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Innocence Project chega ao Brasil por meio de parceria com o IDDDInnocence Project chega ao Brasil por meio de parceria com o IDDD

Iniciativa trazida ao país pela presidente do conselho deliberativo do Instituto, Dora Cavalcanti, projeto tem como objetivo enfrentar a grave questão das condenações de inocentes

Criado em dezembro de 2016, por iniciativa de Dora Cavalcanti, presidente do Conselho Deliberativo e ex-diretora presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o Innocence Project Brasil é a primeira organização brasileira voltada especificamente a enfrentar e reverter as condenações de réus inocentes no país. Entre seus objetivos estão: identificar casos de inocentes condenados, buscar provas de sua inocência e tentar reverter a condenação; pleitear indenização civil para os condenados depois de reconhecida a sua inocência; promover discussões sobre as causas sistêmicas da condenação de inocentes no país, inclusive com produções de dados sobre erros judiciais; e fomentar mudanças legislativas e estruturais para prevenir a condenação de inocentes e aprimorar os mecanismos de investigação no processo penal.

Para isso, o Innocence Project Brasil atuará em parceria com o IDDD, contando com o trabalho voluntário e gratuito dos advogados associados do Instituto para a seleção de casos e representação em juízo das pessoas identificadas como inocentes. Os diretores do IDDD José Carlos Abissamra e Thiago Gomes Anastácio irão pilotar esse trabalho em conjunto por parte do Instituto. Futuramente, o projeto também pretende estabelecer convênios com faculdades de Direito e contar com a participação direta de estudantes.

O projeto também mantém uma parceria com o Innocence Project dos Estados Unidos (fundado em 1992), porém atuando de forma independente e com os olhos voltados para a realidade brasileira. Nos EUA, a iniciativa foi responsável por tirar mais de 349 pessoas inocentes das prisões, muitas delas já cumprindo prisão perpétua ou aguardando a execução da pena de morte. Além dos Estados Unidos, organizações de 11 países são afiliadas ao Innocence Project (Argentina, Austrália, Canadá, China, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Israel, Itália, Porto Rico e Nova Zelândia) e outros 5 países contam com projetos parceiros (Chile, Colômbia, México, Nicarágua e Peru).

Em entrevista ao IDDD, os diretores do Innocence Project Brasil, Dora Cavalcanti (presidente do Conselho Deliberativo do IDDD), Flávia Rahal (vice-presidente do Conselho Deliberativo do IDDD) e Rafael Tucherman (associado do IDDD), comentam como surgiu a ideia de trazer a iniciativa ao país, os aspectos que caracterizam os erros judiciários nos EUA e no Brasil, além da adaptação do projeto ao Sistema de Justiça Criminal brasileiro.

*Para contato e informações sobre o Innocence Project Brasil, acesse  https://www.innocencebrasil.org/

Confira:

Dora, o que a motivou a trazer o projeto para o Brasil?

Dora Cavalcanti: Acho que a angústia diante do drama de um inocente condenado está na base da própria opção pela advocacia criminal. Ao deslocar a discussão dos mecanismos e falhas do Sistema de Justiça Criminal para a pessoa do inocente, o Innocence Project consegue mostrar a face humana e concreta de por que o respeito estrito às garantias individuais e às regras do processo é importante.

Nesse sentido, vejo grande sintonia entre o trabalho desse novo projeto e nossas bandeiras aqui no IDDD. Estou muito feliz e empolgada com a parceria que se inicia. O erro judiciário pode não ser intencional, pode ser fruto de uma investigação atropelada, de uma defesa preguiçosa, de uma acusação aguerrida demais, do descuido de um julgador assoberbado ou mesmo de uma somatória de fatores, mas uma coisa é certa: se abandonamos o devido processo legal e violamos sistematicamente o direito de defesa, a probabilidade de um inocente acabar na cadeia aumenta exponencialmente.

