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Mais um passo pela descriminalização

Julgamento do RE nº 635.659-SP foi retomado pelo STF no dia 10 de setembro e recebeu mais dois votos pela inconstitucionalidade do crime de porte de drogas para consumo pessoal

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No dia 10 de setembro, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 635.659-SP, que sustenta a inconstitucionalidade do crime de porte de drogas para consumo pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/2006), no qual o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) está habilitado como amicus curiae. Dando continuidade à votação que se iniciou no dia 20 de agosto, com o voto do Ministro Relator Gilmar Mendes, apresentaram seus votos os Ministros Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, que julgaram o dispositivo legal como inconstitucional. Em seguida, o Ministro Teori Zavascki pediu vistas dos autos do recurso, suspendendo o julgamento por tempo indeterminado.

Em seu voto-vista, o Ministro Facchin restringiu-se ao porte de cannabis sativa (maconha) para uso pessoal, droga objeto do recurso, considerando que em temas de natureza penal o Tribunal deve agir com autocontenção, “pois a atuação fora dos limites circunstanciais do caso pode conduzir a intervenções judiciais desproporcionais”. O Ministro propôs que o STF declare como atribuição legislativa o estabelecimento de quantidades mínimas que sirvam de parâmetro para diferenciar usuário e traficante.

Limitando também o seu voto ao caso concreto, que versa sobre maconha, o Ministro Barroso propôs em sua decisão que o porte de até 25 gramas da droga ou a plantação de até seis plantas fêmeas sejam parâmetros de referência para diferenciar consumo e tráfico, critérios que valeriam até que o Congresso Nacional regulamentasse a matéria. O Ministro defendeu que a criminalização do uso da cannabis fere o direito à intimidade privada, à autonomia individual e ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade. “Punir com o Direito Penal é uma forma de autoritarismo e de paternalismo, que impede o indivíduo de fazer suas escolhas essenciais”, disse. Ele ainda lembrou que, além do Brasil, apenas o Suriname e as duas Guianas criminalizam o uso pessoal da maconha na América do Sul.

Para o Presidente do IDDD, Augusto de Arruda Botelho, que foi responsável pela sustentação oral do Instituto no julgamento do dia 19 de agosto, os votos de ambos os Ministros representam avanços ao impedir que o Direito Penal interfira na vida privada do cidadão, porém, ao restringir-se apenas à maconha, travam a possibilidade de uma revisão da política nacional de drogas. “Os argumentos apresentados pelos Ministros valem para afirmar a inconstitucionalidade do artigo 28 [da Lei de Drogas] por completo, por isso, não deveriam deixar de lado as outras drogas”, comenta. “O que está em jogo nesse histórico julgamento é um novo paradigma de guerra às drogas, que leve em conta a prevenção, a educação e o cuidado. Quando são encarcerados, os usuários são marginalizados e uma questão de saúde vira policial, subtraindo as chances de tratamento daqueles que fazem uso problemático de drogas”, reforça Botelho. Diferente dos Ministros Facchin e Barroso, o Relator da matéria, Ministro Gilmar Mendes votou no dia 20 de agosto pela descriminalização do porte para uso pessoal de todas as drogas.

Histórico do caso
O RE nº 635.659-SP foi interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo contra a decisão do Tribunal de Justiça paulista, que manteve a condenação do réu Francisco Benedito de Souza acusado em primeira instância pelo porte de 3 gramas de maconha encontrados em sua cela, quando estava preso no Centro de Detenção Provisória de Diadema, no ano de 2009. O Recurso chegou ao STF em 2011 e entrou na pauta de julgamentos do plenário no último 19 de agosto.

Plataforma Brasileira de Política de Drogas
Lançada em maio deste ano, a Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), rede de ONGs, especialistas e coletivos da qual o IDDD é parte, elaborou recentemente dois dossiês sobre a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, com o objetivo de apoiar cientificamente o julgamento do STF. “A cada pedido de vistas [no julgamento] elaboramos nova estratégia, protocolamos novos memoriais e voltamos a cada Ministro que se dispõe a nos receber para tratar de cada um dos novos elementos do julgamento. Também temos articulado a mobilização de parlamentares para defender a descriminalização pelo STF”, conta Gabriel Santos Elias, Coordenador de Relações Institucionais da PBPD.

De acordo com as informações dos dossiês da PBPD, atualmente, uma em cada quatro pessoas encarceradas no Brasil cumpre pena por tráfico de drogas, sendo que entre as mulheres, esse percentual chega a 63%. Ainda segundo o material, se o Brasil adotasse os critérios objetivos para identificação de usuários de maconha usados hoje na Espanha (200 gramas), 70% dos presos por tráfico em São Paulo seriam considerados usuários.