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Em julgamento histórico, o STF garante às mulheres gestantes e mães encarceradas o direito de responder ao processo em prisão domiciliar

Marco na luta contra o encarceramento feminino, o HC coletivo representou uma vitória importantíssima na proteção coletiva de pessoas em condições de extrema vulnerabilidade.

Dentro de um cenário dramático no que tange ao encarceramento de mulheres no Brasil – aumento de 600% entre 2000 e 2015 – fevereiro foi marcado por conquistas. Tais acontecimentos se referem à concessão do Habeas Corpus coletivo pelo Supremo Tribunal Federal e, dentro de um panorama institucional, ao alcance da primeira liberdade dentro do Projeto Mães Livres.

O artigo 318 do Código de Processo Penal (CPP) e o Marco Legal de Atenção à Primeira Infância garante às mulheres gestantes e mães de filhos de até 12 anos presas o direito a substituição da prisão preventiva pela domiciliar ou por outras medidas cautelares. Havia até 2016, 44.721 mulheres em situação de privação de liberdade, sendo que 43% são presas provisórias, ou seja, não haviam sido condenadas.

Decisão Histórica no Supremo Tribunal Federal (STF)

No dia 20, foi concedido o Habeas Corpus coletivo impetrado pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) em favor de todas as mulheres presas provisoriamente, gestantes, puérperas e mães de filhos de até 12 anos incompletos, para responderem ao processo em liberdade. A relatoria foi do Ministro Ricardo Lewandowski, tendo sido a ordem concedida por maioria de votos (4 – 1) pela Segunda Turma da corte, – ficando vencido o Ministro Edson Fachin. A decisão estendeu o benefício às adolescentes mães e gestantes em cumprimento de medida socioeducativa e mães com filhos com deficiência, reconhecendo que o encarceramento dessas mulheres lhes subtrairia o acesso a programas de assistência pré-natal e assistência médica durante a gestação e no pós-parto, além de privar os bebês e crianças de condições adequadas para o seu desenvolvimento. O que consistiria, dessa maneira, em uma violação de postulados constitucionais referentes à individualização da pena, quando se duplica e transfere a pena para a criança e, também, ao tratamento degradante ao expor essa população a situações de privação e negligência. A decisão, no entanto, não se aplica às mulheres que praticaram crimes com violência ou grave ameaça, ou crimes contra os próprios filhos.

Foi determinado o prazo de 60 dias para que os todos os Tribunais cumpram a decisão.

O IDDD pediu a habilitação como amicus curiae (veja aqui a peça) assim como o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), a Pastoral Carcerária, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e o Instituto Alana ingressaram na condição de amicus curiae (amigo da corte) com o objetivo de emitir uma opinião técnica a respeito do tema.  A Presidente do Conselho Deliberativo do IDDD, Dora Cavalcanti, realizou sustentação oral em nome do Instituto, onde proferiu a seguinte fala:

Que nosso combalido remédio heroico, que tantas vezes é apontado quase como inimigo da segurança pública, está aqui sendo manejado em sua vocação primeira e por excelência, que é fazer cessar constrangimentos ilegais a que submetidas tantas mulheres. É preciso agir já. É mister que se conceda a ordem pleiteada nos exatos termos em que foi postulada. ”

Estima-se que 622 mulheres presas em todo o país estavam grávidas ou amamentando até o último dia de 2017, de modo que até essa data havia 249 bebês ou crianças dentro do cárcere. Sem contar as mães de filhos de até 12 anos incompletos e de filhos com deficiência, esses dados foram obtidos a partir do último levantamento do CNJ Além disso, calcula-se que 80% das mulheres mães presas sejam as únicas responsáveis pelo sustento e provisão familiar. De modo que a decisão é um primeiro passo para corrigir um déficit histórico de desigualdade sistêmica, que atinge majoritariamente as mulheres negras e pobres. Para além disso, trata-se também de um grave problema relacionado à atual política de drogas, uma que vez que 62% dos registros de mulheres em privação de liberdade está relacionado ao crime de tráfico. Para a população prisional masculina, esse índice é de 26%.

Segundo dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) e a Pastoral Carcerária Nacional, através de pedidos de acesso à informação (Lei nº 12.527/11), há em torno de 4.560 mulheres presas, com direito à substituição da prisão preventiva pela domiciliar.

 Acesse aqui o inteiro teor da decisão.

Primeira Liberdade concedida no Projeto Mutirão Carcerário Mães Livres

No dia 20 de fevereiro concretizou-se a primeira liberdade conseguida no âmbito do Projeto Mutirão Carcerário Mães Livres, que está ocorrendo desde o fim do ano passado na Penitenciária Feminina de Pirajuí. O Habeas Corpus foi impetrado pelo diretor do Instituto e coordenador da área de Litigância Estratégica, Guilherme Ziliani Carnelós e o advogado Theuan Carvalho Gomes e distribuído à 2ª Câmara Criminal do TJSP, sob o número 2001618-19.2018.8.26.0000.

Jaqueline Chagas Santana, 24, grávida de seis meses, mãe e única responsável de uma filha de três anos, estava presa por tráfico de entorpecentes. No início, Jaqueline estava respondendo ao processo em liberdade, tendo sido presa apenas pelo fato de não ter atualizado o seu endereço de residência, por simplesmente não saber da obrigatoriedade de informação.

No dia 19, em sede de agravo regimental, a turma julgadora acompanhou o voto divergente da Desembargadora Kenarik Boujikian e concedeu a liberdade provisória em favor de Jaqueline. No dia 20 foi expedido alvará de soltura e comunicado à Penitenciária de Pirajuí, que colocou Jaqueline imediatamente em liberdade.
Na época em que foi impetrado o HC havia 1024 mulheres ocupando o espaço que abriga apenas 718 vagas na unidade de Pirajuí.

Acesse o processo.

Relato de Theuan Carvalho Gomes sobre o caso:

“O caso de Jaqueline foi o primeiro que nos foi distribuído pelo projeto Mães Livres. Jaqueline estava grávida de 3 meses, era a única responsável por sua filha de 3 anos e foi presa simplesmente porque se mudou de endereço. Portanto, nosso primeiro objetivo foi conseguir o comprovante de residência atual dela. Durante mais ou menos 15 dias tentamos contato com a família para conseguir um comprovante de endereço atualizado. Também foi necessário pedir a cópia de certidão de nascimento da filha de Jaqueline no cartório de registro civil de Araraquara. Só conseguimos toda a documentação depois de alguns dias e o trabalho progredia pouco. Impetrado o HC no TJSP, despachamos a liminar com o relator, mas sem sucesso. Ainda impetramos HC no STJ e STF, contudo, nenhum tribunal superior acolheu nossos pedidos liminares. No STF o HC de Jaqueline sequer foi conhecido, o que nos levou à interposição de agravo regimental. Foi a partir disso que o TJSP levou o caso à mesa. Distribuímos memoriais e explicamos a delicadeza do caso e da atuação do IDDD por meio projeto Mães Livres. Reforçamos na sustentação oral a necessidade de Jaqueline responder ao processo fora da prisão em decorrência da sua condição de mãe e gestante, conforme determinam o marco da Primeira Infância e as Regras de Bangkok. O resultado não foi unânime e prevaleceu o voto divergente da desembargadora Kenarik Boujikian.

Ligar para irmã de Jaqueline e dizer que o sobrinho dela nascerá num hospital e em liberdade foi indescritível! Contribuir para o acesso à justiça de mulheres grávidas ou mães de crianças com menos de 12 anos faz com que o direito se converta em verdadeira ferramenta de transformação social”.

 

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