Poderia comentar um pouco sobre a sua imersão no projeto na Califórnia?

DC: Trazer o Innocence Project para o Brasil era um sonho antigo meu. Fiz o primeiro contato com o projeto em Nova Iorque ainda em 2009. Entre 2013 e 2014 finalmente tive a oportunidade de passar um ano todo como visitante do California Innocence Project, onde falei da minha experiência no IDDD e fui recebida de portas abertas. Assisti às aulas na graduação, estudei casos concretos e participei dos seminários entre os alunos e a equipe do projeto. Até da preparação para o julgamento do caso Guy Miles, que eles conseguiram reverter no fim do ano passado, pude participar! Voltei decidida a dar início ao projeto aqui no Brasil. A estrutura do curso é bastante simples e os alunos ficam maravilhados com a perspectiva concreta de libertar alguém cujo destino foi selado injustamente.

Flávia, quais são as principais causas dos erros judiciários nos EUA? Acredita que no Brasil as causas são semelhantes?

Flávia Rahal: Segundo os dados levantados pelo próprio Innocence Project, as principais causas de erro judiciário nos EUA são o mau uso das perícias, a má conduta dos agentes de Estado, a defesa inadequada, as falsas confissões, os erros de reconhecimento por testemunhas e os depoimentos falsos prestados por informantes em troca de benefícios. Acreditamos que no Brasil as causas sejam semelhantes e ainda mais frequentes, tendo em vista a estrutura precária de nossos órgãos de investigação e a pouca atenção que o tema do erro judiciário ainda desperta aqui.

Nos EUA, o Innocence Project tem como objetivo tornar as investigações mais científicas, por exemplo, por meio do uso do DNA. Tendo em vista os desafios econômicos e a falta de recursos para a área no Brasil, como podemos utilizar o mesmo conceito aqui?

FR: De fato, as carências estruturais de nossa polícia científica, ao mesmo tempo em que criam o risco de condenações injustas, dificultam a obtenção de provas para reverter essas condenações. O baixíssimo uso de exames de DNA no país talvez seja o exemplo mais claro disso. No entanto, mesmo nos Estados Unidos, onde os exames de DNA são infinitamente mais frequentes, quase a metade das condenações de inocentes foram revertidas sem o uso de DNA. Isso mostra que, se de um lado a prevenção do erro judiciário passa necessariamente pela melhoria de nossa investigação científica – e isso com certeza será uma bandeira do Innocence Project Brasil –, de outro a reparação do erro pode em muitos casos ser atingida mesmo sem exames como o DNA.

Rafael, quais os benefícios que o projeto poderá trazer para o nosso Sistema de Justiça Criminal, em especial ao Direito de Defesa?

Rafael Tucherman: Um dos objetivos é provocar uma ampla discussão sobre erro judiciário no Brasil. Ao identificar e tentar reverter casos de condenação de inocentes, pretendemos jogar luz sobre as falhas estruturais do sistema que produzem o erro judiciário. Todos os atores que acabam por gerar e convalidar condenações de inocentes precisam conhecer as causas dessa tragédia e o modo de prevenir sua ocorrência em casos futuros. Quanto mais exposto estiver o flagelo do erro judiciário, maior voz e amplitude deverá ser dada à defesa em sua atuação para impedir a condenação de potenciais inocentes. Até porque o erro judiciário pode nascer exatamente de uma defesa cerceada ou não efetiva.

E o projeto também buscará meios de responsabilizar o Estado pelas condenações injustas?

RT: A indenização civil pela pena injustamente aplicada é também um dos objetivos do projeto. É claro que isso demanda um trabalho longo de estudo do caso, reversão da condenação e só depois o pedido de indenização, mas acreditamos que essa seja uma boa maneira não só de ressarcir a pessoa pelo erro do Estado, como também de fomentar nos agentes estatais a necessidade de prevenir a ocorrência do erro.

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