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Por que eu? Como o racismo faz com que as pessoas negras sejam o perfil alvo das abordagens policiais

Pesquisa realizada pelo IDDD e data_labe, nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, revela “dois protocolos” para buscas pessoais: um para negros e outro para brancos

Oito em cada 10 pessoas negras já foram abordadas pela polícia. Entre as brancas, duas em 10 se lembram de ter passado pelo procedimento. A conclusão faz parte do relatório da pesquisa “Por que eu?”, um levantamento inédito feito pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e o data_labe, que ouviu 1.018 pessoas entre maio e junho de 2021, no Rio de Janeiro (510) e em São Paulo (508). Clique aqui para acessar o site oficial da pesquisa. 

Segundo o relatório, que teve seus registros, textos analíticos e bibliografia organizados entre junho de 2021 e junho de 2022, ser negro nos dois estados pesquisados significa ter risco 4,5 vezes maior de sofrer uma abordagem policial, em comparação com uma pessoa branca. No grupo daqueles que declararam ter sido abordados mais de 10 vezes, entre os negros, o percentual foi mais que o dobro (19,1%) em relação aos respondentes brancos (8,5%). 

A pesquisa “Por que eu?” indica também que os negros tiveram sua raça/cor expressamente mencionada por agentes de segurança pública durante a abordagem em proporção muito maior: enquanto 46% das pessoas negras ouviram referências explícitas à sua raça/cor; entre as brancas, somente 7% tiveram a raça/cor mencionada.  

Violência física, verbal e psicológica  

A diferença de tratamento na abordagem é outra informação trazida pela pesquisa – o que, segundo o IDDD e o data_labe, aponta para a inconsistência em seguir um padrão ou a existência de “duplo protocolo”.  

Pessoas negras especificaram condutas abusivas por parte de policiais em maior proporção do que as brancas, sendo o grupo mais representativo entre os que, por exemplo, relataram que policiais tocaram suas partes íntimas (42,4% ante 35,6% dos brancos).   

A pesquisa constatou que as situações nas quais há algum tipo de violência policial durante a abordagem também têm frequências distintas a depender do grupo racial. Entre brancos, 66,8% responderam positivamente a alguma das opções de situação de violência do questionário em suas experiências de abordagem contra 88,7% dos negros ouvidos. Na amostra, pessoas abordadas relataram violência física, verbal e psicológica, sendo que pessoas negras foram vítimas de agressões físicas, verbais e psicológicas (respectivamente, 8,8%; 17,2%; e 24,7%) em maior proporção do que pessoas brancas (6%; 14,1%; e 18,5%), além de serem assediadas moralmente (18,9% ante 13%) e ameaçadas (3,3% contra 2,2%) também em frequência maior. 

Considerando as várias situações em que se dão as abordagens, destaca-se a diferença de proporção entre brancos e negros que disseram ter sido alvos de buscas pessoais em casa. O domicílio foi o local da abordagem para 13,5% das pessoas negras da amostra, sendo 5,1% para as brancas – ou seja, três vezes mais.          

Os participantes da pesquisa também avaliaram o tratamento dado pelos agentes de segurança durante as abordagens. Os resultados novamente variaram de acordo com os grupos raciais. Somam 47,1% os brancos que descreveriam o tratamento como “ruim” ou “péssimo”. Entre os negros, 74,5% das pessoas avaliaram o tratamento desta forma.  

Suspeitas infundadas

Na amostra, 83,8% dos brancos e 87,5% dos negros nunca foram conduzidos à delegacia após uma abordagem. Para Priscila Pamela dos Santos, o dado reflete falta de precisão nos métodos atuais de identificação de suspeitos no policiamento ostensivo. “Pelo Código de Processo Penal que temos hoje, a busca pessoal é um meio para encontrar provas que serão usadas em processos criminais. No grupo de respondentes negros, a chamada ‘fundada suspeita’ se confirma em pouco mais de uma de cada 10 abordagens. Significa que 9 pessoas dessas 10 tiveram os seus direitos suspensos temporariamente sem razão alguma”, observa a advogada.   

Para que seja considerada legal pela Justiça, a lei (Código de Processo Penal) determina que a busca pessoal só pode ocorrer sem ordem judicial mediante “fundada suspeita” do agente policial de que o abordado esconde objetos ilícitos. A sua função é obter provas a serem eventualmente utilizadas num processo criminal 

“O controle da atividade policial não é feito só por medidas de responsabilização individual depois do cometimento de crimes pelos agentes; ele também é feito quando a Justiça estabelece quais práticas são lícitas para subsidiar as acusações criminais. Se qualquer abordagem, ao bel prazer do agente, for considerada legal, estará dado o sinal verde para uma violação massiva e sistemática de direitos que se concentra na população negra, como mostra a pesquisa”, conclui Santos.  

Clique aqui para baixar o relatório.