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A falta de vagas no sistema penitenciário e a proibição de tratamento mais rigoroso

Roberto Soares Garcia, coordenador de Litigância Estratégica e antigo vice-presidente do IDDD comenta o amicus curiae do Recurso Extraordinário Nº 641.320, que defende a legalidade do cumprimento de pena em regime mais benéfico ao sentenciado quando não houver vagas em estabelecimento penitenciário adequado

Um dos projetos que mais tem ganhado relevância dentro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) nos últimos anos, a Litigância Estratégica tem como objetivo incidir sobre a jurisprudência dos Tribunais Superiores, na busca de julgamentos mais justos e que observem o direito de defesa e as garantias individuais. Atualmente, o IDDD figura como amicus curiae em seis processos no Supremo Tribunal Federal (STF) e um no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Um dos processos em que o IDDD figura como amicus curiae desde 2011 no STF é o Recurso Extraordinário (RE) Nº 641.320, que discute a legalidade do cumprimento de pena em regime menos gravoso do que o previsto em decisão condenatória ante a falta de vagas em estabelecimento penitenciário adequado. O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra decisão do Tribunal de Justiça do mesmo estado, que concedeu prisão domiciliar a um sentenciado em razão da inexistência de estabelecimento adequado para cumprimento de pena no regime semiaberto.

O julgamento foi iniciado no dia 2 de dezembro de 2015 e interrompido após pedido de vista do Ministro Teori Zavascki. Até o momento já votaram o relator da matéria, Ministro Gilmar Mendes, e o Ministro Edson Fachin, que o acompanhou integralmente no sentido de dar provimento parcial ao recurso, decidindo que no caso de déficit de vagas no regime semiaberto, o juiz deverá determinar a progressão antecipada de regime do preso, para o cumprimento de pena em liberdade monitorada eletronicamente, por meio de dispositivos como a tornozeleira eletrônica.

Segundo o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), com dados referentes a junho de 2014, o país possui um déficit extremo de vagas no sistema prisional, com uma população carcerária que beira o dobro do número de vagas disponíveis nos presídios. De acordo com o levantamento, faltam mais de 231 mil vagas em unidades prisionais no Brasil.

Roberto Soares Garcia, coordenador de Litigância Estratégica e antigo vice-presidente do IDDD, autor das razões apresentadas pelo Instituto na qualidade de amicus curiae, comenta o caso em entrevista realizada no dia 16 de fevereiro. Confira a seguir:

Do que se trata o Recurso Extraordinário (RE) Nº 641.320?
Roberto Soares Garcia: É absolutamente comum que condenados a cumprirem pena privativa de liberdade em regime semi-aberto sejam mantidos em regime fechado diante da falta de vaga em estabelecimentos penais que ofertem o regime intermediário de cumprimento de pena. O RE 641.320 leva ao Pleno do Supremo Tribunal Federal o debate sobre se, diante da impossibilidade de o Estado fornecer vagas no regime inicialmente estabelecido, é constitucional o início do cumprimento de pena em regime mais gravoso do que o estipulado na decisão condenatória.

Qual a relevância desse RE para o sistema de justiça criminal?
RSG: Ainda que corra o risco de parecer exagerado, creio que a questão diz com a própria legitimação do sistema de justiça criminal. A lei proíbe que o condenado seja submetido a tratamento mais rigoroso do que ficou estabelecido na sentença penal condenatória. A sentença penal condenatória, por seu turno, baseia-se no reconhecimento de que o cidadão desrespeitou alguma interdição. Logo, para ter legitimidade para punir, o Estado deve portar-se de forma irrepreensível, sob pena de “emparelhar-se” com o condenado na prática de atos ilícitos. Como justificar o monopólio da violência estatal se ela é utilizada ilicitamente, para punir cidadão que foi condenado pela prática de ato ilícito? Se não há como ofertar estabelecimento adequado ao cumprimento de pena, o condenado deve ser colocado em regime menos rigoroso, porque somente assim o Estado age licitamente para punir quem praticou ato ilícito, mantendo-se a legitimidade do sistema.

E sob o ponto de vista do direito de defesa?
RSG: Do ponto de vista do direito de defesa, a importância é no sentido de se impor limite à atividade estatal punitiva. A cada fase da persecução penal, o Estado deve ser contido. Desde a instauração do inquérito policial, passando pela ação penal e chegando até a execução da pena, é preciso lembrar que a atividade estatal é regrada estritamente. O desrespeito aos direitos fundamentais em qualquer das fases produz um mau contágio que desfavorece o cidadão.

O que é sustentado pelo IDDD no caso?
RSG: Com fundamento na doutrina e na jurisprudência, o IDDD defende que seja afirmada inconstitucional a manutenção de condenado em regime de pena mais gravoso do que o determinado em sentença. Inexistente vaga em estabelecimento penal adequado, o cumprimento da pena deve se dar em regime menos gravoso do que o estabelecido pelo título executivo penal. Portanto, com os votos dos ministros, até o presente momento, prevalece no julgamento, com algumas adaptações, a tese defendida pelo IDDD.

*Entrevista realizada no dia 16/02, anterior à decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, que determinou a possibilidade de cumprimento da pena após decisão condenatória em segunda instância. Clique aqui para saber mais.

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