O documento compila dados sobre os primeiros anos de implementação das audiências de custódia em nível nacional.
No dia 14 de dezembro, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa-IDDD lançou o relatório e o sumário executivo sobre o monitoramento das audiências de custódia no País. A publicação traz dados e discorre sobre os desafios e ganhos nos dois primeiros anos de implementação do instituto. Em 2015, São Paulo foi cenário do projeto piloto estabelecido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o Ministério da Justiça e o Governo do Estado de São Paulo para efetivar a audiência de custódia na capital. Em seguida, o Ministro Ricardo Lewandowski estabeleceu a parceria entre o CNJ, o Ministério da Justiça e os Tribunais de Justiça de cada estado.
Em dezembro de 2015 o CNJ editou a Resolução no 213, detalhando o procedimento de apresentação do preso à autoridade judicial, como forma de compensar um déficit histórico no sistema de justiça criminal, uma vez que o Brasil é signatário do Pacto de San José da Costa Rica e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos desde 1992 – tratados internacionais que já apresentavam a audiência de custódia.
Monitoramento
A atuação do IDDD com relação ao instituto vem desde 2011, quando passa a acompanhar a tramitação do projeto de lei que incluiria a audiência na legislação brasileira. Como decorrência desse engajamento do IDDD no tema, surgiu o convite realizado pelo CNJ, juntamente com o Ministério da Justiça para assinar o Termo de Cooperação Técnica, de modo a viabilizar medidas alternativas à prisão provisória, coletar e produzir indicadores sobre as mesmas, aplicando normas presentes nos tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário desde 1992.
Assim, o IDDD monitorou, durante dez meses, o projeto em São Paulo, compilando os resultados em documento publicado em maio de 2016. Após essa experiência, o Instituto replicou o modelo de monitoramento em nove estados brasileiros: Bahia, Ceará, Distrito Federal, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul. A publicação é resultado de parcerias firmadas, voluntariamente, com organizações, pesquisadores (as) e especialistas da justiça criminal em cada estado. Contando, também, com a colaboração da professora Maíra Machado, da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, que desenvolveu a proposta metodológica de pesquisa.
O que foi observado nesses primeiros anos?
Nesses dois anos, o IDDD buscou observar em que condições estavam sendo realizadas as audiências de custódia nas capitais. Dentre os principais aspectos observados está a baixa aderência das comarcas em realizar as audiências. Até março de 2017, eram 850 entre 2.740 ao redor do País, o que representa 31% do total.
Notou-se a urgente necessidade de aprimorar o encontro entre o custodiado e o defensor, considerando que a maioria das pessoas presas em flagrante não possui condições de contar com um advogado particular. O contato com o defensor tem ocorrido de maneira mais breve possível e em espaços que nem sempre permitem uma conversa de fato reservada, o que não garante a privacidade necessária para uma conversa franca entre defensor e custodiado, dificultando inclusive a possibilidade de denunciar ilegalidades ocorridas durante o flagrante.
Outro aspecto notado diz respeito ao uso de algemas durante as audiências que, com exceção dos estados Pernambuco e Rondônia, mostrou ser regra absoluta. Em São Paulo e Rio de Janeiro, os índices chegam a 100%, em Minas Gerais de 99,8% e no Distrito Federal de 98,6%. Tal prática configura patente violação à súmula vinculante 11 do STF, que estabelece o uso de algemas apenas quando houver resistência ou risco de perigo à integridade física do custodiado ou de terceiros.
Além disso, foi observada a constante presença de agentes de segurança nas salas de audiência, o que é por si só bastante intimidadora; seja pelo uso de armamentos quanto pelo número de policiais presentes. A presença da polícia constrange o relato de possíveis torturas que possam ter ocorrido, gerando receio no indivíduo em relatar qualquer tipo de violência cometida pela polícia e correr o risco de represálias futuras. Desse modo, o direito de defesa é flexibilizado pois não permite ao custodiado um ambiente propício para a denúncia.
E, por último, verificou-se o uso excessivo de decretação de prisões preventivas – em média de 50% nos estados da Federação -, mostrando que há uma cultura que entende o aprisionamento como principal – e, talvez, única – solução.
Considerações
Embora há muito a ser melhorado, o documento destaca a relevância das audiências de custódia enquanto mecanismo que fortalece o direito de defesa ao garantir à pessoa custodiada o contato com o defensor público ou advogado pouco tempo após a sua prisão, e ainda o contato olho no olho com o juiz. Além de garantir um espaço de escuta, que tem como objetivo humanizar e aproximar o sistema de justiça da realidade dos indivíduos custodiados, possibilitando aos operadores do direito compreenderem os casos em suas especificidades. Antes de mais nada, a audiência de custódia propicia ao juiz, promotor e defensor público encontrarem a pessoa presa muito frequentemente em situação de extrema vulnerabilidade, muitas vezes de pés descalços, sob o efeito de drogas etc.
O instituto amplia o debate a respeito do sistema de justiça como um todo, sensibilizando os mais diversos setores da sociedade sobre a importância do direito de defesa e da relevância da democratização do acesso à justiça.
Em 2018, o IDDD seguirá monitorando as audiências no País, buscando melhorar seus instrumentos de acompanhamento, com a finalidade de contribuir para a sua nacionalização, assim como o aperfeiçoamento do instituto.
Acesse o Sumário Executivo e o Relatório “Audiências de Custódia – Panorama Nacional”