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Superior Tribunal de Justiça declara inconstitucional a pena aplicada ao crime de ter em depósito, para venda, anabolizante de procedência ignorada

Argumentos trazidos pelo IDDD, na qualidade de amicus curiae, foram fundamentais para STJ reconhecer a desproporcionalidade da pena

Em sessão realizada no último dia 26 de fevereiro, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), prosseguindo com o julgamento de arguição de inconstitucionalidade suscitada no habeas corpus n. 239.363, iniciado em 1o de outubro de 2014, por maioria, declarou inconstitucional a pena prevista no artigo 273, § 1o – B, V, do Código Penal, determinando a aplicação, no caso concreto, da pena prevista para o pequeno traficante de drogas.

Segundo o voto do relator, Ministro Sebastião Reis Júnior, “o crime de ter em depósito, para venda, produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais de procedência ignorada é de perigo abstrato e independe da prova da ocorrência de efetivo risco para quem quer que seja. E a indispensabilidade do dano concreto à saúde do pretenso usuário do produto evidencia ainda mais a falta de harmonia entre o delito e a pena abstratamente cominada (de 10 a 15 anos de reclusão) se comparado, por exemplo, com o crime de tráfico ilícito de drogas”. Segue o Ministro relator destacando que “a ausência de relevância penal da conduta, a desproporção da pena em ponderação com o dano ou perigo de dano à saúde pública decorrente da ação e a inexistência de consequência calamitosa do agir convergem para que se conclua pela falta de razoabilidade da pena prevista em lei”.

O IDDD figura, desde 25 de fevereiro de 2014, como amicus curiae no caso, sustentando a inconstitucionalidade de todo artigo 273, § 1o – B, V, do Código Penal, ou, subsidiariamente, caso fosse reconhecida a inconstitucionalidade do dispositivo, pleiteando sua manutenção no ordenamento, fosse a ele aplicada a pena prevista no artigo 7o da Lei n. 8.137/1990.

Segundo Arnaldo Malheiros Filho, presidente do Conselho do Instituto, que sustentou oralmente no dia do julgamento, “o STJ atuou contra uma praga da legislação brasileira, que são as equiparações. Há situações em que se diz ‘Para os fins desta lei, peixe é carne, profano é sagrado e salgado é doce’. É o que houve no caso. Fez-se uma lei para coibir a falsificação de remédios vitais, mas ela se estendeu a qualquer remédio, a ele se equiparando cosméticos e produtos de limpeza e a falsificado se equiparando o vendido sem licença ou registro, verdadeiro absurdo em boa hora corrigido. ”

Reproduzindo trecho do arrazoado apresentado pelo IDDD, o Ministro relator destacou que foi sob o alarido da imprensa que o Congresso Nacional, com pressa e rigor legislativos, deu ao Brasil leis penais draconianas, “tornando crime hediondo condutas que mais se aproximam de meras infrações administrativas, como a importação de remédio ainda não registrado nos órgãos competentes – sem sequer indagar se a droga faria mal à saúde do doente -, cominando pena privativa de liberdade altíssima para conduta que se limita a descumprir regramento administrativo, o que leva à conclusão inexorável de que se trata de norma desenganadamente inconstitucional”.

Ainda se escorando nos argumentos ventilados pelo Instituto, o relator acrescentou: “para seguir apontando a desproporcionalidade, ressalta o amicus curiae que a conduta de importar medicamento não registrado na ANVISA, considerada criminosa e hedionda pelo art. 273, § 1o – B, do CP, a que se comina pena altíssima, pode acarretar mera sanção administrativa de advertência”.

Para Roberto Soares Garcia, autor das razões apresentadas pelo IDDD na qualidade de amigo da corte, “a participação do IDDD neste incidente traz esperança. Faz anos que não via a apreciação efetiva dos argumentos levados pela defesa, ainda que a tese defendida por nós não tenha sido totalmente acolhida. No mérito dos debates, não me satisfaz a aplicação da pena prevista na Lei de Drogas para punir traficantes a condutas que possuem mera potencialidade lesiva. Na dinâmica do julgamento, pelo cuidado dispensado às teses defendidas pelo IDDD e pelos debates nascidos de nossas apresentações escrita e oral, o acórdão é paradigmático e merece ser adotado por todos os Tribunais como padrão de atenção ao exercício da defesa, o que demonstra o acerto do Instituto na aposta na advocacia estratégica como meio de promover a defesa do direito de defesa. ”

Acompanharam o voto do relator os Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Raul Araújo.