpétua, quase sem chance de retomar seus direitos básicos de cidadania”, explica Guilherme Carnelós, presidente do IDDD. 

O projeto do IDDD  

O IDDD atua desde 2022 para dar visibilidade aos efeitos da multa penal na vida das pessoas sobreviventes do cárcere: além do mutirão de atendimento jurídico, desenvolveu um material de apoio sobre o tema para ser usado por advogados e advogadas envolvidos nos casos, organizou a oficina “Pena de multa, sentenças de exclusão: caminhos e estratégias para a garantia de direitos de sobreviventes do cárcere”, em 2023, com a participação de defensores públicos, representantes da sociedade civil, juízes e entidades como a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Também criou uma campanha de comunicação com a Alma Preta, agência de jornalismo especializada na temática racial, litigou em casos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribuna Federal (STF), além de firmar parcerias em torno do tema com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública. 

“O relatório é mais um passo para provocarmos novas reflexões sobre essa sanção e a necessidade de revisão dessa cobrança, que vem afetando principalmente a população negra, jovem e periférica”, afirma Vivian Peres, coordenadora de programas do IDDD. 

A pena de multa 

A pena de multa é uma sanção financeira aplicada a pessoas condenadas por determinados crimes, como tráfico de drogas e furto, e pode ser imposta sozinha ou junto a uma pena de prisão. Os valores das multas são determinados pelo juiz no momento da sentença, de acordo com cálculos previstos na lei. Para uma pessoa condenada hoje por tráfico de drogas, por exemplo, independentemente da quantidade de substância apreendida, a sanção é de no mínimo R$ 23 mil. 

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), a maior parte da população carcerária no Brasil é negra, de baixa renda e escolaridade, tem entre 18 e 24 anos e responde por crimes contra o patrimônio e da Lei de Drogas (aproximadamente 70%). 

Sem pagar o valor da multa, a pena não é considerada cumprida e os direitos políticos permanecem suspensos: sem poder votar, o CPF fica irregular e impede a pessoa de ter conta bancária ou de energia elétrica em seu nome. Sem esses documentos, dificilmente irá conseguir um emprego formal. Além disso, não é possível receber benefícios assistenciais do governo (como o Bolsa Família). “Esse efeito em cascata sobre uma série de direitos básicos de cidadania cria um ciclo perverso de exclusão, dificultando ainda mais a retomada da vida após a passagem pelo cárcere e trazendo como resultado uma pena perpétua”, ressalta Marina Dias, diretora-executiva do IDDD. 

Até há pouco tempo, a pena de multa era pouco conhecida. O motivo é que ela não fazia parte do dia a dia da execução penal brasileira. O cenário começou a mudar em 2019, com a alteração legislativa promovida pelo chamado Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), de autoria do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, e pelas interpretações dos tribunais superiores firmadas a partir de casos midiáticos, como o “Mensalão” e a “Lava-Jato”. 

Apesar dessas mudanças serem impulsionadas por fatos relacionados a crimes de corrupção, a pena de multa recaiu em milhares de famílias pobres. Segundo dados publicados pela Agência Pública, em março de 2023, cerca de 208 mil execuções de pena de multa estavam em andamento no estado de São Paulo. O mesmo levantamento aponta que em janeiro de 2020 eram apenas seis processos. 

Dados e análises das sentenças  

Entre agosto e dezembro de 2022, o IDDD, junto a entidades parceiras, realizou uma série de atendimentos jurídicos, e passou a assistir 241 sobreviventes do cárcere em busca da extinção de suas penas de multa. Nesse período, foram levantados os seguintes dados sobre o perfil das pessoas assistidas:   

  • 74,5% possuíam dependentes;  
  • 80,7% se identificavam como negras (pretas ou pardas); 
  • 72% não haviam finalizado o Ensino Médio, sendo que 34,7% possuíam o Ensino Fundamental incompleto; 
  • 19,1% estavam em situação de rua;  
  • 61,4% estavam desempregadas; 
  • Entre as pessoas empregadas, 82,1% não possuíam registro em carteira de trabalho; 
  • 84,1% das mulheres declararam ter filhos e/ou outros dependentes, das quais 62,3% eram as únicas responsáveis pelos cuidados dessas pessoas; 
  • 32% não possuíam qualquer renda no momento do atendimento. Das pessoas que possuíam alguma renda, 77,1% tinham renda inferior a um salário-mínimo mensal (R$ 1.212,00 de acordo com o valor vigente em agosto de 2022); 
  • 4 em cada 5 tinham penas de multa iguais ou superiores à sua renda mensal; 
  • 41,9% das penas de multa ultrapassavam R$ 3.000,00. 

Em relação às decisões:

  • Das 102 decisões analisadas em primeira e segunda instâncias, em apenas 6 foram debatidas as consequências do bloqueio de direitos causado pela exigência da multa na vida das pessoas condenadas; 
  • Em nenhuma das 56 decisões negativas de primeira instância foi comentada a privação de direitos causada pela cobrança da pena de multa na vida das pessoas condenadas; 
  • Entre as pessoas em situação de rua, 60,9% delas tiveram seus pedidos de extinção da pena de multa, baseados na hipossuficiência, negados (indeferidos ou não conhecidos) em primeira instância; 
  • Em 67,4% das vezes em que uma das pessoas assistidas recebia menos de 3/4 de um salário-mínimo, seu pedido de extinção da multa em primeira instância foi negado (indeferido ou não conhecido);  
  • Entre as pessoas desempregadas, 73,9% tiveram seus pedidos de extinção da pena de multa negados (indeferidos ou não conhecidos) em primeira instância. 

O defensor público Bruno Shimizu, em seu texto de apresentação do relatório, ao analisar os dados coletados, afirma: “o relatório é uma denúncia contundente da forma pela qual o sistema penal se retroalimenta, lançando os egressos pobres à certeza de marginalidade, à situação de rua, ao retorno ao sistema penal ou, na melhor das hipóteses, à perene precarização e à informalidade. Para além das absurdas penhoras de benefícios assistenciais, eletrodomésticos, motocicletas de entregadores de delivery, móveis de casas, o relatório explicita as barreiras quase intransponíveis à renovação de documentos, à obtenção de Carteira de Trabalho e mesmo à inscrição em programas sociais decorrentes da não extinção da punibilidade”. 

Confira o relatório completo aqui.

 

Para conhecer mais sobre o tema, acesse: www.iddd.org.br/pena-de-multa.

 

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