O 167 Período Extraordinário de Sessões abrigou audiência sobre a situação de pessoas presas no Brasil, onde foi discutida a devida implementação dos mecanismos de combate à tortura no País.
No dia 1 de março as organizações da sociedade civil participaram da audiência temática “Situação de direitos humanos das pessoas privadas de liberdade no Brasil”, no 167º período de sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A audiência ocorreu a pedido das organizações em caráter de denúncia contra a situação do sistema carcerário no País e a ausência de um mecanismo de combate à tortura no estado de São Paulo.
O objetivo da audiência foi efetivar uma denúncia perante à Comissão sobre a alarmante situação carcerária no país e as constantes violações de direitos humanos da população prisional. Além disso, foi cobrado diante do Estado Brasileiro a urgente implementação dos mecanismos estaduais de prevenção e combate à tortura no País, cumprindo com os artigos 61, 62 e 66 do Regulamento da CIDH e previstos no Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura da Organização das Nações Unidas – ONU, assinado pelo Brasil.
Instituições Participantes
Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude – ASBRAD; Associação para a Prevenção da Tortura (APT); Conectas Direitos Humanos; Conselho Regional de Psicologia – 6ª Região; Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim); Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) e Pastoral Carcerária Nacional.
Histórico
Em 2007, o Brasil ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura, que designa a responsabilidade a cada Estado-Parte de realizar o trabalho de prevenção à tortura por meio de Mecanismos Preventivos Nacionais (MPN), consolidando as medidas e garantindo o controle de padrões mínimos recomendados pelos instrumentos internacionais de proteção aos Direitos Humanos dentro das instituições de privação de liberdade, como unidades prisionais, instituições de medidas socioeducativas e hospitais psiquiátricos.
Apenas em 2013 foi sancionada a Lei 12.847/2013 no País, que institucionalizou em âmbito nacional um sistema de prevenção e combate à tortura, responsabilizando cada estado da Federação a criar o seu próprio mecanismo. Tal instrumento visa o monitoramento periódico das condições dos locais de privação de liberdade, de forma a salvaguardar os direitos fundamentais das pessoas detidas nesses lugares, coibindo práticas de tortura, penas abusivas e outros tratamentos degradantes, assim como para preservar o tratamento e a eficácia das medidas de ressocialização e elaborar recomendações de caráter preventivo.
Apesar da reafirmação do compromisso e atenção ao combate à tortura, apenas 9 estados brasileiros (AL, AP, ES, MA, MG, PB, PE, SE, RJ e RO) possuem tal instrumento. Sendo que São Paulo – o estado com maior população prisional do País – permanece omisso em sua criação. Em setembro de 2017, já havia sido cobrada em caráter de denúncia a criação de tal mecanismo no estado por um grupo de organizações e órgãos públicos na Organização das Nações Unidas.
De acordo com a Convenção contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (adotada na Assembleia Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro de 1984, realizada em Nova York), entende-se por tortura: grave dor ou sofrimento, seja físico ou mental, infligido por, ou instigado através, ou com o consentimento ou aquiescência de um agente público ou pessoa agindo em capacidade oficial, com o propósito de obter, da pessoa a quem esteja sendo infligida, ou de um terceiro, informações ou uma confissão, punindo aquela pessoa por um ato que ela tenha cometido, ou do qual seja suspeita de ter cometido, ou intimidando aquela pessoa ou outras pessoas.
Desse modo, a superlotação nos presídios, por exemplo, já configuraria como ato de tortura e maus tratos por parte do Estado.
No Direito Internacional, a proibição da tortura está prevista não apenas na Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, mas também em outros tratados, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Artigo 5º) e o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 7º).
São Paulo
De acordo com o portal de Sistema de Administração Penitenciária (SAP), a estrutura prisional do estado de São Paulo conta com 85 penitenciárias para presos em regime fechado; 42 Centros de Detenção Provisória (CDPs), 15 Centros de Progressão Penitenciária (CPPs), 22 Centros de Ressocialização – CRs, 01 Centro de Readaptação Penitenciária (CRP), 03 Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs), totalizando 168 unidades de privação de liberdade.
Segundo o último levantamento do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN/Ministério da Justiça), as unidades prisionais paulistas abrigam 240.061 presos, o maior número no País, com taxa de ocupação de 183%. Mais de 20 mil pessoas compartilham vagas individuais com outras 3 ou 4 pessoas.
Nas instituições de medidas socioeducativas para crianças e adolescentes em conflito com a lei, como a Fundação Casa, cerca de 9 mil estão internados, enquanto 20 mil encontram-se inseridos em diferentes medidas, como internação, semiliberdade e liberdade assistida. Sendo que 50% das unidades no estado estão superlotadas (dados da Ponte Jornalismo).
Já nos mais de 50 hospitais psiquiátricos de São Paulo, cerca de 4 mil pessoas estão em regime de internação de longa permanência e em torno de 200 residências terapêuticas, número que precisaria ser duplicado para abrigar todos aqueles que se encontram internados em manicômios, fazendo cumprir o que diz a lei da Reforma Psiquiátrica de 2001 (LEI No 10.216), ao determinar o fim das unidades manicomiais. A reforma surge com a iniciativa de promover maior humanização no tratamento psiquiátrico, possibilitando maior autonomia para o paciente, priorizando a reinserção social e o contato com a família e comunidade. No entanto, tal medida ainda não é inteiramente consolidada.
A superlotação se repete em todas essas instituições, rompendo com a possibilidade de qualquer controle e garantia em determinar que as condições locais não sejam insalubres, não haja punições arbitrárias, não seja utilizada indevida e inadequadamente as algemas (no caso das unidades prisionais), assim como a sujeição a situações que ameacem a saúde física e mental dos internos. (Clique aqui para ler o documento das Nações Unidas a respeito das regras mínimas para tratamento de reclusos).
Dado o alto índice de internações nas instituições de privação de liberdade de quaisquer naturezas, segue como demanda urgente a instauração de um mecanismo no estado de São Paulo que possibilite o controle e monitoramento institucional, evitando assim qualquer tipo de abuso, negligência e maus-tratos que violem suas garantias e civilidade, que vem ocorrendo continuamente. Assim como é de extrema necessidade o devido conhecimento a respeito das instituições e suas funções por parte da sociedade que, ao atacar qualquer tipo de mecanismo contra os maus-tratos e abusos extrajudiciais, estará ferindo diretamente as garantias conquistadas pelo Estado Democrático de Direito.