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Autonomia da Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em risco

Decisão judicial suspendeu os efeitos do edital para eleição do Ouvidor e da decisão administrativa do Conselho Superior da Defensoria Pública por entender que violam a Lei Complementar Estadual nº 988/2006, que organiza a Defensoria Pública do Estado

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo foi pioneira ao prever uma Ouvidoria externa à carreira, como instância de controle e participação social. O modelo inspirou todas as demais Defensorias Públicas do país. A inovação foi prevista na Lei Complementar Estadual nº 988/2006 e acabou sendo incorporada na Lei Complementar Federal nº 80/1994, a Lei Geral das Defensorias Públicas.

Nos termos da Lei Complementar Estadual, o CONDEPE (Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana) sempre foi a instância responsável por elaborar a lista tríplice, sendo que o processo de indicação se dava por nomeação do Governador. A Lei Complementar Federal n° 132/2009, que estabeleceu Ouvidorias Gerais externas para todas as Defensorias Públicas do país, trouxe algumas mudanças na forma de eleição do ouvidor. O governador é substituído pelo Conselho Superior que passa a nomear o Ouvidor, com base na lista tríplice elaborada pela sociedade civil, nesse ponto não houve discordância, assim manteve-se o CONDEPE, como instância formal de participação da sociedade civil organizada.

Registre-se que a Lei Complementar Estadual não extravasa a Lei Complementar Federal, tanto que nas últimas quatro eleições não houve questionamento sobre o processo de escolha do Ouvidor da Defensoria Pública de São Paulo. Isso não significa que aprimoramentos não possam acontecer, desde que em consonância com o espírito da lei e com a participação da sociedade civil. No entanto, o Conselho Superior da Defensoria Pública através de deliberação  resolveu estabelecer novas regras para a escolha do Ouvidor em evidente afronta a Lei Federal e Estadual. Para cumprir a deliberação a instituição lançou um Edital.  Se antes indicação da lista tríplice se dava pela sociedade civil, concretizada perante o CONDEPE, com a deliberação o processo eleitoral passa a ser organizado internamente pelo Conselho Superior, a quem incumbe a nomeação do Ouvidor.

A deliberação abre a possibilidade de inscrição de pessoas comuns no processo eleitoral. Em um primeiro momento, tal mudança pode parecer mais democrático, no entanto a retirada da decisão das mãos da sociedade civil organizada é uma forma de desarticular e deslegimitar as organizações que há anos estão engajadas no tema dos direitos humanos e no fortalecimento dos direitos sociais e individuais. É indiscutível que tal determinação pode fragilizar a independência, autonomia e legimitidade da Ouvidoria. Importante registrar que a Lei 13.019/2014, conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), define já no seu artigo 2º que são organizações da sociedade civil (ver nota de rodapé).O conflito acabou sendo judicializado no último dia 20 de janeiro de 2018, tendo sido impetrado mandado de segurança por uma das candidatas ao cargo de Ouvidora, no qual questiona a legalidade do edital e da deliberação do Conselho Superior. O  MM Juízo da 4 Vara da Fazenda Pública deferiu a liminar para suspender o novo Edital que definiria as eleições para o Ouvidor-Geral. A liminar concedida foi suspensa no último dia 1 de fevereiro pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

De acordo com comunicado feito pela Ouvidoria da Defensoria Pública “A Lei Orgânica da Defensoria de SP prevê que sua Ouvidoria é um mecanismo autônomo e legítimo de fiscalização da instituição por parte da sociedade civil. Assim, para evitar ingerência do ente fiscalizado na escolha de seu único fiscalizador externo, foi determinado, desde que a lei foi promulgada, que o Colégio Eleitoral legítimo para conduzir esse processo deveria ser um organismo absolutamente externo à Defensoria”.

Essa disputa gera preocupações em entidades da sociedade civil, dentre elas o IDDD, que apostam em um modelo externo e autônomo de Ouvidoria para garantir a qualidade do serviço prestado à população mais vulnerável do Estado.

 Marina Dias, Diretora Executiva do IDDD e ex-Conselheira da Ouvidoria, ressalta a importância da ouvidoria ser uma instância no qual são levadas demandas da sociedade civil concernentes ao aprimoramento da Defensoria Pública. Nesse sentido, relembra o papel exercido pela Ouvidoria quando da construção da política de atendimento ao preso provisório que contou com a participação de diversas organizações da sociedade civil, entre elas o IDDD.“A Ouvidoria independente é fundamental, pois garante a participação social e o controle externo da Instituição. É muito triste ver a Defensoria Pública de São Paulo, com apenas 10 anos de existência, se tornando a cada dia mais enclausurada e dedicada a pautas corporativistas. Por ser a instituição vocacionada a fortalecer os direitos e as garantias da população mais vulnerável da sociedade, a Defensoria Pública tem o dever de caminhar no sentido oposto, se mantendo sempre aberta ao escrutínio público e cultivando espaços de diálogo e transparência.” Flavia Rahal, Conselheira do IDDD e da Ouvidoria Externa da Defensoria Pública, considera ser “inaceitável que se coloque em risco a autonomia da Ouvidoria, especialmente a partir de ingerência do Conselho Superior da instituição. Possibilitar à sociedade civil o controle externo do órgão é não só inovador, mas altamente salutar para o funcionamento da própria Defensoria, representando um marco de amadurecimento que não pode ser perdido”.

Nota de Rodapé:

“As organizações da sociedade civil são entidades privadas sem fins lucrativos, ou seja, que desenvolvem ações de interesse público e não têm o lucro como objetivo. Tais organizações atuam na promoção e defesa de direitos e em atividades nas áreas de direitos humanos, saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia, desenvolvimento agrário, assistência social, moradia, entre outras. Do ponto de vista da incidência no ciclo das políticas públicas, as OSCs têm assumido diferentes papéis: sua presença pode ser observada tanto na etapa de formulação da política, por meio da participação em conselhos, comissões, comitês, conferências e compartilhamento de experiências de tecnologias sociais inovadoras; quanto na sua execução, por meio de parcerias com o poder público; além do monitoramento e avaliação, no exercício do controle social. ” Fonte: Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil.