As duas últimas aposentadorias de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram como um dos atos finais o voto no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que discute a descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gestação. Tanto Luís Roberto Barroso quanto Rosa Weber, antes de se aposentarem, votaram a favor da descriminalização, reforçando a relevância do debate sobre os direitos reprodutivos no Brasil.
A ADPF 442 foi proposta em 2017 pelo PSOL e foi relatada por Rosa Weber. Em 2023, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) ingressou na ação como amicus curiae, argumentando que a criminalização do aborto representa o uso do poder coercitivo do Estado para impor um dever de gestação, especialmente às mulheres em situação de vulnerabilidade. O texto também cita experiências internacionais, como a de Portugal, onde o número de abortos caiu após a descriminalização.
Para o IDDD, o caminho não é o encarceramento, mas a criação de políticas públicas de acolhimento que permitam às mulheres buscar apoio do poder público. A organização defende ainda que opiniões contrárias à interrupção da gestação devem ser respeitadas, mas reforça que sentimentos pessoais, filosóficos ou religiosos não podem orientar as leis de um Estado laico.
“Não há quem pratique um aborto como quem passeia por verdes prados. Também se trata de tragédia para o sistema público de saúde, que recolhe essas mulheres pobres, desamparadas, desesperadas, mutiladas, feridas, infectadas, sangrando no corpo e n’alma. E, para o sistema penal, que hoje colhe essas mulheres, que, na verdade, talvez não tenham tido escolha, mas precisaram não ser mães agora, e as mói feito carne, jogando-as no cárcere, onde elas não vão curar suas feridas, porque ninguém se cura nas masmorras”, pontua o documento.
A petição é assinada pelos/as advogados/as Roberto Soares Garcia, Guilherme Ziliani Carnelós, Flávia Rahal, Domitila Köhler, Marina Coelho Araújo, Ana Fernanda Ayres Dellosso e Larissa Palermo Frade.
O voto de Luís Roberto Barroso
Proferido em 17 de outubro de 2025, o voto de Barroso destacou que o aborto deve ser tratado como uma questão de saúde pública, e não de direito penal. Segundo o ministro, “ninguém é a favor do aborto em si”, e o debate não se resume a ser contra ou a favor, mas a discutir se uma pessoa “deve ser presa” por isso.
Barroso também falou, de forma indireta, sobre o machismo no Judiciário, ao afirmar que “se os homens engravidassem, o aborto já não seria tratado como crime há muito tempo”. Em seu entendimento, cabe ao Estado prevenir o aborto, por meio da educação sexual, do acesso a contraceptivos e do amparo à mulher que queira seguir com a gravidez em condições adversas.
No entanto, ele observou que a criminalização atinge especialmente meninas e mulheres pobres, que não conseguem recorrer ao sistema público de saúde com segurança. “As pessoas com melhores condições financeiras podem atravessar a fronteira com o Uruguai ou a Colômbia, ir para a Europa ou valer-se de outros meios aos quais as classes média e alta têm acesso”, completou.
O voto de Rosa Weber
Em setembro de 2023, às vésperas de sua aposentadoria, a ministra Rosa Weber foi a primeira a votar pela descriminalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 12 semanas de gestação.
Em sua decisão, ela considerou que os artigos 124 e 126 do Código Penal são incompatíveis com a Constituição Federal de 1988, especialmente no que diz respeito aos direitos das mulheres e à proteção da saúde.
Rosa Weber reconheceu a complexidade do debate, classificando-o como “sensível e de extrema delicadeza”, por envolver “convicções de ordem moral, ética, religiosa e jurídica”. Mesmo assim, destacou que o foco deve permanecer nos direitos fundamentais e não em valores individuais.