Notícias

Organizações encaminham ofício ao CNJ contra uso de videoconferência para as audiências de custódia

Ferramenta pode impossibilitar constatação de tortura durante a abordagem ou na carceragem

Mais 150 entidades assinam o ofício ao CNJ. Organizações defendem que videoconferência desviaria as audiências de custódia de suas principais finalidades (Foto: Alice Vergueiro)

Hoje (22), o CNJ vota o uso de videoconferência para as audiências de custódia. Diversas organizações de direitos humanos, movimentos e ativistas pelo desencarceramento têm se posicionado contra tal medida, uma vez que ela pode impossibilitar que os juízes averiguem se houve tortura durante a abordagem ou na carceragem. Na sexta-feira (19), as entidades encaminharam ofício ao CNJ pedindo pela não substituição das audiências de custódia presenciais pelas por videoconferência. Leia o documento abaixo:

 

Brasil, 19 de junho de 2020.

Ofício nº 01/2020
Ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ
Assunto: Regulamentação – Critérios – Realização – Audiências – Atos processuais – Videoconferência – Processos penais – Execução penal – Criminal – Pandemia – Coronavírus – Covid-19
Referência: Ato Normativo nº 0004117-63.2020.2.00.0000

Considerando a notícia da inclusão em pauta de julgamentos do Ato Normativo nº 0004117-63.2020.2.00.0000, relatado pelo douto Conselheiro Ministro Dias Toffoli e concernente a proposta de resolução que disciplina a realização de audiências em processos criminais por videoconferência, vimos por meio deste, respeitosamente, expor e requerer o que se segue.

A par de eventuais críticas que podem ser tecidas em relação às audiências criminais em ambiente virtual, objetiva-se, no presente, ater-se apenas a um dos problemas mais graves em discussão: a possibilidade ou não da realização das audiências de custódia por videoconferência.
As instituições signatárias postulam a manutenção integral do artigo 19 da minuta de resolução, qual seja:
Art. 19. É vedada a realização por videoconferência das audiências de custódia, previstas nos artigos 287 e 310, ambos do Código de Processo Penal, e na Resolução CNJ nº 213/2015.

Não é demais lembrar que, de acordo com a própria Resolução nº 213/2015 deste Conselho Nacional de Justiça, “a condução imediata da pessoa presa à autoridade judicial é o meio mais eficaz para prevenir e reprimir a prática de tortura no momento da prisão”.

Assim, audiência de custódia não cumpre sua função precípua quando realizada por meio virtual, tanto por não ser possível ao magistrado identificar adequadamente indícios da prática de tortura, como por não garantir que o ambiente em que a pessoa presa estará quando ouvida seja livre de interferências externas, garantindo-se um mínimo de segurança para um relato desembaraçado e verdadeiro.
Além disso, é preciso destacar que o Poder Legislativo brasileiro rejeitou proposta apresentada no Projeto de Lei nº 882/2019, equivocadamente nomeado de “Pacote Anticrime”, que, por razões como a economia de custos com escolta, tornava regra a realização por videoconferência de atos processuais que dependam da participação de réu preso. É importante pontuar a inclusão, pelo Congresso Nacional, de vedação expressa à realização das audiências de custódia por videoconferência, o que foi posteriormente vetado pelo atual presidente da república, mas sem análise do veto pelo legislativo.

De toda forma, a redação sancionada do artigo 310 do Código de Processo Penal aponta a necessidade de que a pessoa presa seja levada à presença da autoridade judiciária. Não há espaço para a realização do ato sem a presença direta e real do custodiado, o que é reforçado pela previsão expressa de que a pessoa detida seja levada “à presença de um juiz”, consoante o art. 7º, item 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos.

A Recomendação nº 62/2020 deste Eg. CNJ, ao prever a possibilidade de suspensão excepcional das audiências de custódia no período da pandemia, já traduz o entendimento desse próprio Conselho no sentido da inviabilidade (ou imprestabilidade) da sua realização por videoconferência.

De outro lado, compartilhamos a preocupação com a falta de acesso da pessoa presa à autoridade judicial, que deve zelar pela regularidade de sua prisão e por sua integridade física. Assim, postulamos que sejam avaliadas formas de garantir esse acesso minimizando o risco de transmissão do novo coronavírus (2019-nCoV), como, por exemplo, a realização do ato presencial no próprio estabelecimento prisional, com o respeito às normas sanitárias, inclusive como admitido no art. 8º, §3º, da Recomendação nº 62/2020, CNJ.

Em todo o mundo discute-se a gradual retomada das atividades que demandam contatos interpessoais, à medida em que as autoridades de saúde monitoram a evolução do número de contaminados e definem protocolos de profilaxia adequados.

Entende-se que, nesse contexto, longe de instituir regra que permita o desvirtuamento do instituto, o CNJ tem o dever e a prerrogativa de reforçar o papel das audiências de custódia como meio de controle da porta de entrada do sistema prisional e instrumento fundamental de prevenção e combate à tortura, deliberando, à luz das orientações científicas, sobre a conveniência e os meios necessários para uma retomada das audiências de custódia presenciais com a maior brevidade e segurança possíveis.

