Nota pública: Sobre a Lei que pretende alterar a estrutura organizacional da Defensoria Pública de SP

29 de julho de 2025

No dia 9 de junho de 2025, sem qualquer debate ou consulta prévia à sociedade civil ou à própria carreira, a Defensora Pública-Geral (DPG) de São Paulo, Luciana Jordão, protocolou um anteprojeto de lei complementar na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), propondo graves alterações na estrutura organizacional do órgão.

A reestruturação institucional prevista pelo texto fragiliza de sobremaneira a atuação da Defensoria na defesa de direitos difusos e coletivos – uma de suas funções constitucionais – e concentra poderes decisórios na cúpula administrativa da DPE, reduzindo significativamente a participação democrática na gestão.

Essas mudanças afetam não só o corpo de defensores e defensoras, mas, sobretudo, a população em situação de vulnerabilidade que depende de uma atuação combativa e autônoma da Defensoria Pública.

As organizações da sociedade civil, coletivos e movimentos sociais subscritos abaixo, vêm, por meio desta nota pública, manifestar-se contrários à esta Proposta de Lei Complementar.

A criação do chamado “Grupo de Assessoramento de Demandas Estruturais” se destaca, pois dá à Administração Superior o controle sobre diretrizes de atuação em litígios coletivos e estruturais – justamente aqueles com maior impacto social – , reduzindo mecanismos de transparência e participação da instituição, a autonomia de núcleos especializados e a independência funcional de defensoras e defensores públicos na tutela coletiva. Na leitura da sociedade civil organizada, trata-se de um grupo de intervenção que limita o próprio acesso à justiça da população.

A Defensoria Pública de São Paulo conta com dez núcleos especializados, são eles: cidadania e direitos humanos; infância e juventude; habitação e urbanismo; segunda instância e tribunais superiores; situação carcerária; promoção e defesa dos direitos das mulheres; direitos da pessoa idosa e da pessoa com deficiência; defesa do consumidor; promoção e igualdade racial e defesa dos povos e comunidades tradicionais; e defesa da diversidade sexual e de gênero. Todos estes núcleos são essenciais para para garantir uma atuação mais estratégica, técnica e comprometida com a defesa dos direitos fundamentais das pessoas em situação de vulnerabilidade social. Para além do atendimento realizado para pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, portanto, a Defensoria, por meio de seus núcleos, têm uma atuação estratégica em questões de grande relevância social. Seja por meio de debates sérios com a sociedade civil, especialmente com as pessoas diretamente afetadas, seja por meio da produção técnica qualificada, os núcleos têm legitimidade de acionar tribunais sempre que a defesa de direitos individuais, difusos e coletivos se fizer necessária.

Caso aprovado o projeto de lei, além da quebra da autonomia desses órgãos, a proposta orçamentária da instituição, que antes exigia aprovação do Conselho Superior, passará a depender apenas da oitiva do grupo, de modo que o controle e participação sobre a destinação dos recursos públicos também sejam enfraquecidos e, novamente, concentrando, o poder de decisão na Defensoria Pública-Geral. Além disso, a possibilidade de tornar virtuais ou híbridas as reuniões do Conselho podem comprometer o Momento Aberto, único espaço de participação social no Conselho Superior da Defensoria Pública, que tem sido usado por pessoas atendidas pelo órgão, organizações da sociedade civil e pessoas servidoras da instituição.

Destaca-se que uma primeira versão circulada pela administração na sexta, dia 6, previa a extinção do “momento aberto”. Esse trecho foi, posteriormente, retirado do projeto, alegando-se “erro material”. De fato, um texto elaborado e enviado às pressas, sem consultas ou revisão, é mais suscetível a apresentar esse – e tantos outros – erros.

A instituição das Defensorias Públicas, pela Constituição Federal de 1988, marca um importante início de democratização do acesso à Justiça no Brasil, especialmente após décadas de regimes autoritários e séculos de colonização escravista no país.

A Carta Magna passou a reconhecer as Defensorias como essenciais à função jurisdicional do Estado e com o dever de “promover a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita”. Tal incumbência reflete, nos termos da própria Constituição, o compromisso com o próprio Estado Democrático de Direito.

