Litigância Estratégica

O futuro do Processo Penal baseado na falácia de eficiência de operações e a esquecida regra de ouroO futuro do Processo Penal baseado na falácia de eficiência de operações e a esquecida regra de ouro

Roberto Soares Garcia
Coordenador do Grupo de Litigância Estratégica do IDDD

As previsões para 2017 indicam diversas incertezas, contrapostas a uma certeza: operações especiais, patrocinadas pela Polícia e Ministério Público Federal, ocuparão grande espaço na vida do brasileiro. Aguardam-se informes sobre quantas serão as prisões preventivas, temporárias, conduções coercitivas e buscas decretadas. Mais tarde, coletiva de imprensa ofertará narrativa de mais um escândalo, seus responsáveis e envolvidos, os valores e de como se deu o desbaratamento de outro braço do crime organizado.

Os números nunca são modestos: de um lado, o dinheiro que se diz surrupiado vai aos milhões de dólares; de outro, dezenas de presos e conduzidos, dezenas de endereços profissionais e residenciais vasculhados por centenas de policiais. É quase impossível não ter a atenção capturada pelo quadro espetacular, sendo compreensível que a população em geral empenhe simpatia ao lado que se diz combatente do mal, embora a ilegalidade de algumas medidas seja tão clara que os querubins das forças-tarefa precisam afirmar a excepcionalidade do quadro como justificativa para “remédios” ilegalmente aplicados.

Mais do que episódios extravagantes, acredito firmemente que o padrão “Operações Especiais” até aqui desenhado tende a nortear o processo penal da próxima década, o que não é pouco e exige reação dos defensores dos direitos de defesa. Amanhã poderá ser tarde para lamentar a apatia, o silêncio cansado e conivente diante dos aplausos dirigidos às Forças-Tarefas, ainda mais quando se constata que a propalada eficiência das ações dos bons contra os maus, sempre oposta a quem ousar gritar contra a ilegalidade flamejante de medidas tomadas no bojo das tais operações, eficiência pode simplesmente não constituir.

Pois bem. Consultem-se elementos extraídos do site do MPF a respeito da “Operação Lava Jato”: em 3 anos de trabalhos foram 730 buscas, 197 conduções coercitivas, 103 prisões temporárias e 79 prisões preventivas, para 120 condenações, dentre estas as de 71 delatores que, pela colaboração efetivada, têm tratamento penal privilegiado.

Trocando em miúdos, para chegar a 49 condenados sem privilégio, 379 pessoas acabaram sendo transportadas a fórceps, e algumas delas ficaram detidas por dias, meses ou anos; em cumprimento a mandados de busca, centenas de lares amanheceram com policiais fortemente armados à porta; crianças acordaram assustadas, gavetas foram devassadas e familiares receberam a notícia de que seus entes amados seriam levados, muitos deles sem data firmada para retorno.

O conto já ficou maduro para produzir reflexão: se foram 120 os condenados – aceitando, por mera hipótese, que todas são justas e corretas – e 379 os que sofreram as medidas restritivas de liberdade, 259 destes, por lógica, eram tão inocentes quanto o cidadão de bem que pensa estar a salvo das arbitrariedades que afetaram outros. Com o lápis na orelha, tendo em conta que para cada “acerto” de alvo, há erros em dobro, o incremento de atividades de forças-tarefa no ano que se inicia deveria fazer o sinal amarelo acender…

É preciso sacudir o venerável público: Se o maltrato à lei pode à primeira vista parecer distante de produzir efeitos no “bonus pater famílias”, convém colocar as barbas de molho, pois, com o “scout” aferido e o esperado aumento das atividades policiais em 2017, um dia “a Operação” aparece à porta sua ou à porta de alguém conhecido, inclusive daquele que hoje bate palmas, que, então, lamentará por não ter desejado ao inimigo o tratamento que então tentará obter para si. Noutras e poucas palavras, antes que seja tarde, é preciso que retomemos logo a defesa da boa e velha regra de ouro da ética cristã: “Tudo que desejais que os homens vos façam, fazei vós a eles” (Mt 7, 12).

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