Senado aprova projetos de excludente de ilicitude; mais de 140 organizações e movimentos se posicionam contra

1 de julho de 2025

A Comissão de Segurança Pública do Senado aprovou na manhã de hoje (1) os projetos de lei 748/2024 e 2693/2024. De autoria dos senadores Wilder Morais (PL/GO) e Carlos Viana (PODE/MG), as propostas abrem brecha para que atos ilícitos sejam cometidos por policiais e até por cidadãos comuns, sob justificativas vagas e genéricas como em casos de “conflito armado ou risco iminente de conflito armado”, ampliando as hipóteses de excludente de ilicitude no Código Penal.

A sociedade já rejeitou o salvo-conduto para matar pessoas sem responsabilização no chamado Pacote Anticrime do então Ministro da Justiça Sérgio Moro, mas a proposta segue sendo retomada sistematicamente em outros projetos de lei. Diante disso, mais de 140 entidades assinaram a nota da campanha “Sem licença para matar” que aponta os perigos que a aprovação dos PLs 2.693/2024 e 748/2024 representam. A luta agora é pela rejeição do projeto na Comissão de Constituição e Justiça!

Leia abaixo a nota pública enviada pelas organizações para os senadores e entenda os riscos dos projetos de lei:

As entidades que compõem a campanha “Sem Licença para Matar” manifestam profunda preocupação com os projetos de lei sobre Excludente de Ilicitude nº 2.693/2024 e nº 748/2024 presentes na pauta desta terça-feira (1) na Comissão de Segurança Pública do Senado Federal.

Causa espanto o PL 748/2024, de autoria do Senador Wilder Morais (PL/GO), que busca permitir o uso de “força letal” em casos de invasão de domicílio, na qual qualquer cidadão poderia “proteger a propriedade privada”. Inspirado no projeto dos Estados Unidos “Stand Your Ground Law”, a proposta ignora o impacto prático no país onde foi testado: aumento significativo de homicídios e à perpetuação de desigualdades raciais e sociais no sistema de justiça criminal, sem diminuição da criminalidade e com novos problemas decorrentes da privatização da segurança e da criação de grupos armados.

Já no que diz respeito ao Estado, o Projeto de Lei nº 2693/2024 de autoria do Senador Carlos Viana (PODE/MG) busca alterar o Código Penal para ampliar hipóteses de licença para matar para policiais em casos de “conflito armado ou risco iminente de conflito armado” sob o argumento de que “o policial não pode ser tratado como culpado por fazer o certo”.

A formulação dos termos “conflito armado” e “risco iminente” é extremamente genérica e subjetiva, colocando em risco principalmente a vida da juventude negra, principal clientela de abordagens violentas e arbitrárias. Muitos já são os exemplos do uso do termo “risco iminente” por agentes de segurança envolvendo tiros em cenários que incluem crianças (como o caso da menina Ágatha Vitória, de oito anos), pessoas de costas ou com interpretação subjetiva de gestos ou porte de objetos não letais (como furadeiras ou guarda-chuvas).

Além disso, a proteção jurídica dos agentes de segurança pública deve ser garantida por meio do aperfeiçoamento dos protocolos de uso da força, da melhoria da formação profissional, do fortalecimento dos mecanismos de proteção social e trabalhista, e não através da ampliação de excludentes de ilicitude que podem facilitar a impunidade em casos de abuso.

O uso da força deve ser excepcional, proporcional, necessário e a força letal só deve ser empregada quando estritamente inevitável para proteger a vida. A ampliação indiscriminada da legítima defesa para agentes de segurança contraria qualquer princípio moral, mas também parâmetros internacionais, como os descritos nos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pela ONU.

O Brasil registrou 6.393 mortes por intervenções policiais em 2023, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Considerando os últimos dez anos (2013 a 2023), a letalidade policial no país aumentou 188,9%. Além disso, na prática, a licença para matar já existe. Um estudo da FGV/SP que analisou 859 inquéritos criminais constatou que não houve um único policial preso por mortes ligadas a abordagens letais entre 2018 e 2024.

A sociedade já rejeitou o salvo-conduto para matar pessoas sem responsabilização no chamado Pacote Anticrime do então Ministro da Justiça Sérgio Moro, mas a proposta segue sendo retomada sistematicamente em outros projetos de lei. É vexatório que os parlamentares sigam dispensando tempo nesse debate quando poderiam pensar soluções que atenuem de fato os índices de violência, a exemplo do fim dos autos de resistência ou da utilização de câmeras corporais nos uniformes policiais, pauta amplamente apoiada pela população brasileira.

