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Preso e juiz cara a caraPreso e juiz cara a cara

Marina Dias

Advogada criminalista e conselheira do IDDD e da ouvidoria da Defensoria Pública de São Paulo

Hugo Leonardo

Advogado criminalista e diretor do IDDD

 

Texto originalmente publicado na edição de 20/01/2015 do jornal Folha de S. Paulo

 

Tramita no Senado desde 2011 o projeto de lei nº 554, que cria a audiência de custódia: o preso deve ser apresentado pessoalmente ao juiz em 24 horas para a análise da legalidade do ato da prisão, de sua real necessidade e para a prevenção e o combate à tortura.

 

A medida está prevista no artigo 7º do Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 1992, mas o país posterga a adoção dessa medida há 22 anos. Há mais de três no Senado, o projeto já passou por diversas comissões e ainda terá que ser aprovado pela Câmara Federal. É mais um caso que expõe a lentidão do Poder Legislativo.

 

A Comissão Nacional da Verdade, empenhada em esclarecer as violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, reconheceu que tais práticas persistem até os dias de hoje, embora não em um contexto de regime de exceção.

 

Segundo o relatório, as denúncias de tortura se multiplicam, especialmente as relativas à atuação dos órgãos de segurança pública. Portanto, com o intuito de combater, prevenir e assegurar a não repetição desses casos, a comissão recomendou ao Estado brasileiro a criação da audiência de custódia.

 

Atualmente, a análise da legalidade e necessidade da prisão é feita de maneira burocrática, sem qualquer contato pessoal do acusado com o juiz. Esse encontro ocorre vários meses depois, na ocasião da audiência de instrução e julgamento. Não podemos confundir as duas coisas. Enquanto uma corresponde ao julgamento propriamente dito, a outra se restringe à análise da legalidade da prisão.

 

Os presos provisórios no país somam 42% do total. É indiscutível a banalização desse instrumento, que deveria ser aplicado excepcionalmente. Esse tipo de prisão constitui verdadeira antecipação da pena, afrontando a garantia constitucional da presunção de inocência.

 

A audiência de custódia evitará o encarceramento de muitos inocentes e de pessoas que cometeram crimes, mas que não devem permanecer presas durante o processo. E ainda preservará aquelas pessoas não inseridas na malha complexa do crime organizado de se associarem às facções criminosas.

 

A manutenção de uma pessoa no cárcere, enquanto responde a processo criminal, provoca a ruptura precoce dos laços sociais e familiares e é decisiva para a superlotação das prisões.

 

A adoção de tal mecanismo acarretará redução substancial de gastos públicos. Isso porque reduzirá o deficit de vagas no sistema carcerário e os custos decorrentes da custódia do preso. Permitirá também uma análise mais cuidadosa das circunstâncias em que se deu a prisão, possibilitando ao juiz verificar a ocorrência de eventuais nulidades, evitando a desnecessária movimentação da máquina judiciária com investigações e ações penais que padecem de justa causa.

 

Mais importante do que propiciar economia aos cofres públicos, a audiência irá assegurar o reconhecimento de uma garantia constitucional dos acusados e mitigará os custos colaterais impostos às suas famílias e à própria comunidade.

 

A tortura é ainda prática corriqueira. Apresentar o preso ao juiz em até 24 horas garante maior eficácia no controle da atuação dos agentes do Estado, especialmente da polícia. Se tiver ocorrido violência, será esse o momento propício para desmascará-la, pois suas marcas provavelmente estarão visíveis e existirá um ambiente seguro para a denúncia, permitindo ao Judiciário adotar medidas efetivas.

 

O Brasil ainda engatinha no combate à tortura e na racionalização do uso da prisão. O país precisa se posicionar com veemência como um país que não tolera a violência praticada por agentes do Estado nem o encarceramento indevido. A adoção da audiência de custódia será um importantíssimo passo, pois permitirá o contato olho no olho entre preso e magistrado, fundamental para a realização da justiça.

