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Manifesto Justiça Criminal, março de 2017

O Brasil ocupa o lugar de quarto país com a maior população carcerária do mundo. Entre 2000 e 2014, a taxa de aprisionamento aumentou 119%, ultrapassando a marca de 622.0000 pessoas privadas de liberdade, sendo que 41% delas correspondem a prisões provisórias. Esse crescimento da população carcerária tem múltiplos fatores, que vão da criminalização da pobreza, passando por um discurso político e uma legislação cada vez mais repressiva, desaguando num sistema de segurança e justiça seletivo e arbitrário.

A atual política de encarceramento em massa, além de ineficaz como mecanismo de dissuasão da criminalidade, tem contribuído de forma significativa para o agravamento da violência, alimentando um ciclo vicioso que gerou cerca de 1 milhão de homicídios nas últimas duas décadas. Conforme dados do Fórum Nacional de Segurança Pública, apenas em 2015, 58.492 pessoas foram vítimas de homicídio; 54% eram jovens e 73% negros e pardos. Apenas para citar mais um dado desta tragédia, estima-se que 45.460 mulheres foram vítimas de estupros no último ano. O perfil da população prisional é o mesmo das vítimas de violência letal: 56% são jovens de 18 a 29 anos e 67%, negros.

A superlotação carcerária, as dramáticas condições de aprisionamento, a falta de acesso à defesa, à educação, ao trabalho, à bens de higiene e saúde básicos, além do arbítrio e a violência dos agentes do Estado, criaram um ambiente propício à expansão do crime organizado dentro e fora do sistema prisional. Estima-se hoje que mais de 70% das penitenciárias brasileiras estejam dominadas por facções criminosas como o PCC, o Comando Vermelho ou o Terceiro Comando.

Ao chegar ao cárcere, os jovens que ainda não se encontravam comprometidos com o crime organizado se veem obrigados a se vincularem às facções, como uma questão de sobrevivência. Após serem colocados em liberdade, a fatura é cobrada. Dificilmente surge outra alternativa senão voltar ao crime.

O enfrentamento dessa realidade passa por uma mudança de paradigma no sistema de justiça criminal. Alguns estudos recentes devem servir de referência. Em maio de 2016, o Ministério da Justiça, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD/ONU), divulgou um documento em que traça os princípios da política de alternativas penais, sugerindo abordagens completamente distintas daquelas que prevaleceram durante as últimas décadas.

A implementação de uma política de alternativas penais deve necessariamente passar pelo desencarceramento, pela reconstrução do tecido social rompido e pelo investimento numa cultura de pacificação e minimalismo penal. Os seus principais postulados são: garantir a liberdade das pessoas, devolvendo à sua privação o caráter de excepcionalidade; promover o desencarceramento; priorizar métodos não judiciais de resolução de conflitos; difundir as práticas de justiça restaurativa e incentivar a descriminalização de condutas.

Nessa perspectiva merece especial atenção o fato de que o tráfico de drogas contribui para a relação precoce dos jovens com o mundo do crime. A nefasta guerra às drogas falhou em todo o mundo, sem acarretar em qualquer redução da oferta e da demanda.

O Brasil precisa adotar uma agenda criminal e de segurança pública séria e transparente, pautada na legalidade e na racionalização do uso da prisão. Algumas providências são fundamentais para que possamos romper esse círculo vicioso, onde o aumento da população prisional se transformou num perverso mecanismo que fomenta a escalada da violência.

Entre as medidas emergenciais destacamos as seguintes: produção e uniformização de dados que auxiliem a elaboração de políticas públicas efetivas de controle social; criação de ouvidorias externas e independentes nas instituições do sistema de justiça criminal; modernização das polícias; controle rigoroso de armas; fortalecimento das defensorias públicas; qualificação e fortalecimento dos conselhos da comunidade; efetivo exercício correcional do sistema carcerário por parte do Ministério Público e do Judiciário; adoção de uma política de drogas que troque repressão por regulamentação; implementação de uma política mais abrangente de alternativas penais; consolidação de mecanismos de combate à tortura e à violência nos cárceres; criação de mecanismos que impeçam a superlotação carcerária; e, por fim, combate ao crime organizado no sistema carcerário.

Ao Conselho Nacional de Justiça, cumpre uma função essencial na fiscalização e coordenação do sistema de execução da penal no Brasil. Sem que medidas urgentes sejam tomadas, estaremos contribuindo para a espiral da violência e conspirando contra o futuro das novas gerações.

São Paulo, 14 de março de 2017.

Alberto Silva Franco

Alberto Zacharias Toron

Alderon Pereira da Costa

André Kehdi

Antônio Cláudio Mariz de Oliveira 

Bruno Paes Manso

Camila Dias

Djamila Ribeiro

Eduardo Muylaert

Eugenia Augusta Gonzaga

Fabio Tofic Simantob

Fernando Salla

Guaracy Mingardi

José Carlos Dias

José Gregori

Juana Kweitel

Luis Francisco da S. Carvalho F

Maíra Machado

Marcos Fuchs

Maria das Graças da Silva

Maria do Rosário

Maria Victoria Benevides

Marina Dias

Marta Machado

Oscar Vilhena Vieira

Paulo Maldos

Paulo Sergio Pinheiro

Paulo Teixeira

Paulo Vannuchi

Sergio Adorno

Sergio Salomão Shecaira

Sylvia Steiner

Theo Dias