Certas do compromisso desta Casa com os direitos assegurados pela Constituição Federal, as organizações, redes e movimentos que aqui subscrevem solicitam, portanto, a rejeição de todas as propostas tendentes a legitimar a excludente de ilicitude. Pautar projetos que criam uma licença para matar em um país tão violento quanto o Brasil é inconsequente e inaceitável!

Assinam esta nota:

  1. Afronte
  2. Agenda Nacional pelo Desencarceramento
  3. Articulação AIDS RN
  4. Associação Auxilium
  5. Associação de Amigos/as e Familiares de Presos/as AMPARAR (SP)
  6. Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade
  7. Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Espírito Santo (ES)
  8. Associação Desinterna pela Vida e Liberdade da Juventude
  9. Associação de Usuários dos Serviços de Saúde Mental de MG
  10. Associação dos Agentes de Combate às Endemias da Região Metropolitana II do Estado do Rio de Janeiro – AACEMII-RJ
  11. Associação dos Familiares e Reeducandos do Tocantins – AFRETO (TO)
  12. Associação Entre Elas Defensoras de Direitos Humanos do Amazonas (AM)
  13. Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD)
  14. Bloco Carnavalesco EURECA (Eu Reconheço o Estatuto da Criança e do Adolescente)
  15. BONDE – Coletivo de pesquisa sobre violências, sociabilidades e mobilidades urbanas
  16. CEDECA Sapopemba
  17. Centro Comunitário Mario Andrade (PE)
  18. Centro Comunitário pró Construção e Desenvolvimento do Taquaril-BH/MG
  19. Centro de Direitos Humanos de Sapopemba (CDHS)
  20. Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT
  21. Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio
  22. Centro Socorro Abreu de Desenvolvimento Popular e Apoio à Mulher
  23. Coalizão pela Socioeducação
  24. Coletiva Brejo das Sapas – MG
  25. Coletiva de mulheres vidas com artes geração de renda e enfrentamento da violência doméstica- BH/MG
  26. Coletivo: Justiça Por Almas/Mães de Luto em Luta
  27. Coletivo de Educação Popular e Libertária (CEPL)
  28. Coletivo de Familiares da Chacina de Nova Brasília (RJ)
  29. Coletivo de Familiares de Santa Catarina (SC)
  30. Coletivo de Familiares de Vítimas do Acre (AC)
  31. Coletivo de Mães de Manaus (AM)
  32. Coletivo de Mães e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade de Rondônia (RO)
  33. Coletivo de Pesquisa Construindo Juntos CDD
  34. Coletivo Felipa Maria Aranha
  35. Coletivo Mães de Brumado Bahia (BA)
  36. Coletivo Mães do Xingu (PA)
  37. Coletivo Mulheres Cuidando Movimentando Territórios (MCMT)
  38. Coletivo Núcleo 2 da Cooperativa Paulista de Teatro
  39. Coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação
  40. Coletivo Saudade de Sergipe – Coletivo de Mães e Vítimas de Violência Policial (SE)
  41. Coletivo Vozes de Mães e Familiares do Sistema Socioeducativo e Prisional do Ceará
  42. Complexos – Advocacy de Favelas
  43. Comunidade de Samba Pagode Na Disciplina
  44. Conectas Direitos Humanos
  45. Educafro Educação para Afrodescendentes e Pessoas Carentes
  46. Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE
  47. Federação dos Desportos no Estado de São Paulo (FEDSP)
  48. Feministas – Coletes Rosa
  49. Fórum DCA- Ceará
  50. Fórum Mineiro de Saúde Mental
  51. Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção a Adolescentes no Trabalho- FNPETI
  52. Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará
  53. Fórum Popular de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (FPOPSEG)
  54. Fórum Popular de Segurança Pública do Nordeste
  55. Frente Distrital pelo Desencarceramento (DF)
  56. Frente Estadual pelo Desencarceramento da Paraíba
  57. Frente Estadual pelo Desencarceramento de Alagoas
  58. Frente Estadual pelo Desencarceramento de Goiás
  59. Frente Estadual pelo Desencarceramento de Minas Gerais
  60. Frente Estadual pelo Desencarceramento de Santa Catarina
  61. Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo
  62. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Acre
  63. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Amazonas
  64. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Ceará
  65. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Espírito Santo
  66. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Estado de Sergipe
