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Em pauta, a privatização de unidades prisionais

Abordagem do bate-papo realizado em março traçou panorama histórico e jurídico de parcerias público-privadas até chegar à questão prisional

O IDDD promoveu no dia 26 de março, um Bate-papo para tratar da polêmica da privatização de unidades prisionais. O debate teve como expositores o Magistrado Luciano Losekann, atual coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça (DMF/CNJ) e o Coordenador Jurídico da Pastoral Carcerária Nacional, José de Jesus Filho.

José Filho iniciou a problematização, introduzindo fatores históricos. Segundo ele, a formação do processo que levou à privatização de serviços de dever e garantia do Estado – saúde, educação e segurança – foi advento de acontecimentos do decorrer do século XX relacionados à globalização e, com esta, a perda do controle do Estado sobre transações, informações etc.

“A dependência do Estado do avanço tecnológico da iniciativa privada e a dificuldade do Estado, ao longo dos anos 60 e 70, em cumprir suas promessas de bem estar social, gerou pressões e questionamentos de sua capacidade de gerir”, afirmou José. Já sem o monopólio da prestação de serviços e com a necessidade de torná-los mais eficazes, o Estado passou a conceder às instituições privadas o poder de geri-los e administrá-los, apontou.

José questionou a finalidade das parcerias público-privadas na gestão prisional. ” Você não privatiza o que não quer expandir; a privatização segue a lógica de reduzir custos e maximizar lucros; com isso, há uma mudança na administração prisional: o centro da atenção dos administradores de presídios privatizados deixa de ser a pessoa e passa a ser o lucro”, provocou. Para ele, com isso a dignidade da pessoa deixa de ser a referência.

José exemplificou a questão contando suas visitas, realizadas pela Pastoral Carcerária, a unidades prisionais de cogestão no interior da Bahia. José contou que o diretor de uma dessas unidades afirmou que, após cálculo feito, 90 segundos seriam suficientes para um preso tomar banho. Desde então, disponibiliza-se para os presos um chuveiro que interrompe o fluxo de água após esse intervalo.

Também havia, segundo José, indícios de tortura nos presídios e, a despeito das condições de higiene, organização e manutenção dos presídios visitados serem boas, era perceptível a existência de autoritarismo e truculência por parte dos agentes carcerários.

Ao fim de sua exposição, José deixou algumas questões: “é ético lucrar com a restrição da liberdade? Nós concedemos ao Estado o poder de delegar a privação da nossa liberdade à iniciativa privada?”

Losekann: abordagem geral das PPPs

A abordagem de Losekann, por sua vez, foi construída sobre os argumentos presentes em artigo escrito por Boaventura de Souza Santos, As Parcerias Público-Privadas: Uma análise comparada de diferentes experiências, que analisa as práticas de parceria intersetorial nas áreas de saúde, transporte, educação e gestão prisional na Europa.

Segundo o artigo de Boaventura, a parceria-público-privada (PPP) é uma forma de organização híbrida de divisão de trabalho entre os setores público e privado que acrescenta uma dimensão de colaboração entre ambos e dilui as fronteiras entre eles. O contrato que se firma entre atores públicos e privados geralmente é de longo prazo, para provisão de serviços dos mais variados, desde ações vultosas, como a construção de estabelecimentos ou sua manutenção, ou oferecimento de serviços como saúde e educação.

Losekann contou que visitou presídios geridos por PPP’s na Inglaterra e na Espanha, onde reconheceu algumas boas experiências. Explicou o funcionamento de presídios privados na Inglaterra, em que há fiscalização diária dentro dos presídios, praticada por agentes integrantes de um órgão governamental semelhante ao Ministério Público no Brasil, denominado NOMS.

Essa fiscalização gera índices de qualidade do serviço apresentado, que consequentemente causa uma competição entre os as empresas que gerem os presídios. As empresas administradoras podem ser penalizadas em caso de ineficiência de prestação de serviços internos, como assistência social e saúde psicológica e, de acordo com o grau de ineficiência, há risco de perderem sua concessão.

No Brasil, diz Losekann, há uma grande falta de esclarecimento jurídica na questão da privatização de unidades prisionais. O artigo 144 da Constituição, que trata da segurança pública, não faz menção às unidades prisionais. Assim, o sistema prisional deve ser tratado como uma questão de segurança pública ou de sistema de justiça? A Constituição Federal não responde.

Na leitura de Losekann, a Constituição brasileira não permite a privatização de presídios, apenas a terceirização de serviços relacionados à gestão dos presídios.

Ao fim das exposições, houve participação dos que estavam presentes com perguntas e colocações. O tom do encerramento não foi conclusivo, longe disso. Por tudo exposto, sentiu-se que há necessidade de mais esclarecimentos para a definição do rumo dessas privatizações no Brasil.

Texto: Fernando Raposo, IDDD
Foto: Janaina Gallo, IDDD

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