Nesse mesmo sentido, independente da realização ou não da audiências de custódia, entendemos pela importância da utilização de mecanismos que permitam a adequada apuração sobre a existência de indícios de tortura ou maus tratos no momento da prisão, com destaque, aqui, tanto para as medidas que já constam no art. 8º, §1º, II, e §2º, Rec. nº 62/2020, CNJ, como no Protocolo de Istambul da Organização das Nações Unidas.

Por fim, mas não menos importante, destacamos que a inclusão em pauta de matéria de tão excepcional relevância e gravidade, demandaria antecedência suficiente para viabilizar amplo debate, que compreendesse a oitiva das instituições atuantes no sistema de justiça e de entidades da sociedade civil envolvidas com essa temática.
Nesse sentido, postulamos:

a) a retirada da proposta de resolução da pauta de julgamentos do dia 22/06/2020;

b) a realização de debates públicos, com participação das instituições do sistema de justiça e das entidades da sociedade civil organizada, com vistas à democratização do processo decisório, bem como reuniões de trabalho com entidades representativas de familiares de pessoas presas e outras que atuam junto ao sistema carcerário brasileiro;

c) seja mantida a irretocável redação do artigo 19 da minuta da Resolução em deliberação, com a vedação expressa da possibilidade de realização de audiências de custódia por videoconferência;

d) seja proposto um cronograma para a retomada gradual da realização das audiências de custódia presenciais, em consonância com as orientações das autoridades sanitárias em cada Unidade da Federação;

e) seja revestido de obrigatoriedade o artigo 8º da Recomendação 62/2020 do CNJ junto aos Tribunais, impondo-se a adoção de medidas que permitam a verificação da ocorrência de tortura ou maus tratos no momento da prisão.
Atenciosamente,