  67. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Paraná
  68. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Piauí
  69. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio Grande do Norte
  70. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rondônia
  71. Frente Estadual pelo Desencarceramento do Tocantins
  72. Frente Estadual pelo Desencarceramento Rio de Janeiro
  73. Frente Mineira Drogas e Direitos Humanos
  74. Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP)
  75. Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos GENI – UFF
  76. Geledes Instituto da Mulher Negra
  77. Grupo de Estudos Guerreiro Ramos da UFF
  78. Grupo Tortura Nunca Mais – RJ
  79. Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial
  80. Instituto Akanni
  81. Instituto Búzios (RJ e BA)
  82. Instituto de Cultura e Consciência Negra Nelson Mandela
  83. Instituto de Defensores de Direitos Humanos – DDH (RJ)
  84. Instituto de Defesa da População Negra (IDPN)
  85. Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)
  86. Instituto de Estudos da Religião (ISER)
  87. Instituto Liberdade e Emancipação – ILÊ
  88. Instituto Memória e Resistência (GO)
  89. Instituto Mundo à Flora
  90. Instituto Negra do Ceará INEGRA
  91. Instituto Panelladexpressão
  92. Instituto Rede Viva – SC
  93. Instituto Resgata Cidadão
  94. Instituto Sou da Paz
  95. Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC)
  96. Justiça Global
  97. Juventude Manifesta
  98. Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ (LADIH)
  99. Liga Rio Grande do Norte de Combate a AIDS
  100. Mães Pela Paz Goiás (GO)
  101. Marcha das Mulheres Negras de São Paulo
  102. Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro
  103. Mecanismo Estadual de Prevenção e Erradicação à Tortura do Espírito Santo
  104. Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de Sergipe
  105. Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura
  106. Movimento Candelária Nunca Mais (RJ)
  107. Movimento de Familiares das Vítimas do Massacre em Paraisópolis
  108. Movimento de Mães AMAR (RJ)
  109. Movimento de Mães e Familiares de Vítimas da Violência Letal do Estado do Desaparecidos Forçados
  110. Movimento de Mães e Familiares do Curió
  111. Movimento Mães de Acari (RJ)
  112. Movimento Mães de Manguinhos
  113. Movimento Mães em Luto da Zona Leste (SP)
  114. Movimento Mães Sem Fronteiras (RJ)
  115. Movimento Nacional de Direitos Humanos
  116. Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, e Projeto Meninos e Meninas de Rua
  117. Movimento Negro Evangélico do Brasil
  118. Movimento Negro Unificado (MNU)
  119. Movimento Parem de Nos Matar
  120. Movimento Pela Vida de Pessoas Encarceradas do Ceará MOVIPECE
  121. Movimento Xingu Vivo para Sempre
  122. Mulheres Arteiras Sergipe (SE)
  123. NOSSAS
  124. Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Luiza Mahin (NAJUP Luiza Mahin) – UFRJ
  125. Núcleo de Mães Vítimas de Violência (RJ)
  126. Núcleo Memórias Carandiru
  127. Nzinga Coletivo de Mulheres Negras de MG
  128. Pastoral carcerária da Arquidiocese de Natal (RN)
  129. Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil
  130. Pontão Gêneros em Rede
  131. Rede de Advogadas Populares
  132. Rede de Atenção à Pessoa Egressa do Sistema Prisional de MG
  133. Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência (RJ)
  134. Rede de Mães e Familiares de Vítimas da Violência da Baixada Fluminense (RJ)
  135. Rede de Mulheres Negras do Ceará
  136. Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio
  137. Rede Emancipa – movimento social de educação popular
  138. Rede Justiça Criminal
  139. Rede Nacional de Advogados Populares Rio de Janeiro- RENAP/RJ
  140. Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo
  141. Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA
  142. Rede SAPATÀ
  143. SACERJ (Sociedade da Advocacia Criminal do Estado do Rio de Janeiro)
  144. Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões – SEMPRI
  145. SIDADANIA/RN
  146. Sociedade da Advocacia Criminal do Estado do Rio de Janeiro (Sacerj)
  147. Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH
  148. Terra de Direitos
  149. União Brasileira de Mulheres

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