O Comitê Interdisciplinar de Políticas sobre Drogas entregou ao Supremo Tribunal Federal (STF), na terça-feira (12), uma proposta para uma nova “Política Nacional de Enfrentamento às Drogas e Acolhimento de Usuários”. O grupo, coordenado pela Profa. Dra. Ludhmila Abrahão Hajjar e pela Dra. Camila Magalhães Silveira, é formado por pesquisadoras e pesquisadores das áreas da saúde, epidemiologia, justiça criminal, direitos humanos, ciências sociais e segurança pública, entre eles, Marina Dias, diretora-executiva do IDDD.
Os especialistas participaram de uma reunião técnica conduzida pelo presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, sobre políticas de drogas. Em recente decisão, no âmbito do Recurso Extraordinário (RE) 635.659, o STF descriminalizou o porte de maconha para consumo próprio, estabelecendo critério para separar o usuário do traficante.
O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo, e relator do RE, também participou do encontro. O magistrado foi responsável pela supervisão geral do documento norteador para uma nova política de drogas no Brasil. Os ministros do STF Cristiano Zanin e Cármen Lúcia, além do corregedor Nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell, e do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, estavam presentes.
O documento levado ao Supremo é fruto de três meses de debates entre os especialistas que compõem o comitê. A discussão parte de um cenário de aumento significativo no consumo de drogas ilícitas e no surgimento de novas substâncias sintéticas. No Brasil, esse movimento representa um grande desafio para o Sistema Único de Saúde (SUS) e para a segurança pública, que enfrentam crimes relacionados ao tráfico e problemas derivados do uso abusivo de substâncias.
Além disso, a legislação atual do país não diferencia claramente usuários de traficantes, o que resulta em superlotação prisional, especialmente entre pessoas de baixa renda e minorias.
O documento, que também será entregue ao Poder Executivo, especialmente aos ministérios da Saúde e da Justiça e Segurança Pública, propõe sete eixos de ação, baseados nas melhores práticas internacionais e em estudos de impacto, com foco em políticas públicas baseadas em evidências. São eles:
- Políticas de Cuidado e Atenção: Criar uma Rede Nacional de Acolhimento em todos os Estados e municípios, garantindo acesso ao tratamento para problemas relacionados ao uso de A rede deve integrar serviços de saúde e assistência social, com destaque para os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), do Ministério da Saúde.
- Prevenção: Promover campanhas educativas para adiar o início do consumo de drogas, especialmente entre jovens, considerando o contexto social e cultural das populações vulneráveis. A proposta inclui programas de educação em escolas, comunidades e locais de trabalho.
- Segurança Pública e Justiça: Revisar a abordagem policial com usuários de drogas, adotando práticas de policiamento comunitário e desmilitarização. Além disso, propõe a descriminalização do porte de cannabis para uso pessoal e o foco no combate às redes de tráfico, em vez de criminalizar pequenos varejistas.
- Uso terapêutico e medicinal de cannabis: Regulamentar o uso medicinal da cannabis para condições específicas, com base em evidências científicas, permitindo o acesso seguro e controlado aos produtos. A proposta inclui protocolos para o uso terapêutico em condições como epilepsia e outras doenças neurológicas.
- Uso da terra e justiça climática: Abordar os impactos ambientais da produção ilegal de drogas, que causa desmatamento e danos às comunidades rurais. Propõe uma política de justiça climática, com alternativas econômicas sustentáveis para as regiões afetadas pelo tráfico de drogas.
- Capacitação e apoio técnico: Melhorar a formação de profissionais de saúde, segurança e justiça para lidar com o uso de drogas de maneira mais humanizada e eficaz, com cursos de capacitação em uma abordagem terapêutica, não punitiva.
- Pesquisa e produção de conhecimento: Incentivar a pesquisa sobre o impacto das políticas de drogas e a produção de estudos epidemiológicos, fornecendo dados para embasar decisões futuras e aprimorar as políticas públicas.
Com esses eixos, o documento propõe uma política de drogas mais inclusiva e centrada na saúde pública, com foco no tratamento, reintegração social e dignidade dos indivíduos. A nova política busca avançar na descriminalização do porte de substâncias para uso pessoal, inspirando-se no modelo de Portugal, onde o uso de drogas é tratado de forma terapêutica, evitando a estigmatização e promovendo cuidados multidisciplinares.
O Comitê Interdisciplinar de Políticas sobre Drogas trabalha por uma mudança significativa na política de drogas no Brasil, tradicionalmente repressiva. A proposta do grupo é que o tema tenha uma abordagem que integre saúde pública, direitos humanos e justiça social, oferecendo uma resposta mais eficaz e humana para o uso problemático de drogas.