Marina Dias

Advogada criminalista e conselheira do IDDD e da ouvidoria da Defensoria Pública de São Paulo

 

Hugo Leonardo

Advogado criminalista e diretor do IDDD

 

Texto originalmente publicado na edição de 20/01/2015 do jornal Folha de S. Paulo

 

Tramita no Senado desde 2011 o projeto de lei nº 554, que cria a audiência de custódia: o preso deve ser apresentado pessoalmente ao juiz em 24 horas para a análise da legalidade do ato da prisão, de sua real necessidade e para a prevenção e o combate à tortura.

 

A medida está prevista no artigo 7º do Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 1992, mas o país posterga a adoção dessa medida há 22 anos. Há mais de três no Senado, o projeto já passou por diversas comissões e ainda terá que ser aprovado pela Câmara Federal. É mais um caso que expõe a lentidão do Poder Legislativo.

 

A Comissão Nacional da Verdade, empenhada em esclarecer as violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, reconheceu que tais práticas persistem até os dias de hoje, embora não em um contexto de regime de exceção.

 

Segundo o relatório, as denúncias de tortura se multiplicam, especialmente as relativas à atuação dos órgãos de segurança pública. Portanto, com o intuito de combater, prevenir e assegurar a não repetição desses casos, a comissão recomendou ao Estado brasileiro a criação da audiência de custódia.

 

Atualmente, a análise da legalidade e necessidade da prisão é feita de maneira burocrática, sem qualquer contato pessoal do acusado com o juiz. Esse encontro ocorre vários meses depois, na ocasião da audiência de instrução e julgamento. Não podemos confundir as duas coisas. Enquanto uma corresponde ao julgamento propriamente dito, a outra se restringe à análise da legalidade da prisão.

 

Os presos provisórios no país somam 42% do total. É indiscutível a banalização desse instrumento, que deveria ser aplicado excepcionalmente. Esse tipo de prisão constitui verdadeira antecipação da pena, afrontando a garantia constitucional da presunção de inocência.

 

A audiência de custódia evitará o encarceramento de muitos inocentes e de pessoas que cometeram crimes, mas que não devem permanecer presas durante o processo. E ainda preservará aquelas pessoas não inseridas na malha complexa do crime organizado de se associarem às facções criminosas.

 

A manutenção de uma pessoa no cárcere, enquanto responde a processo criminal, provoca a ruptura precoce dos laços sociais e familiares e é decisiva para a superlotação das prisões.

 

A adoção de tal mecanismo acarretará redução substancial de gastos públicos. Isso porque reduzirá o deficit de vagas no sistema carcerário e os custos decorrentes da custódia do preso. Permitirá também uma análise mais cuidadosa das circunstâncias em que se deu a prisão, possibilitando ao juiz verificar a ocorrência de eventuais nulidades, evitando a desnecessária movimentação da máquina judiciária com investigações e ações penais que padecem de justa causa.

 

Mais importante do que propiciar economia aos cofres públicos, a audiência irá assegurar o reconhecimento de uma garantia constitucional dos acusados e mitigará os custos colaterais impostos às suas famílias e à própria comunidade.

 

A tortura é ainda prática corriqueira. Apresentar o preso ao juiz em até 24 horas garante maior eficácia no controle da atuação dos agentes do Estado, especialmente da polícia. Se tiver ocorrido violência, será esse o momento propício para desmascará-la, pois suas marcas provavelmente estarão visíveis e existirá um ambiente seguro para a denúncia, permitindo ao Judiciário adotar medidas efetivas.

 

O Brasil ainda engatinha no combate à tortura e na racionalização do uso da prisão. O país precisa se posicionar com veemência como um país que não tolera a violência praticada por agentes do Estado nem o encarceramento indevido. A adoção da audiência de custódia será um importantíssimo passo, pois permitirá o contato olho no olho entre preso e magistrado, fundamental para a realização da justiça.

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