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Audiência de Custódia: uma necessária e premente inovação legislativa

12 de dezembro de 2013

Augusto de Arruda Botelho
Diretor Presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa

Isadora Fingermann
Coordenadora Geral do Instituto de Defesa do Direito de Defesa

* Artigo originalmente publicado na edição nº 61 do Jornal Juízes para a Democracia

Em um país que já ultrapassou a inimaginável cifra de meio milhão de custodiados, dos quais mais de um terço representa o contingente de presos provisórios1, inovações legislativas que busquem emprestar cada vez mais rigor ao exame da legalidade da prisão em flagrante e da necessidade e adequação da custodia cautelar merecem ser encaradas com absoluta prioridade por nossos legisladores.

Foi, pois, com bastante alegria que o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) tomou conhecimento do projeto de lei n. 554/2011, de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares, que prevê a obrigatoriedade da apresentação do réu preso a um juiz no prazo de vinte e quatro horas.

Muito embora a proposta legislativa inicial já fosse um passo fundamental para a adequação das normas processuais penais nacionais ao artigo 7o da Convenção Americana sobre Direitos Humanos2, recepcionada pelo Brasil em 1992, o texto substitutivo apresentado pelo Senador João Capiberibe e aprovado à unanimidade pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal no último dia 18 de setembro merece ainda mais aplausos.

Segundo a nova redação proposta para o artigo 306 do Código de Processo Penal3, “no prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação”.

É na audiência de custódia que o juiz decidirá pela necessidade ou não da manutenção da prisão provisória ou pela aplicação de outra medida cautelar, sempre depois de ouvir, necessariamente nesta ordem, o representante do Ministério Público, o preso e seu defensor – cuja presença no ato será obrigatória.

Para que a versão apresentada pelo preso nessa primeira oportunidade de contato com um juiz não seja utilizada em seu prejuízo no curso da instrução criminal, o texto aprovado na Comissão de Direitos Humanos do Senado prevê que o depoimento será registrado em autos apartados, evitando-se, assim, inverter a lógica trazida pela Lei n. 11.719/2008, segundo a qual o interrogatório passou a ser o último ato da instrução.

O controle imediato da legalidade, necessidade e adequação de medida extrema que é a prisão cautelar será, quiçá, uma forma eficiente de combater a superlotação carcerária que assola o país, sem perder de vista que a odiosa política de encarceramento em massa atinge com muito mais força a camada mais pobre e marginalizada da população brasileira.

Ora, a apresentação imediata da pessoa presa ao juiz é o meio de garantir que um cidadão passe o menor tempo possível preso ilegal e desnecessariamente, ainda que não possua advogado constituído, circunstância que caracteriza grande parte da população prisional. Sim, porque não é segredo algum que parcela significativa dos presos provisórios brasileiros tem seu primeiro contato com um juiz e um defensor público – momento em que pode narrar sua versão dos fatos e questionar a legalidade da prisão – apenas durante a audiência de instrução, debates e julgamento, três ou quatro meses após a prisão em flagrante.

Se tudo isso já não fosse o bastante para demonstrar a relevância da inovação legislativa, a audiência de custódia representa para o Estado mais um instrumento para a obtenção e verificação de informações precisas sobre os procedimentos policiais, evitando que maus tratos e práticas de extorsões continuem a ocorrer impunemente.

Se é certo que não mais se pode negar o atraso legislativo brasileiro para incorporar o instituto da audiência de custódia ao ordenamento jurídico nacional, posto ser o Brasil um dos únicos países na América Latina que ainda não apresentam o preso a um juiz logo após a prisão, é também certo que a iniciativa trazida pelo projeto de lei n. 554/2011 vem reparar mais esse vergonhoso anacronismo nacional e colocar o país um pouco mais no trilho de um sistema de justiça criminal compatível com o Estado Democrático de Direito que se pretende ser.

A Rede Justiça Criminal publicou, em dezembro, um boletim especial sobre a audiência de custódia. Confira o material clicando aqui.

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1Segundo dados do Infopen/2012, a população carcerária brasileira é de 548.003 pessoas, das quais 195.036 são presos provisorios (www.portal.mj.gov.br/depen).

2“Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judicias”.

3Art. 1º. O art. 306 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 306. (…)
§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.
§ 2º Na audiência de custódia de que trata o parágrafo 1º, o Juiz ouvirá o Ministério Público, que poderá, caso entenda necessária, requerer a prisão preventiva ou outra medida cautelar alternativa à prisão, em seguida ouvirá o preso e, após manifestação da defesa técnica, decidirá fundamentadamente, nos termos art. 310.
§ 3º A oitiva a que se refere parágrafo anterior será registrada em autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.
§ 4º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas.
§ 5º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no parágrafo 3º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código.” (NR)

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