O direito de defesa em um novo tempo

7 de agosto de 2025
No marco dos seus 25 anos, o IDDD apresenta sua Carta de Refundação, para reforçar os seus princípios com os novos pilares incorporados ao longo de sua trajetória

Em 6 de julho de 2000, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) nasceu da convicção de que o direito à ampla defesa é um pilar inegociável de qualquer sociedade que se pretenda justa e democrática. A urgência era assegurar que todas as pessoas, independentemente de sua condição social, raça ou cor, tivessem acesso a uma defesa criminal de qualidade, em um sistema judicial comprometido em respeitar direitos constitucionais.

Em nossa carta de fundação, lemos que, naqueles anos, o que se via eram advogados impedidos de defender, com palavra cassada, ameaçados de prisão; pessoas sem condenação sendo escrachadas e destruídas, em verdadeiros assassinatos de imagem pela mídia; um clamor a favor da pena de morte e, às vezes, até do justiçamento e da execução; e a destruição do sistema penal pela promulgação de leis de exceção.

Diante daquela situação, o IDDD surgiu para reagir e promover defesa de qualidade, seja na luta pela criação e fortalecimento das defensorias públicas ou por meio de assistência jurídica gratuita, do estudo e atuação em casos emblemáticos e da intervenção estratégica sempre que o direito à defesa estivesse sob ataque.

Nesse quarto de século passado, o IDDD colaborou para importantes vitórias que aperfeiçoaram o sistema de justiça criminal, mas o contexto se agravou e exige de nós ainda mais coragem.

A crise do sistema de justiça criminal brasileiro é estrutural. O país vive um estado de coisas inconstitucional no sistema prisional, situação reconhecida, ainda que tardiamente, pelo Supremo Tribunal Federal. Hoje, são mais de 900.000 pessoas privadas de liberdade, boa parte delas, cerca de 25%, em prisão provisória, sem julgamento. A guerra às drogas impulsiona o encarceramento de jovens por condutas de baixa lesividade, afeta desproporcionalmente pessoas negras e alimenta o poder do crime organizado dentro e fora das prisões. A população negra tem 4,5 vezes mais chances de ser abordada nas ruas e segue sendo maioria nos fóruns, nos presídios e nas valas clandestinas.

A seletividade penal, resultante da combinação do racismo e da desigualdade social estruturantes de nosso país, compromete não apenas o direito de defesa, mas a própria democracia. Lidar com esse cenário exige enfrentar a engrenagem que prende, julga e pune com base em preconceitos, ausência de provas, processos viciados, reconhecimentos ilegais e penas desproporcionais.

Boa parte dos desafios que levaram à criação do IDDD continuam existindo. O populismo penal continua a oferecer respostas fáceis, autoritárias e erradas a problemas complexos. O punitivismo ganha corpo no Judiciário. O encarceramento, a repressão e a violência seguem sendo o norte da segurança pública em governos de todos os espectros políticos. Prerrogativas da advocacia, como fazer sustentação oral durante julgamento síncrono ou ter acesso aos autos de investigações, ainda são questões em disputa.

Agora, acrescenta-se o uso de tecnologias de reconhecimento facial com viés racista, audiências virtuais que afastam os réus de defensores e dos julgadores e a inteligência artificial aplicada sem transparência, previsão legal ou – até mesmo – controle humano. Mais recentemente, soma-se a prática inaceitável de silenciar microfones de advogados durante audiências, um grave impedimento ao exercício da defesa técnica, além da arbitrária flexibilização das regras de publicidade de julgamentos que leva praticamente todos os casos a plenários virtuais.

A defesa intransigente das garantias processuais e dos direitos fundamentais sempre será o nosso objetivo, mas hoje sabemos que isso não é suficiente se não enfrentarmos também as estruturas que tornam o acesso à defesa criminal de qualidade num privilégio de poucos. A defesa do direito de defesa é, antes de tudo, a defesa de um país mais justo.

Não há democracia sem direito de defesa, assim como não há direito de defesa sem democracia e respeito ao Estado de Direito. Os braços e as mentes do IDDD continuarão comprometidos e trabalhando pela transformação do sistema de justiça, para fazer um Brasil mais justo e igualitário, democrático e solidário. Nossos próximos 25 anos começam agora, com mais responsabilidade e muita disposição para seguir lutando.

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