Com o apensamento do projeto à proposta de reforma do CPP, a regulamentação da medida deve demorar ainda mais. Projeto de lei já tramitou por cinco anos no Senado Federal
No dia 12 de dezembro, a mesa diretora da Câmara dos Deputados decidiu apensar o projeto de lei que regulamenta as audiências de custódia no Brasil (PL nº 6.620/2016) ao projeto que trata da reforma do Código de Processo Penal (PL nº 8.045/2010). Após cinco anos de intenso debate legislativo no Senado Federal, a proposta passará agora por uma etapa mais extensa de análise, que adiará ainda mais a sua regulamentação.
“Com a decisão, a Câmara dos Deputados se afastou do compromisso de construir um sistema de justiça criminal mais justo e atento aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, e ainda rejeitou a luta da sociedade civil, que batalha há longos anos pela regulamentação imediata da medida”, destaca Hugo Leonardo, Vice-Presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), responsável pelo projeto Audiência de Custódia.
De autoria do senador José Sarney (PMDB/AP), o projeto de lei de reforma do Código de Processo Penal começou a tramitar no Congresso Nacional em 2009 e atualmente encontra-se sob a análise de uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados.
Na prática
Tema prioritário de trabalho do IDDD há cinco anos, a regulamentação das audiências de custódia é urgente, corrigindo décadas de atraso em relação a normas internacionais, como o Pacto de São José da Costa Rica (Artigo 7º, 5), do qual o Brasil é signatário desde 1992. Além disso, as audiências de custódia são um mecanismo eficiente de combate ao uso excessivo da prisão provisória. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen/Ministério da Justiça – dados de dezembro/2014), cerca de 250 mil pessoas estão presas aguardando julgamento, o que representa 30% da população carcerária brasileira.
Mesmo sem uma legislação reguladora, as audiências de custódia começaram a ser implementadas em fevereiro de 2015 nas capitais brasileiras, e hoje são realizadas em todas as unidades da federação, por meio de projeto idealizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com apoio do IDDD, do Ministério da Justiça, dos Tribunais de Justiça e dos governos estaduais, sob regulamentação administrativa da Resolução Nº 213 de 15/12/2015, do CNJ. Desde o início do projeto até outubro de 2016, foram feitas mais de 153 mil audiências de custódia pelo país, sendo que 46% resultaram em liberdade, segundo dados do CNJ.
Tramitação no Senado
Desde 2011, o IDDD tem liderado diálogos e atividades de advocacy, em conjunto com a Rede Justiça Criminal (coletivo de organizações da sociedade civil que o IDDD integra) pela aprovação do projeto de lei que regulamenta as audiências de custódia, nos termos adequados para que o direito de defesa seja plenamente observado. Nesse sentido, depois de conseguir o apoio de organizações nacionais e internacionais, associados do IDDD e representantes da Rede debruçaram-se sobre o texto da proposta, de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares (PSB/SE), e sugeriram alterações, a fim de garantir a participação da defesa no ato e evitar que as declarações do preso neste momento preliminar fossem futuramente utilizadas em seu prejuízo.
O texto proposto pelo Instituto foi aprovado em 2013 na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado (CDH/SF) e, em seguida, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE/SF). Ainda em 2013, o PLS foi encaminhado à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ/SF), onde foi aprovado apenas em 2015 e encaminhado ao plenário da casa. Somente no último dia 30 de novembro, sua passagem pelo Senado foi finalizada, sendo aprovado com alterações consideradas problemáticas pelo IDDD: com a previsão de realização do ato por videoconferência e com a dilação do prazo de apresentação do preso em juízo para 72 horas.
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Na ocasião, o Instituto divulgou uma nota pública lamentando as modificações de última hora no texto: “As alterações, incluídas no texto apenas nas últimas semanas, tornam pouco efetivas as audiências de custódia, na medida em que dificultam a verificação de tortura policial, além de desrespeitarem os tratados internacionais ratificados pelo Brasil. ” Confira a nota completa. Felizmente, proposta de acordo penal em audiência de custódia, que chegou a ser aventada dias antes da última votação em plenário no Senado Federal, não chegou a ser apresentada, após intenso diálogo do IDDD com os parlamentares.
Monitoramento audiências de custódia
No âmbito da parceria com o CNJ e Ministério da Justiça o IDDD tem a função de acompanhar, analisar e monitorar o desenvolvimento das audiências de custódia no país, avaliando seus resultados, coletando dados e sinalizando seu impacto no sistema de justiça criminal brasileiro. No mês de maio o Instituto lançou o relatório “Monitoramento das Audiências de Custódia em São Paulo” e em 2017 lançará material semelhante com dados nacionais, construído em conjunto com parceiros (organizações, faculdades ou grupos de estudos) de nove unidades da federação, de modo a permitir que se faça uma avaliação crítica do desenvolvimento do projeto nas diferentes localidades em que ele está sendo implementado.