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O STF e a ameaça à presunção de inocência

Os Conselheiros do IDDD Antônio Claudio Mariz de Oliveira e Leônidas Ribeiro Scholz comentam decisão do Plenário do Supremo, que determina a possibilidade de cumprimento da pena após decisão condenatória em segunda instância, modificando a jurisprudência da Corte e atingindo diretamente o princípio constitucional da presunção de inocência

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No dia 17 de fevereiro, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento histórico do HC 126.292 modificou sua orientação jurisprudencial mantida desde 2009, autorizando a possibilidade de início do cumprimento da pena após a confirmação de decisão condenatória em segunda instância, sem que esta constitua ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência.

O habeas corpus foi impetrado pela defesa em face de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento ao recurso contra sentença condenatória, e determinou a expedição de mandado de prisão de um réu condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão em regime inicial fechado, pela prática de roubo qualificado (art. 157, §2º, incisos I e II do Código Penal).

O relator do processo, Ministro Teori Zavascki votou pela denegação da ordem de habeas corpus e revogação da liminar concedida, entendendo que a reflexão a respeito do caso perpassa a harmonização entre o alcance do princípio da presunção de inocência e a efetividade da função jurisdicional penal, a qual deveria atender não somente a valores caros aos acusados, mas também à sociedade. O voto de Zavascki foi acompanhado pelos Ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.

Divergiram do relator a ministra Rosa Weber e os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, presidente da Corte, que pontuou na conclusão de seu voto que “a tese de que a execução provisória da sentença condenatória antes de consumado o seu trânsito em julgado revela-se frontalmente incompatível com o direito fundamental do réu, assegurado pela Constituição da República (CF, art. 5º, LVII), de ser presumido inocente”.

Indignado e temendo pela insegurança jurídica que referida decisão provoca, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) divulgou, no último dia 18 de fevereiro, uma nota pública sobre o julgamento da Corte Suprema. Clique aqui para conferir a nota.

Questionado sobre o tema, o Conselheiro do IDDD, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, manifestou-se com preocupação sobre o assunto e afirmou que “a decisão viola uma cláusula pétrea que é o princípio da presunção de inocência, pois permite a prisão antes do trânsito em julgado, vale dizer, quando ainda se presume a inocência.  A prisão antecipada, logo após a decisão de segundo grau poderá converter-se em gritante injustiça, caso a condenação venha a ser anulada com o provimento do recurso especial ou do recurso extraordinário. ”

O Conselheiro do Instituto Leônidas Ribeiro Scholz, também consultado pelo IDDD, reforça que o temor ainda recai sobre o argumento utilizado pelo ministro relator a respeito do atendimento aos valores caros à sociedade: “O ponto mais crítico a meu ver é concretizar um ditado que em matéria penal é absurdo, e que em matéria jurídica de modo geral e especialmente em direito criminal é absurdamente inconcebível, que é o provérbio de que os fins justificam os meios. O acórdão ainda não foi publicado, não se conhece com a precisão necessária e a exatidão desejável os fundamentos da decisão do Supremo, mas pelo que a respeito dela se divulgou, muito se falou em anseio popular por efetividade da justiça para aplacar, minimizar, quando não eliminar a sensação popular de impunidade, e se sobrepôs esse conjunto de valores ideológicos à literalidade do preceito constitucional”, destaca. “A função do Supremo é atender aos reclamos da sociedade desde que, todavia, se possa fazê-lo de acordo com a Constituição. O que não se admite é o STF substituir categórica e terminante norma da Lei Maior do país, pelo desejo ou pelo suposto desejo da população de que para acabar com a impunidade é fundamental encarcerar desde logo os condenados”, ressalta o Conselheiro.

Para o IDDD – conforme destacado na nota –  a nova orientação adotada pelo Supremo causa ainda estranheza diante de outra recente decisão da mesma Corte na ADPF nº 347, de setembro de 2015, que reconheceu o estado de coisas inconstitucional em que se encontra o sistema penitenciário brasileiro e determinou a implementação das audiências de custódia no prazo máximo de noventa dias em todo o território nacional, como uma das medidas necessárias para a resolução do problema.

Para Scholz, o impacto da recente decisão não se resume à lesão direta e gravíssima à Constituição, mas também “no Sistema Carcerário falido e desumano, que a médio e longo prazo será desastroso”. Em um país em que o déficit de vagas no sistema prisional atinge a marca de mais de 231 mil vagas, de acordo com o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), pode-se esperar que decisão contribua para o agravamento dessa crise com um aumento sem precedentes da população carcerária.


Ato Público

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No dia 25 de fevereiro, a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil realizou em sua sede, na capital, um Ato Público que reuniu advogados e representantes de entidades de classe para manifestar repúdio à decisão do Supremo Tribunal Federal. No evento ressaltou-se o atentado à presunção de inocência e a necessidade de a Corte Suprema retomar seu papel de guardiã dos direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito.

Na oportunidade, o Presidente do IDDD, Augusto de Arruda Botelho, manifestou a indignação e o repúdio do Instituto: “A voz da sociedade sempre é pinçada por quatro ou cinco casos notórios de repercussão, porém, esquecem que nossas penitenciárias – somos a quarta maior população carcerário do mundo – estão lotadas de pessoas jovens, negras, moradoras da periferias e réus primários e são justamente essas pessoas que serão atingidas pela absurda e triste decisão do Supremo Tribunal Federal. Não há crime grave que justifique o atropelo da lei e o esquecimento dos direitos e garantias fundamentais”.

Ao final, foi lido um manifesto assinado por 16 entidades. Confira o documento em: http://bit.ly/1QhEZbI

 

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