Apesar da previsão de 1988, o estado de São Paulo só instituiu sua própria Defensoria no ano de 2006, após muita mobilização social. Um dos marcos dessa reivindicação ocorreu em 2002, quando foi lançado o “Movimento pela Criação da Defensoria Pública em São Paulo”. O movimento, já à época, defendia uma instituição independente, transparente em que “seus profissionais deveriam servir exclusivamente aos cidadãos, e não ao governo, com um compromisso com a proteção e promoção dos direitos humanos”.

Desde janeiro de 2006, quando foi aprovada a Lei Complementar nº 988, que cria a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, diversos foram os momentos em que a sociedade civil esteve ao lado da instituição para ampliação e estruturação da carreira. Desde a sua instituição, movimentos e organizações têm demandado e contribuído com a atuação estratégica da Defensoria, elaborando pesquisas e estabelecendo diálogos e parcerias históricas na construção/elaboração de demandas coletivas e garantia de direitos.

Quase 20 anos depois da criação da Defensoria do estado, recuperar a história da instituição, que teve a participação popular como princípio e motor, se faz necessário para resgatar o ideal de luta por justiça para as populações que mais necessitam. São as pessoas atingidas pela violência estatal e desastres socioambientais; os povos e comunidades tradicionais; as pessoas privadas de liberdade; as comunidades migrantes; as crianças e os adolescentes e demais grupos afetados pelas desigualdades raciais e socioeconômicas que mais necessitam e utilizam os serviços prestados pela Defensoria, instituição que oferece uma das poucas possibilidades de acesso à justiça integral e gratuita no Brasil.

Assim, considerando que a autonomia funcional da Defensoria Pública relaciona-se com o espaço de liberdade institucional para realizar suas atribuições e com o objetivo de alcançar as finalidades institucionais e constitucionais, guiando-se pelas leis e pela Constituição, livre de ingerências externas, notadamente dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, as alterações que visam limitar a atuação dos núcleos e excluir a sociedade civil do diálogo e construção de estratégias para a defesa de direitos devem ser rejeitadas, pois são medidas autoritárias, e, portanto, estão na contramão das garantias do Estado Democrático de Direito.

 

Assinam esta nota:

