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Carta aberta aos defensores do Direito de Defesa

Roberto Soares Garcia
Associado e ex vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa

Originalmente publicada no portal JOTA, em 10 de outubro de 2016.

“Na última quarta (5), a Cidadã fez 28 anos. No dia de seus anos, a nossa quase balzaquiana foi seviciada. Não terá direito à Lei Maria da Penha, embora o maltrato tenha vindo de quem deveria zelar por sua higidez.

Sim, em 5 de outubro de 2016, ao julgar as medidas cautelares nas ações declaratórias de constitucionalidade nºs 43 e 44, o E. Supremo Tribunal Federal, por maioria, ratificando entendimento assentado no HC 126.292, decidiu que a condenação criminal chancelada em sede recursal será imediatamente executável. Os condenados, ainda que pendentes apelos aos Tribunais Superiores – e, portanto, ainda que viva a possibilidade de absolvição –, poderão ser submetidos à execução incontinenti; ou, noutras palavras, embora ninguém possa ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII, da Constituição Federal), o STF autorizou que um não-culpado (dir-se-ia inocente, abandonado o eufemismo,) seja submetido logo a castigo.

Peço licença para não apontar os equívocos dos argumentos que animaram o decidido. A presunção de inocência constitucional já derreteu. O que havia a dizer, foi dito durante o julgamento e antes dele. Roma locuta, causa finita. São, infelizmente, águas passadas.

Hoje, importa notar que a decisão proferida foi anunciada a todos os ventos sob a premissa de que milita em favor dos condenados por tribunal a possibilidade de utilização do habeas corpus em lugar dos recursos extraordinário e especial. Contudo, sabemos os operadores do Direito que, desde a edição da Súmula/STF 691 e do julgamento pelo STF do HC109.956, não é inteiramente correto afirmar que o instrumento do habeas corpus ande com tanto prestígio assim em nossos Tribunais: diz-se que não se o pode utilizar contra indeferimento de liminar, sendo também vedada a via heroica se previsto outro recurso na Constituição.

Aliás, assistir o julgamento do dia 5 último, diante do afirmado pela maioria formada, exigiu tolerância enorme com a incongruência, inclusive porque a restrição mencionada no parágrafo anterior, imposta ao writ, baseia-se exatamente na aventada tutela à dignidade do sistema recursal constitucional, que, note-se, acabou descartado no último dia 5 pelo STF, para o fim de cumprimento antecipado de pena. Mas os defensores do direito de defesa não podem desacreditar do dito. Roma locuta e precisamos ter fé: os condenados ainda dispõem do habeas corpus.

Por isso, concita-se aos operadores do Direito, em especial àqueles que se aferram às razões de decidir prevalentes na quarta última, dia 5 de outubro, à luta pelo reestabelecimento da dignidade do instrumento de habeas corpus, o que se dará pela rejeição da medida anticorrupção patrocinada pelo Ministério Público que pretende impor cabresto ao habeas, pela luta em favor da revogação da Súmula/STF 691, que impede a apreciação de HC quando impetrado contra indeferimento de liminar, e pela revisão da orientação assentada a partir do julgamento do HC 109.956, para permitir que volte a ser cabível o habeas corpus sempre que a liberdade de ir e vir esteja ameaçada, como manda o art. 5º, LXVIII, da Maltratada, e não somente quando não for cabível outro recurso, já que estes já não terão efetividade, por força do decidido no julgamento das cautelares nas ADCs 43 e 44, em favor do presumido inocente posto logo na cadeia para cumprir pena ainda não transitada em julgado”.

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