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Especialistas discutem ameaças à Constituição

Conrado Hübner Mendes, Luciana Gross, Fabio Tofic e Paula Miraglia participaram de bate-papo organizado pelo IDDD

No dia 24/9, mais de 90 pessoas se reuniram no Bar Genial, na Vila Madalena, para uma conversa informal sobre os 30 anos da Constituição e os desafios que enfrentamos para fazer cumprir as garantias que ela instituiu. O encontro foi organizado pelo IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa). Paula Miraglia, diretora geral do Nexo, provocou o debate com a seguinte pergunta: a Carta de 1988 está sob ameaça e por que?

Para o professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP, Conrado Hübner Mendes, há dois tipos de riscos pairando sobre a nossa Constituição: o abandono do projeto social e igualitário que ela propõe e o abandono das regras do jogo que ela institui – esse segundo, de acordo com ele, é especialmente dramático no atual contexto. “A rotina democrática é feita não só por um texto, mas também por um compromisso dos atores. O esgarçamento desse compromisso é perigoso”, afirmou.

Luciana Gross, professora da Escola de Direito da FGV, destacou como ameaça os usos deturpados da Constituição Federal ou, em suas palavras, “a utilização do texto constitucional para fins que são contrários ao Estado Democrático de Direito”. Para ela, um ponto de virada nesse sentido foi o julgamento do Mensalão em 2012, que evidenciou “novas interpretações da Carta de 1988 e da legislação brasileira não só pelo poder Judiciário, que ganhou enorme protagonismo, mas também pelo Ministério Público e pelas polícias Federal e Civil”.

“Eles passam a atuar com um discurso moralizante a respeito do que o sistema de Justiça pode trazer para o sistema político. Há uma criminalização da política e uma tentativa de purificação por meio do sistema de Justiça”, afirmou.

O papel das instituições também foi central na fala de Fabio Tofic Simantob, presidente do IDDD. Para ele, o STF (Supremo Tribunal Federal) “passou os últimos 30 anos corrigindo inconstitucionalidades do poder Judiciário. Ele nasce para fazer controle concentrado da constitucionalidade do Legislativo, mas acabou funcionando como poder de controle constitucional de instâncias inferiores, o que chamamos de face ‘recursal’ da Corte”. “Nosso autoritarismo penal brota justamente de onde menos se esperava: do sistema de Justiça, nas primeiras instâncias”, completou.

O papel assumido pelo STF também foi alvo de críticas por parte de Mendes. Para ele, o Supremo é uma “jamanta desgovernada”. “Conforme expande asas, suas patologias vão ficando mais claras e com maior impacto.” Para ele, isso acontece por conta de mecanismos de autoempoderamento e  do uso da jurisprudência como “licença política”. “Os casos não constroem precedentes, o que gera um barateamento do argumento jurídico que corrói a legitimidade da Corte.”

Ainda segundo Mendes, precisamos enfrentar o problema com uma agenda de democratização do Judiciário que inclua controle e prestação de contas, acessibilidade e capilaridade, pluralidade e representatividade, transparência e parâmetros de ética judicial.

Na mesma linha, Tofic defendeu a lei contra o abuso de autoridade para conter o autoritarismo penal e mencionou um caso em que um juiz acionado por manter uma pessoa presa injustamente recebeu apoio através de amicus curiae do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo. “O erro precisa custar caro. Todo poder previsto é um poder com responsabilidade, com freios, mas não existe mecanismo para conter o arbítrio de onde ele mais vem. A inconstitucionalidade, no direito penal, brota da aplicação da lei.”

Para Luciana Gross, também é preciso discutir a disputa corporativa em torno das esferas de poder. “O STF é defensor de suas próprias garantias e autonomia. Isso é próprio de um Estado corporativista. A própria Defensoria Pública assume essa pauta, de defesa de poder numa sociedade de privilégios”, afirmou.

Ela defendeu que esse debate seja moral e não político: “temos que recuperar e discutir esse tema abertamente, inclusive para ridicularizar autoridades que se acham acima do bem e do mal. Precisamos nos expor em relação ao que acreditamos”. Gross reforçou, ainda, que a pauta tem de ser levada para dentro da universidade. “Nossos bacharéis em Direito são formados para serem litigantes. As escolas precisam de um choque de realidade. Precisam falar sobre qual o papel do Direito em uma sociedade complexa como a nossa.”

Veja as fotos do evento em nosso perfil no Flickr.

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