Notícias

Atividades da justiça realizadas virtualmente no país não seguem padrão e dificultam acesso à justiça

Estudo do IDDD aponta que audiências de custódia, julgamentos, tribunais do júri e atendimento das defensorias públicas apresentam disparidades de informatização nos estados

Sejusp MG

O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) lança o relatório Justiça à distância: os desafios do acesso à justiça criminal no ambiente virtual no Brasil, com dados nacionais sobre as atividades judiciais que ainda permanecem remotas e os principais obstáculos dessa política ao acesso à justiça e ao direito de defesa. O levantamento também mapeou informações sobre os atendimentos das Defensorias Públicas em cada local.

Acesse ao relatório completo aqui.

“Com a pesquisa, queremos somar esforços a outras organizações na busca pelo respeito ao direito de defesa e efetivo acesso à justiça. Sem negar a importância de ferramentas digitais na atualidade, o avanço tecnológico é bem-vindo se garantir e ampliar os direitos da população brasileira. É importante que a virtualização dos atos judiciais não aprofunde o distanciamento entre o acesso à justiça e as pessoas que mais sofrem com a violação ao direito de defesa no Brasil”, afirma Marina Dias, diretora-executiva do IDDD.

Dados da pesquisa

Entre os dados reunidos sobre audiências de instrução e julgamento, a pesquisa indica que 90,9% das capitais as realizam nos dois formatos, parte de forma presencial, parte de forma virtual; em 81,8% das capitais, os depoimentos das testemunhas também foram tomados nos dois formatos (presencial e virtual). Já em Cuiabá, todas as oitivas ocorreram virtualmente, dificultando a garantia de incomunicabilidade entre as testemunhas e, consequentemente, impactando a confiabilidade dos relatos; as audiências de instrução e julgamento sempre contaram com a vigilância de agentes estatais em sete capitais (Aracaju, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Maceió, Porto Velho e Rio de Janeiro).

A partir dos dados levantados, observa-se que em apenas 31,8% das capitais foi sempre assegurado um ambiente sem agentes estatais para que a pessoa acusada participasse das audiências de instrução e julgamentos virtuais. Ou seja, em 68,2% das capitais esse não é um direito garantido em todas as audiências, o que fragiliza o direito à defesa da pessoa acusada e prejudica a confiabilidade de seus depoimentos, inclusive acerca das condições enfrentadas durante o cárcere, como situações de tortura ou maus-tratos, consequentemente, impedindo a correção de injustiças.

Nesse mesmo tipo de audiência, a existência de equipamentos de grande captação de áudio foi garantida em 22,7% das capitais mapeadas; e em apenas 9,1% das capitais, a presença de tecnologia de vídeo com visão de 360° e de alta resolução de imagem pôde ser observada.

“Para que os atos judiciais que compõem o processo criminal brasileiro sejam eficazes é preciso um ambiente seguro para as pessoas acusadas: a liberdade de falar sem a presença de agentes estatais e com o uso de tecnologias com boa captação de áudio e vídeo de informações emitidas durante audiências realizadas virtualmente são mecanismos que devem ser usados para garantir o direito fundamental à ampla defesa”, diz Vivian Peres, coordenadora de programas do IDDD.

Os dados coletados indicam que a realização de audiências de custódia virtual permanece, apesar de decisão do Supremo Tribunal Federal de 2023, que autoriza a modalidade somente em caso de urgência: 59,1% das capitais realizaram todas as audiências de custódia presencialmente e 40,9% as fizeram de modo presencial e virtual. Nenhuma comarca realizou o procedimento apenas no formato virtual.

Somente Cuiabá informou que foram utilizados equipamentos de vídeo com visão de 360°, de alta resolução em todas as audiências de custódia virtuais; e apenas quatro capitais confirmaram a existência de equipamentos de grande captação de áudio em todas as audiências de custódia virtuais: Cuiabá, Curitiba, Maceió e Porto Velho.  Em quatro capitais, os agentes de segurança sempre permaneceram nas salas durante a realização das audiências de custódia virtuais; Cuiabá, Goiânia, Macapá e Natal.  Confirmando a divulgação feita recentemente pela Associação para a Prevenção da Tortura (APT), na plataforma Observa Custódia, da qual o IDDD é parceiro,

Em relação ao tribunal do júri, cerca de 70% das capitais realizaram plenárias apenas de forma presencial. Em Maceió, Natal e Rio de Janeiro, parte das sessões ocorreram virtualmente.

Este novo relatório reúne dados do fim de 2023, solicitados via Lei de Acesso à Informação, para as Defensorias Públicas das 27 Unidades Federativas. O propósito do levantamento foi compreender como os diferentes atos judiciais estão ocorrendo nas comarcas das capitais e de identificar eventuais violações ao direito de defesa e obstáculos de acesso à justiça. Após o fim da pandemia, órgãos do Poder Judiciário passaram a retomar atividades presenciais, mas, como aponta o relatório, ainda há falta de uniformidade no formato de realização dos atos: a depender do estado, da comarca e até do/a juiz/a responsável, um mesmo tipo de ato – audiências, oitiva de testemunhas etc. – pode ocorrer de forma presencial ou virtual.

