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Precisamos falar sobre o direito de defesa

José Luis Mendes de Oliveira Lima
Associado do Instituto de Defesa do Direito de Defesa

Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo, edição de 27 de julho de 2015.

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Texto publicado no dia 27 de julho de 2015, na seção Opinião.

O ambiente político confuso e envenenado que se instalou no Brasil faz com que pouca gente dê importância, mas está em curso no país um ciclo crescente de ameaça a um dos princípios da democracia.

Mesmo com o risco de parecer inconveniente, é preciso fazer a advertência enquanto ainda há tempo: as investigações que nos últimos tempos dominam o noticiário, com destaque para os desdobramentos da Operação Lava Jato, têm violado de forma sistemática o direito de defesa, uma das bases de qualquer sociedade civilizada.

A cada dia que passa surgem novos exemplos de agressões a tal direito e, o que é pior, quase ninguém liga. A advogada Beatriz Catta Preta, que defende os interesses legítimos de seus clientes, é convocada para se explicar numa Comissão Parlamentar de Inquérito –e isso é considerado normal.

A correspondência redigida por um cliente para seus advogados é interceptada e divulgada à imprensa, sistema de gravação ilegal é colocado dentro das prisões, tudo ao arrepio da prerrogativa do sigilo do diálogo entre cliente e advogado –e isso é considerado normal.

A tendência não para por aí. Delegado de polícia acha que pode decidir qual advogado deve acompanhar o investigado. Alguns magistrados autorizam o grampo em conversas telefônicas entre advogados com clientes, esses diálogos são repassados a jornalistas –e tudo isso é considerado normal. Só que vamos deixar bem claro: nada disso, mas nada mesmo, é normal.

O sigilo de qualquer espécie de comunicação entre advogado e cliente é previsto no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e, muito mais importante, está garantida pela Constituição Federal.

Por motivos óbvios, o Estado-acusador não pode espionar ou controlar os rumos da defesa. Esse mínimo de liberdade é essencial para a democracia, sistema político cheio de defeitos, mas que comprovadamente é melhor do que todas as alternativas conhecidas.

O momento é tão conturbado que até mesmo a crítica ao trabalho de delegados e procuradores passa a ser tratado como ataque inadmissível e ilegal. Advogados e clientes são criminalizados, como se fosse proibido apontar falhas e incoerências dos investigadores. Não é.

O Estado brasileiro vem fortalecendo gradativamente seu aparato de investigação, em especial na Polícia Federal e no Ministério Público, o que é um sinal de amadurecimento de nosso país. Tais estruturas investigativas não são, porém, infalíveis e estão, como todos nós, sujeitas a críticas.

Os abusos estão indo tão longe que, felizmente, já se verifica o crescimento de uma reação entre os mais sensatos. Reinaldo Azevedo, colunista desta Folha, grande entusiasta da Lava Jato e ferrenho opositor ao governo, protestou veementemente contra o desrespeito ao direito de defesa.

Segundo a coluna Painel, também desta Folha, integrantes do Supremo Tribunal Federal acompanham com preocupação e repúdio as ameaças de convocação, pela CPI da Petrobras, dos advogados de investigados da Operação Lava Jato. Ufa, ainda há esperança.

A confusão clássica entre a figura do advogado e a do seu cliente e as afrontas reiteradas às prerrogativas dos advogados, que nada mais são do que violações aos direitos de um cidadão acusado, demonstram como a sociedade brasileira ainda está engatinhando na defesa do direito de defesa.

Lembrem-se, todos podem precisar de advogados: jornalistas, delegados de polícia, promotores, juízes e presidentes das casas legislativas. Lutar por uma defesa ampla é demonstração de amadurecimento da democracia, não se confunde com impunidade.

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