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Respaldada por autoridades, violência estatal faz mais vítimas

Para presidente do IDDD, casos como o do músico Evaldo dos Santos Rosa mostram que governos têm encarado a morte como “efeito colateral” da política de segurança

“Se matar 10, 15 ou 20, com 10 ou 30 tiros cada um, ele [o policial] tem que ser condecorado e não processado.” Afirmações como essa, feita pelo então candidato à Presidência Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral, multiplicaram-se nos últimos meses em pronunciamentos de parlamentares, governadores e prefeitos. A ameaça das autoridades agora se concretiza nas ruas.

Casos recentes no Rio de Janeiro e em São Paulo mostram que, pouco mais de 100 dias desde o início dos novos governos estaduais e federal, o discurso de endurecimento penal das autoridades tem reforçado e respaldado a letalidade em territórios já marcados pela exclusão e a violência.    

Dados do ISP (Instituto de Segurança Pública) do Rio de Janeiro revelam que, nos três primeiros meses do ano, 434 pessoas foram assassinadas pelas polícias do estado (uma média de cinco por dia). A taxa é 18% maior do que a registrada no mesmo período em 2018.

O caso do músico Evaldo dos Santos Rosa, que teve o carro em que viajava com a família alvejado por 80 tiros de fuzil, é um trágico exemplo dessa escalada, ainda que os disparos tenham partido de agentes do Exército, e não da PM. Evaldo não tinha qualquer relação com atividades criminosas. Na ocasião, o catador de material reciclado Luciano Moraes também foi atingido pelos militares ao tentar ajudar a família a sair do carro. Ele morreu nesta quarta (17) após 11 dias de internação em um hospital.

Apesar da ampla repercussão, o presidente Jair Bolsonaro se pronunciou apenas três dias depois e relativizou a gravidade do episódio, que classificou como “incidente”. O vice-presidente Hamilton Mourão também minimizou a importância da morte e disse que os militares estavam “sob forte pressão e sob forte emoção”, em referência indireta ao pacote de medidas penais apresentado no início do ano pelo ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro.

O texto, que foi desmembrado e tramita na Câmara e no Senado, amplia as circunstâncias em que um agente de segurança pode ser isentado de um processo penal por matar uma pessoa se o “excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

“Além do descaso com a vida, o Estado brasileiro passou a defender a ideia de que a morte é o preço que se paga para combater a violência, como uma espécie de efeito colateral. Isso é inadmissível, seja no caso de Evaldo, seja nos casos em que a pessoa assassinada supostamente cometeu algum tipo de infração”, afirma Fábio Tofic Simantob, presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa).

“Essa é a violação máxima ao direito de defesa, a execução sumária de meros suspeitos. Em qualquer democracia do mundo, policiais envolvidos em mortes seriam no mínimo investigados. Aqui, são condecorados.”

Foi o que aconteceu com os agentes responsáveis pela morte de 11 pessoas supostamente envolvidas na explosão de caixas eletrônicos na cidade de Guararema, em São Paulo, no início de abril. “A polícia agiu corretamente e mandou para o cemitério 11 bandidos”, afirmou o governador João Doria durante homenagem aos policiais responsáveis pela operação.

Ao mesmo tempo em que respalda ações violentas, o governo paulista e sua base de apoio na Assembleia Legislativa têm impulsionado propostas para minar a capacidade de investigação e monitoramento de abusos cometidos pelas forças de segurança.

No dia 12/4 foi publicado no Diário da Assembleia um projeto de lei complementar para extinguir a Ouvidoria das Polícias de São Paulo, órgão vinculado à Secretaria de Segurança Pública. A proposta é do deputado Frederico d’Avila (PSL). No argumento do PL, o parlamentar afirma que o objetivo é reduzir gastos públicos e “corrigir uma injustiça imposta unicamente em desfavor dos policiais do estado”.

A Ouvidoria das Polícias foi criada em 1995 para receber denúncias sobre irregularidades cometidas pelas forças de segurança e  investigá-las com independência. Apenas entre maio e junho de 2018, o órgão recebeu 2.214 notificações, sendo que 268 (12,5%) estavam diretamente relacionadas a homicídios cometidos por policiais militares.

“Há uma evidente relação entre os discursos das autoridades e a ação dos agentes públicos na outra ponta. Afinal, estamos falando de órgãos que, hierarquicamente, estão sob responsabilidade da Presidência da República. Há uma cadeia de comando encorajando ações violentas”, completa Simantob. “Não podemos aceitar que a violência seja convertida em política de Estado.”

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