  1. Afetos filiada União dos Movimentos de Moradia de São Paulo
  2. Agenda Nacional pelo Desencarceramento
  3. Articulação Vila Andrade
  4. Associação 13 de Agosto – Mães de Osasco e Barueri
  5. Associação Amparar
  6. Associação de Mães e Amigos da Criança e Adolescente em Risco AMAR
  7. Associação Filantrópica Santa Clara
  8. Associação de favelas de São José dos Campos / SP
  9. Associação dos Professores(as) de Filosofia e Filósofos(as) de São Paulo – APROFFESP
  10. Associação Habilitação do Bem Viver Taboão da Serra
  11. Associação de Familiares e Amigos de Presos e Egressos – AFAPE
  12. Associação de Moradores da Rua João Carlos da Silva e Adjacências do Bairro São Manoel, Santos/SP
  13. Associação de Apoio aos direitos humanos do alto Tietê
  14. Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude
  15. Associação de moradores Pantanal Capela do Socorro
  16. Associação Cultural José Marti do Rio de Janeiro
  17. Associação de moradores do Jardim D’Abril
  18. Associação cultural união de bairros
  19. Banho pra Geral
  20. Cedeca Sapopemba
  21. Cedeca Rio de Janeiro
  22. Central de Movimentos Populares – CMP
  23. Centro de Direitos Humanos de Sapopemba
  24. Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
  25. Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (CDHEP)
  26. Centro de Referência e Resgate da Cultura Afro Brasileira e Indígena Acaçá Axé Odô – CRRCABI
  27. Coletivo Shireen Abu Akleh de Jornalistas Contra o Genocídio
  28. Coletivo lgbt de Itapecerica da Serra
  29. Coletivo Mulheres de Luta do Jardin Heplin
  30. Conectas Direitos Humanos
  31. Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama
  32. Comissão Justiça e Paz de São Paulo
  33. Coletivo Feminista Classista Antirracista Maria vai com as Outras
  34. Equipe São Paulo – CIMI Sul (Conselho Indigenista Missionário)
  35. Fórum da cidade de São Paulo em Defesa da População em Situação de Rua
  36. Fórum de Defesa da Criança e do Adolescente do Lajeado
  37. Fórum Popular de Segurança Pública e Política de Drogas de São Paulo
  38. Fórum Internacional Fronteiras Cruzadas (FFLCH-USP)
  39. Fórum de Trabalho Social em Habitação de São Paulo
  40. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Piauí
  41. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro
  42. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Espírito Santo
  43. Frente Estadual Pelo Desencarceramento de São Paulo
  44. Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo
  45. Frente Nacional de Luta campo e cidade
  46. Frente por Moradia da Baixada Santista
  47. Frente Negra Revolucionária
  48. Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos / UFSCar
  49. Grupo Tortura Nunca Mais – SP
  50. Grupo Operária Internacionalista – Jornal Palavra Operária
  51. ITTC – Instituto Terra, Trabalho e Cidadania
  52. Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)
  53. Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas
  54. Instituto Resgata CIdadão
  55. Instituto Rede
  56. Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos
  57. Instituto Pro Bono
  58. Ile Ase Ayedum
  59. Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial / RJ
  60. IDMP – Instituto de Defesa da Moradia Popular e Cidadania
  61. Luta Popular
  62. Mandato Bancada Feminista – Alesp
  63. Mandato Vereador Luana Alves
  64. Mandato Deputada Erika Hilton
  65. Mandato Vereadora Amanda Paschoal
  66. Mandato Deputado Estadual Eduardo Matarazzo Suplicy
  67. Mães em Luto da Zona Leste
  68. Maria das Graças de Jesus Xavier
  69. Missão Paz
  70. Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto
  71. Movimento de Familiares das Vítimas do Massacre em Paraisópolis
  72. Movimento candelária Nunca Mais / RJ
  73. Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB)
  74. Movimento de Mulheres Olga Benário
  75. Movimento candelária Nunca Mais / RJ
  76. Movimento de Moradia dos Encortinados, Sem Teto, Catadores de Papelão da Cidade de São Paulo – M. M. C.
  77. Movimento Mães de Acari / RJ
  78. Movimento Independente Mães de Maio
  79. Movimentos
  80. Movimento Reaja COHAB, Sem Leilão, Sem Despejo, Moradia é Direito!
  81. MNU – Movimento Negro Unificado
  82. MNU Movimento Negro Unificado SP
  83. Mulheres em movimento da Maré / RJ
  84. Mundo Produções Culturais
  85. NAJUP Luiza Mahin/UFRJ
  86. Núcleo Memórias Carandiru
  87. NEMOS- Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Movimentos – Pucsp
  88. NAJUP Luiza Mahin/UFRJ
  89. Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes, Famílias e Sistema de Garantia de Direitos. Pós Graduação Serviço Social PUC-SP
  90. Observatório do Trauma Psicopolitico (USP/UNIFESP)
  91. Observatório das Violências Policiais e Direitos Humanos – OVP-DH.Org
  92. Organização pela Federalização das investigações das Chacinas
  93. Plataforma JUSTA
  94. Pastoral Carcerária Estado de São Paulo
  95. Pastoral Fé e Política da Diocese de Campo Limpo
  96. Projeto Reparações do CAAF/Unifesp
  97. Promotoras Legais Populares de Santos
  98. Rede de comunidades e Movimento contra Violência / RJ
  99. Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio
  100. Rede Nacional de Mães e familiares de vitimas do Terrorismo do Estado
  101. Rede Reforma – Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas
  102. Rede MILBi+ – Rede de apoio a Migrantes Internacionais LGBTQI+
  103. Sandra de Jesus, mãe do Luiz Fernando
  104. Secretaria de Mulheres do PT de Santos
  105. Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo
  106. Sindicato dos Vidreiros no Estado de São Paulo
  107. Sindicato dos Psicólogos do Estado do Rio de Janeiro
  108. Sindicato dos Empregados Terrestres em Transportes Aquaviários e Operadores Portuários do Estado de São Paulo
  109. SPlutas – Proteção a/o defensores/as de direitos humanos
  110. Unificação das Lutas de Cortiços e Moradia – ULCM
  111. União dos Movimentos de Moradia de São Paulo – UMM/SP
  112. Uneafro Brasil

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