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Estado argentino é condenado pela Corte IDH por abordagem policial discriminatória

Precedente de caso argentino possibilita contestar abordagens policiais racistas na Justiça brasileira

Em SP, foram realizadas mais de 15 milhões de abordagens policiais, com menos de 1% delas resultando em prisões em flagrante (Foto: Thiago Gomes)

Uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) pode mudar as regras sobre abordagens policiais, consideradas discriminatórias – e portanto, ilegais – caso não sejam motivadas por elementos objetivos e verificáveis. Divulgada ontem (6), a sentença contra o Estado argentino por duas prisões ilegais ocorridas em 1992 e 1998, em Buenos Aires, vale para todos os países sob a jurisdição do tribunal, incluindo o Brasil.

O caso Fernández Prieto & Tumbeiro vs. Argentina, julgado no dia 1º de setembro deste ano, diz respeito a detenções após abordagens policiais justificadas apenas por “atitude suspeita”. Nas duas situações, os registros das detenções não tiveram qualquer detalhamento sobre a motivação das abordagens. No primeiro caso, a falta de justificativas é total. Já no segundo, os policiais alegaram que o “estado de nervosismo” do acusado gerou suspeita, além da incompatibilidade entre seus trajes e o local onde tudo aconteceu.

Mesmo tendo sido encontrados objetos ilícitos com ambos os suspeitos, suas prisões foram consideradas ilegais pela Corte IDH. O tribunal determinou ainda que o Estado argentino pague a Carlos Alberto Fernández Prieto e a Carlos Alejandro Tumbeiro, indenizações que equivalem a 220 mil e 168 mil reais, respectivamente, por danos materiais e imateriais.

Em junho deste ano, o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) foi admitido como amicus curiae (amigo da corte) no julgamento e apresentou informações sobre o contexto brasileiro e ressaltou a importância de se estabelecerem limites para o conceito de “fundada suspeita”. Somente no ano passado, em SP, foram realizadas mais de 15 milhões de abordagens policiais, com menos de 1% delas resultando em prisões em flagrante.

“Esperamos que o Estado Brasileiro, independentemente de ser demandado perante o Sistema Interamericano, reformule a legislação processual penal de modo a coibir abordagens policiais tão avessas aos direitos humanos”, comenta o presidente do instituto, o criminalista Hugo Leonardo.
A condenação da Argentina tem duas principais consequências para o Brasil: a mais importante é que a Corte Interamericana estabeleceu um parâmetro a ser seguido por todos os países submetidos a sua jurisdição. Isso quer dizer delimitar e especificar as situações em que vale a chamada “fundada suspeita” como justificativa para fazer buscas a pessoas e veículos.

A segunda consequência é que, com esse precedente, se o Brasil for levado à Corte, amplia-se a margem de certeza de que sairá condenado, pois além de ter um contexto análogo, soma-se a ele o fator discriminação racial.

A decisão da Corte IDH faz referência explícita à necessidade de que as legislações estabeleçam critérios específicos e claros para que um carro seja parado ou alguém abordado e revistado. O documento ressalta ainda que prisões sem ordens judiciais só podem acontecer mediante a existência de elementos objetivos e nunca a partir da mera intuição policial ou qualquer outra motivação subjetiva não verificável.

Acesse aqui a decisão.

O pedido de ingresso como amicus curiae está disponível aqui.

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