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3ª Medida Contra a Corrupção: ou a retomada da Lei e Ordem3ª Medida Contra a Corrupção: ou a retomada da Lei e Ordem

Francisco de Paula Bernardes Junior
Diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa

Artigo originalmente publicado no portal JOTA, em 16 de novembro de 2016.

A década de 70 foi marcada pelo surgimento, nos Estados Unidos, do movimento chamado Law and Order (Lei e Ordem).

Nascido do clamor público diante de alegada ineficiência do Direito Penal em razão dos altos índices de criminalidade, esse movimento objetivou uma maior rigidez da pena com o propósito de restabelecer fé à lei, que andava abalada.

O mote era “quem faz, paga”. Apostavam-se todas as suas fichas na alegada capacidade da pena de prevenir os crimes.

Era uma volta às origens do Direito Penal, como quando se castigava dura e violentamente, não só para expiar o pecado como para dissuadir outros pecadores de práticas socialmente proibidas.

As teses criminológicas e a dogmática daquele período caíram, como não poderia deixar de acontecer, em descrédito. Brotou então (e com imensa força), a chamada “criminologia da vida cotidiana”, um back to roots, ao menos no sentido da luta do bem contra o mal.[1]

Desse movimento, que teve aderência tanto da direita conservadora como de parcela significativa da esquerda, nasceu a metáfora do “broken windows theory”, que ensejaria a conhecida política da tolerância zero.[2]

Com a força de argumentos simples, esse movimento se espalhou por diversos países, inclusive encontrando lugar no cenário político-criminal brasileiro.

Nesses sistemas receptores, declarou-se, como consequência, uma “guerra contra o crime”. É o que se percebe pelos próprios termos empregados: “luta”, “eliminação” ou “repressão”. As armas, eram o aumento das penas.

Toda essa política de agravamento penal encontrou legitimidade no seio social, insuflada pela mídia com dramatizações de um alegado temor social. Para os seus entusiastas, era necessário agir.[3]

Caro leitor, passados mais de 40 anos da implantação da política-criminal da Lei e Ordem, a guerra contra o crime foi perdida. O aparato “bélico”, leia-se, as penas, não foram capazes de derrotar a criminalidade e não diminuíram seus índices. Em verdade, os aumentaram.

Como bem observou Alberto Silva Franco, referida teoria apoiou-se em “premissas falsas”.[4] Não sendo possível “concordar com a afirmação de que o comportamento delitivo constitui o mal e a sociedade, o bem, de modo que a sociedade, para sua própria sobrevivência, teria de pôr fim ao crime”.[5]

As propostas de criação de novos tipos penais, conjuntamente com o aumento das penas, não conseguiram extirpar o crime da sociedade. Pelo contrário, apenas fez surgir criminalidade ainda mais gravosa; como exemplo, o encarceramento em massa ser o verdadeiro instituidor do crime organizado dentro dos presídios.

Por essa razão, empírica, causa espécie que a 3ª medida de combate à corrupção proponha o aumento de penas e a criação de novos tipos penais, bem como a equiparação de certa modalidade de corrupção aos famigerados crimes hediondos.

Esse pacote ressuscita, ao fim e ao cabo, a velha crença na pena de prisão como a expiadora de pecados.

A ideia de que a imposição de pena de prisão desestimula o crime, partindo da premissa de que o criminoso visualiza diante de si os “custos e benefícios dos comportamentos honestos e criminosos”[6], não encontra grandes respaldos científicos.

Tem-se, no máximo, a função meramente simbólica que esse aumento repressivo causa, satisfazendo os anseios da mídia e da insuflada opinião pública.

Noutra quadra, causa espanto que o Ministério Público Federal pretenda aumentar penas para se evitar a prescrição de crimes, impondo mais um ônus nascido da ineficiência do judiciário, nas costas do cidadão condenado. A pena, por esses parâmetros, não será mais fundada no desvalor de sua conduta e na lesão ao bem jurídico (critérios do direito), mas, agora, em patamares mais altos para se evitar eventual prescrição dos crimes, como se isso fosse fundamento legítimo de um Direito Penal constitucionalizado.

Nesse sentido, Zaffaroni e Pierangeli investigaram que a prevenção geral da pena “opera, pois, baseada nos mecanismos dos inconscientes da multidão anônima, que são os mesmos mecanismos com que opera a ‘lei de Lynch’”.[7]

Ou seja, a prevenção geral e o linchamento andam de mãos dadas, revelando-se instrumentos de vingança de uma multidão anônima.[8]“Daí a malícia (ou a ingenuidade?) de acreditar que a resposta penal, quanto mais severa for, será o instrumento adequado para pôr termo ao crime”.[9]

Referida 3ª proposta não se presta para a finalidade de combate à corrupção, mas serve ao retrocesso do Direito Penal, contrariando seu processo histórico de humanização da repressão. Como bem escreveu o professor Miguel Reale Júnior, “a história do Direito Penal é a história de contínuas abolições”.[10]

Assim, pensar o combate à corrupção pela expansão penal, de viés cada vez mais encarcerador, é voltar ao velho tema tão bem retratado por Heleno Claudio Fragoso: “o problema da prisão é a própria prisão”.[11]

Porque “representa um trágico equívoco histórico, constituindo a expressão mais característica do vigente sistema de justiça criminal. Validamente só é possível pleitear que ela seja reservada exclusivamente para os casos em que não houver, no momento, outra solução. Cumpre tirar urgentemente da prisão os delinquentes não perigosos e assegurar, aos que lá ficarem, que sejam tratados como seres humanos, com todos os direitos que não foram atingidos com a perda da liberdade”.[12]

Tomemos cuidado, pois palavras como lei e ordem não significam, necessariamente, justiça.

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[1] ANITUA, Gabriel Ignácio. Historia de los pensamientos criminológicos. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2005, pág. 488.
[2] Idem, pág. 491.
[3] HASSEMER, Winfried. Fundamentos del derecho penal. Barcelona: Bosch, 1984, pág. 84.
[4] FRANCO, Alberto Silva, et al. Crimes Hediondos. 7ª ed., São Paulo: RT, 2011, pág. 150.
[5] Idem, pág. 150.
[6] http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-medidas
[7] ZAFFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 5ª ed., São Paulo: RT, 2004, pág. 102.
[8] Idem, pág. 102.
[9] FRANCO, Alberto Silva, et al. op. cit., pág. 153.
[10] REALE JR., Miguel. Instituições de direito penal. 3ª ed., São Paulo: Forense, 2009, pág. 327.
[11] FRAGOSO, Heleno Claudio. Direito dos presos. Rio de Janeiro: Forense, 1980, pág. 15.
[12] Idem, pág. 15.