1. Agenda Nacional pelo Desencarceramento
2. Assessoria Popular Maria Felipa – MG
3. Associação Apadrinhe um Sorriso
4. Associação das Advogadas e dos Advogados Criminalistas do Estado do Rio Grande do Sul – ACRIERGS
5. Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro – ADPERJ
6. Associação de Advogadas pela Igualdade de Gênero, Raça e Etnia – AAIGRE
7. Associação de Familiares de Presos do RJ – AFAPERJ
8. Associação Juízes para a Democracia (AJD)
9. Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos – ANADEP
10. Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED)
11. Associação para a Prevenção da Tortura – APT
12. Brigadas Populares
13. Centro de Defesa de Direitos Humanos Elda Regina – Piauí
14. Centro de Defesa de Direitos Humanos Heróis do Jenipapo – Piauí
15. Centro de Defesa de Direitos Humanos Mandu Ladino – Piauí
16. Centro de Defesa de Direitos Humanos Nenzinha Machado – Piauí
17. Centro de Defesa de Direitos Humanos Teresina Silva – Piauí
18. Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Campo Limpo – CDHEP
19. Centro de Estudos de Segurança e Cidadania – CESeC
20. Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação – CEED/FD/UnB
21. Centro de Integração social e Cultural – CISC – “Uma chance”
22. Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio – CRDH/UFRN
23. Coletiva Brejo das Sapas – MG/BH
24. Coletiva Mana a Mana – Pernambuco
25. Coletivo Ação Direta em Educação Popular – ADEP-UERJ-MANGUEIRA
26. Coletivo Brota na Laje
27. Coletivo de Defensoras e Defensores pela Democracia
28. Coletivo Em Silêncio RJ
29. Coletivo Fala Akari
30. Coletivo Familiares e Amigos de Presos e Presas do Amazonas
31. Coletivo Memória Verdade Justiça – Santa Catarina
32. Coletivo Negro Claudia Ferreira (FND/UFRJ)
33. Coletivo Negro Patrice Lumumba (UERJ)
34. Coletivo Popular Direito a Cidade, Porto Velho, Rondônia
35. Coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça, Reparação
36. Coletivo Rosas no Deserto DF
37. Coletivo Transforma MP
38. Comissão de Direitos Humanos – OAB/CE
39. Comissão de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Antropologia
40. Comissão de Direitos Humanos da OAB/RS.
41. Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB
42. Comissão Pró-Sistema de Prevenção e Combate à Tortura em Santa Catarina
43. Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos do Piauí
44. Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Ceará – CEPCT/CE
45. Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro – CEPCT/RJ
46. Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do RN – CEPCT-RN
47. Comitê Estadual e Prevenção à Tortura do Piauí
48. Comunidades Tradicionais de Matriz Africana (UFRJ)
49. Conectas Direitos Humanos
50. Conselho da cidade de RIO GRANDE
51. Conselho da Comunidade de Execução Penal do Distrito Federal – CCEP/DF
52. Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Ceará CEDDH/CE
53. Conselho Estadual de Direitos Humanos e Cidadania do RN – COEDHUCI/RN
54. Conselho Estadual dos Direitos da Mulher de SC / CEDIM
55. Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas
56. DDH – Instituto de Defensores de Direitos Humanos
57. Defensoria de Urgências Criminais da Defensoria Pública de Minas Gerais
58. Defensoria Pública da União
59. Defensoria Pública do Estado da Bahia
60. Defensoria Pública do Estado de Goiás
61. Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina
62. Defensoria Pública do Estado do Ceará
63. Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
64. Educap Complexo do Alemão
65. Elas Existem – Mulheres Encarceradas
66. Escola Livre de Redução de Danos
67. Favelize-se
68. Fórum Cearense de Mulheres – FCM
69. Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro
70. Fórum Grita Baixada
71. Fórum Social de Manguinhos
72. Frente de Juristas Negras e Negros do Rio de Janeiro.
73. Frente Distrital pelo Desencarceramento
74. Frente Estadual pelo Desencarceramento – CE
75. Frente Estadual pelo Desencarceramento de Minas Gerais
76. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Amazonas
77. Frente Estadual pelo Desencarceramento RJ
78. Frente Paraense pelo Desencarceramento
79. GAJOP – Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares
80. Grupo Candango de Criminologia da Universidade de Brasília – GCCrim/UnB
81. Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade – MG
82. Grupo de Estudos e Pesquisas Direito Penal e Democracia (UFPA)
83. Grupo de Pesquisa em Criminologia (UEFS/UNEB)
84. Grupo de Pesquisa Política Criminal – UnB e UniCEUB
85. Grupo de Pesquisa Saúde nas Prisões – Ensp/Fiocruz
86. Grupo Eu Sou Eu – Reflexos de uma vida na prisão
87. Grupo Prerrogativas
88. Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro – GTNM/RJ
89. Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial/Baixada Fluminense-RJ
90. Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas – INNPD
91. Instituto Alana
92. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM
93. Instituto de Cultura e Consciência Negra Nelson Mandela
94. Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD
95. Instituto de Estudos da Religião – ISER
96. Instituto DH: promoção, pesquisa e intervenção em Direitos Humanos e Cidadania (MG)
97. Instituto Marielle Franco
98. Instituto Negra do Ceará – INEGRA
99. Instituto por DireColetive Igualdades
100. Instituto por Direitos e Igualdade
101. Instituto Prios de Políticas Públicas e Direitos Humanos (DF)
102. Instituto Pro Bono – IPB
103. Instituto Samara Sena – Piauí
104. Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC
105. Jota Marques – Conselheiro Tutelar de Jacarepaguá
106. Justiça Global
107. Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ
108. Laboratório de Estudos da Cidadania, Administração de Conflitos e Justiça – CAJU/DAN/UnB
109. Laboratório de estudos sobre trabalho, cárcere e direitos humanos – UFMG
110. Liga Acadêmica de Ciências Criminais – LACC – UFAL
111. MÃES de maio DA LESTE
112. Maré Vive
113. MARGINAL COLETIVO
114. Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro
115. Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT)
116. Movimenta Caxias
117. Movimento Juristas Antifascistas de Rondônia.
118. Movimento Negro Unificado RJ
119. Movimento Negro Unificado RJ
120. NICA – Jacarezinho
121. Nova Frente Negra Brasileira
122. Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (FND/UFRJ)
123. Núcleo de Estudos Maré sobre Cultura Jurídica e Atlântico Negro – FD/UnB
124. Núcleo de Estudos sobre política de drogas, violências e Direitos Humanos – NEVIDH – UFJF
125. Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança – NEViS/UnB
126. Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo – NESC/DPESP
127. Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas da UFF
128. NUH/UFMG: núcleo de direitos humanos e cidadania LGBT da UFMG
129. Observatório de Favelas
130. Organização de Cultura e Comunicação Alternativa – OCCA Brasil
131. Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Acre
132. Ouvidoria Geral da Defensoria Pública do RJ
133. Ouvidoria Geral Externa da Defensoria Pública do Estado de Rondônia
134. Pastoral Carcerária do Estado da Paraíba
135. Pastoral Carcerária Nacional – CNBB
136. PET-Conexões Povos de Terreiro
137. Plataforma Brasileira de Política de Drogas – PBPD
138. Projeto abençoando vidas
139. Projeto JUSTA
140. Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência
141. Rede de Mães e Familiares Vítimas de Violência da Baixada Fluminense
142. Rede de Mães e Familiares da Baixada.
143. Rede Emancipa – Rio de Janeiro
144. Rede Justiça Criminal
145. Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP)
146. Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas
147. REDUC – Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos
148. Setorial de Negros Marielle Franco-Niterói
149. Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos-SDDH
150. Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade
151. Terra de Direitos – Organização de Direitos Humanos
152. Transmissão Direitos Humanos
153. Vozes de Mães e Familiares do Sistema Socioeducativo e Prisional do Ceará

Financiadores

ver todos +