Justiça virtual

O atual relatório, Justiça à distância: os desafios do acesso à justiça criminal no ambiente virtual no Brasil, representa mais um passo do IDDD na tentativa de mapear a virtualização da justiça e seu impacto no acesso ao direito de defesa. Em 2021, após o início da pandemia de Covid-19, a organização desenvolveu uma pesquisa para compreender o funcionamento do acesso virtual à justiça. Além de apontar as dificuldades, produziu um estudo que indicava parâmetros mínimos diante do novo contexto para o acesso à justiça criminal (é possível acessar a pesquisa neste link).

Desde o início da implementação dos processos judiciais eletrônicos, em 2010, foram adotadas ferramentas tecnológicas sob a justificativa, entre outras, de garantir celeridade à prestação jurisdicional. A aceleração desse processo durante a pandemia, somada à realidade brasileira de exclusão digital, à falta de transparência do Poder Judiciário sobre os procedimentos adotados, às dificuldades de comunicação com as Defensorias Públicas e ao atendimento virtual por meio de sistemas lentos, pouco intuitivos e de difícil compreensão, geraram ainda mais complexidade na engrenagem da justiça criminal. Essa situação exigiu uma reação da sociedade civil, que buscou se organizar para compreender as novas dinâmicas que se impuseram e como isso afetaria os direitos das pessoas acusadas.

Com esta nova análise, o relatório aponta que “não se pretende fazer uma oposição indiscriminada a avanços tecnológicos no sistema de justiça, mas discutir que, em nome de uma suposta celeridade processual e da redução de gastos, inovações tecnológicas implementadas sem a devida regulamentação, uniformidade e escuta da sociedade civil reforçam e potencializam o papel erroneamente cumprido pelo Judiciário de reproduzir injustiças e opressões”.

Principais achados

Audiências de custódia

  • 59,1% das capitais realizaram todas as audiências de custódia presencialmente e 40,9% as fizeram de modo presencial e virtual. Nenhuma comarca realizou o procedimento somente no formato virtual;
  • Somente Cuiabá informou que foram utilizados equipamentos de vídeo com visão de 360°, de alta resolução em todas as audiências de custódia virtuais;
  • 4 capitais confirmaram a existência de equipamentos de grande captação de áudio em todas as audiências de custódia virtuais (Cuiabá, Curitiba, Maceió e Porto Velho);
  • Em 4 capitais, os agentes de segurança sempre permaneceram nas salas durante a realização das audiências de custódia virtuais (Cuiabá, Goiânia, Macapá e Natal);
  • Em Maceió, o contato entre a pessoa custodiada e a defesa após a audiência de custódia virtual, fundamental para que se possa esclarecer dúvidas e a decisão do/a juiz/a, não foi permitido. Já em Curitiba e Natal, o atendimento foi possibilitado somente em algumas ocasiões;
  • A interação da defesa com a pessoa custodiada por meio de um canal direto e privado durante as audiências de custódia virtuais não foi possibilitada em Goiânia, e em Porto Velho foi permitida em algumas audiências;
  • Em quase metade das capitais do país, nunca foi facultada à pessoa custodiada a possibilidade de contatar seus familiares (Aracaju, Brasília, Campo Grande, Curitiba, Fortaleza, Maceió, Natal, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Luís, São Paulo e Teresina).

Audiências de Instrução e Julgamento

  • 90,9% das capitais realizaram audiências de instrução e julgamento nos dois formatos, parte de forma presencial, parte de forma virtual;
  • Em 81,8% das capitais, os depoimentos das testemunhas foram tomados nos dois formatos (presencial e virtual). Já em Cuiabá todas as oitivas ocorreram virtualmente, dificultando a garantia de incomunicabilidade entre as testemunhas e, consequentemente, impactando a confiabilidade dos relatos;
  • As audiências de instrução e julgamento contaram com a vigilância de agentes estatais em 7 capitais (Aracaju, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Maceió, Porto Velho e Rio de Janeiro);
  • O atendimento da defesa com a pessoa assistida antes da audiência de instrução e julgamento virtual foi possibilitado em 77,3% das capitais. Já a interação da defesa com a pessoa custodiada durante o ato foi permitida em um pouco mais da metade dos casos (54,5%) e o atendimento ao final foi possibilitado em 63,6% das capitais;
  • O reconhecimento de pessoas suspeitas durante essas audiências ocorreu de forma completamente virtual em Fortaleza, Macapá e Porto Velho. O acompanhamento da defesa em todo o procedimento (ou seja, no local onde está a pessoa a ser reconhecida e no local em que está a testemunha/vítima) não ocorreu na maioria das capitais (54,5%).

Tribunal do Júri

  • Quase 70% das capitais realizaram plenárias do Tribunal do Júri apenas de forma presencial. Porém, em Maceió, Natal, Rio de Janeiro e Vitória, parte das sessões ocorreram virtualmente.

Atendimento das Defensorias Públicas

  • A virtualização não parece ter sido perpetuada, na ampla maioria das capitais, como única via de acesso às Defensorias Públicas, fato positivo em função da dificuldade de acesso à internet e a equipamentos tecnológicos por parte da população brasileira;
  • Nas unidades prisionais de 72,7% das capitais, o órgão realizou uma parte dos atendimentos no formato virtual e a outra no presencial;
  • Os dois formatos (presencial e virtual) também representam a maioria dos atendimentos com pessoas assistidas ou familiares (90,9%).

Parceiros Pro Bono

ver todos +