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“É errôneo pensar que tudo gira em torno do direito penal”, declara juiz em Bate-papo

Juiz Luis Fernando Vidal e Cleonice Pitombo, da Fundação CASA, consideram remota a possibilidade de redução da maioridade e ruim a proposta de aumento do tempo da internação de adolescente

Debatedores e a Diretora Daniella Meggiolaro, que foi mediadora do Bate-papo Veja mais fotos do Bate-papo no Flickr do IDDD (clique aqui)
Debatedores e a Diretora Daniella Meggiolaro,
que foi mediadora do Bate-papo
Veja mais fotos do Bate-papo no Flickr do IDDD (clique aqui)

“É errôneo pensar que tudo gira em torno do direito penal, desse fenômeno crime e punição”, declarou o juiz Luis Fernando Vidal, ao iniciar sua abordagem sobre o tema da maioridade penal e da internação de adolescente, proposto para o mais recente Bate-papo realizado pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), na noite de 5 de junho.

Para Vidal, pode haver uma confusão por parte do cidadão pelo fato de que a Constituição menciona que são criminalmente inimputáveis os menores de 18 anos em seu artigo 5º. Mas, para ele, é muito claro que a Carta Magna posiciona o tratamento legal dado à criança e ao adolescente não na área penal, e sim na esfera da proteção social, à medida que o Documento aborda detalhadamente os princípios relacionados a essas pessoas na parte em que trata de agrupamentos sociais considerados vulneráveis, dignos de alguma proteção especial. Com isso, o juiz posiciona a aplicação da medida socioeducativa de internação no sistema de garantias protetivas, inclusive com as características de excepcionalidade e brevidade, dado que “a ordem constitucional brasileira leva a enxergar o adolescente não como uma categoria criminógena, mas uma categoria social vulnerável”.

De acordo com o magistrado, ainda que haja um grande clamor pela redução do que atualmente se denomina “maioridade penal”, a alteração não deve acontecer. Pois, ainda que o magistrado admita ser discutível que a inimputabilidade dos menores de 18 anos seja cláusula pétrea, ele entende que, de qualquer modo, esta previsão constitui direito e garantia individual, portanto, fundamental, o que é reforçado também pela Convenção de Nova Iorque. “E não podemos esquecer que o Brasil assinou essa Convenção antes da Emenda Constitucional nº 45, estando, assim, insuscetível de alteração”, lembrou. “Apesar da comoção, temos uma força política interna e uma dificuldade no plano internacional maior ainda, no que se coloca relativo à criança e ao adolescente”, não havendo muita facilidade no cenário político internacional para essa mudança”, apostou.

Na opinião do juiz e também da advogada Cleonice Pitombo, que atua como Assessora Jurídica da Fundação CASA, até mesmo em razão das dificuldades constitucional e política de alteração da maioridade, o debate sobre o tratamento penal de adolescentes deve ser focado no tempo da medida socioeducativa. Segundo os convidados, essa questão deve ser profundamente debatida, especialmente em razão da proposta prevista nos Projetos de Lei nº 5835 e 5454/13, que tramita na Câmara dos Deputados, com texto proposto pelo Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e apresentado pelos deputados Andreia Zito e Carlos Sampaio.

Cleonice, que representava a Presidente da Fundação, Berenice Gianella, convidada que não compareceu devido a um imprevisto na data do debate, acrescentou ainda que, antes de discutir a idade penal, a duração e a aplicação da medida socioeducativa, é necessário refletir sobre a natureza jurídica e a finalidade do Estatuto da Criança e do Adolescente.

“Qual é a natureza do sistema educativo? É repressão/contenção ou é educação? Se é repressão, então vamos mudar. É preciso saber isso para depois se poder pensar em tempo”, provocou. “Quer-se punir o jovem? É necessário punir? Já houve resultado? Todos nós sabemos que criminalizar conduta não reduz a criminalidade; ao contrário, aumenta”, afirmou.

Tempo de internação e “confisco da liberdade”

Sobre a ideia de elevação do prazo de cumprimento da medida socioeducativa, Vidal defendeu: “se passar de três anos [a duração da internação], essa previsão começa a violar dispositivos constitucionais, especialmente o princípio da brevidade”.

O juiz explicou por que considera mais de três anos um tempo abusivo de internação, fazendo uma analogia com o direito tributário: “basta pensar que, quando falo de três anos [de restrição de liberdade], já estou contemplando 50% da vida útil, do ‘percurso infracional’, que um adolescente pode ter [de 12 a 18 anos]; se fosse direito tributário, ao passar de 20% de retenção, seria dito que é confisco”, raciocinou, para completar, provocativo: “que dirá então desse confisco da liberdade de uma pessoa que existe como ser dotado de dignidade?”

Para ele, tanto tempo de privação de liberdade na vida de um adolescente significa “subtrair de sua experiência de vida muito mais do que ela tem de consciência de sua própria existência”.

Para o magistrado, parece claro também que uma eventual alteração para oito anos ou qualquer outro prazo demandaria da Administração Pública a formulação de políticas para dar conta da permanência desse adolescente dentro do sistema.

Confirmando os desafios práticos na condução dos trabalhos da Fundação CASA, Cleonice Pitombo relatou alguns dos desafios identificados relacionados à proposta de aumento do tempo de internação.

“Três anos é o tempo que se imagina possível para que se dê ao adolescente alguma possibilidade de educação. Quando você pega um adolescente até os 18 anos, você consegue fazer um trabalho. Depois dos 18, o que você vai fazer com ele do ponto de vida da educação, concretamente?”, questionou.

“Temos alguma unidades em que são colocados os adolescentes ou jovens adultos de 18 a 21 anos; é extremamente difícil trabalhar com ele; ele não quer escola, ele quer trabalho e liberdade”, relatou. “Se ele estivesse no sistema prisional, teria trabalho, teria progressão, visita íntima, uma série de possibilidades; aqui [no sistema socioeducativo], o que o educador faria com esse adulto com a privação de liberdade?”

Para Cleonice, apesar de haver diversos pontos negativos e até inconstitucionais no PL 5454/13, de alguma maneira o projeto responde a um anseio da sociedade sem que seja esse o tópico alardeado: a situação do adolescente com transtorno mental. “Quando se fala do aumento do cumprimento da medida de internação ou redução da maioridade penal, geralmente isso está relacionado a um ato violento ou realizado com crueldade, casos emblemáticos não necessariamente relacionados com criminalidade, mas com transtorno mental”, lembrou.

Para ela, o principal desafio da discussão atual é avançar na definição jurídica do sistema socioeducativo, refletindo se a sociedade brasileira quer avançar na perspectiva de um sistema penal juvenil, bem como aprimorar os mecanismos de tratamento para adolescentes infratores com transtornos mentais.

“O adolescente não pode ter um tratamento mais gravoso que do adulto (sendo que hoje já tem) e qualquer aumento traria isso; e, além disso, precisamos pensar qual será tratamento se dará ao transtorno mental do adolescente; o que temos hoje na esfera executiva é uma política de saúde de não contenção, mas ao mesmo tempo, há uma política judiciária de contenção, e uma grande histeria provocada pela imprensa de que há que haver contenção”, analisou.

“O que parece que é que se está querendo dar uma aspirina para um câncer extremamente sério; a febre vai abaixar hoje, mas o câncer será muito mais sério depois”, concluiu.

Acesse a galeria de fotos do Bate-papo no Flickr do IDDD

(Em breve) Assista ao vídeo do Bate-papo no Canal do IDDD no Youtube

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