Ir para o conteúdo

20 anos de IDDD: por um futuro com Justiça e democracia

8 de julho de 2020
Em celebração aos 20 anos, presidente do IDDD, Hugo Leonardo, rememora em carta criação do IDDD

Há exatos 20 anos, Márcio Thomaz Bastos (1935 – 2014) ao fundar o IDDD afirmou que o instituto havia sido criado para que pudéssemos advogar no futuro. Num artigo publicado na Folha de S.Paulo, em abril de 2000, escreveu sobre a missão daquela nova organização e da sua urgência numa época em que o direito de defesa, na sua avaliação, jamais fora tão desrespeitado, com exceção da ditadura.

Se a Constituição era generosa na enunciação de direitos – argumentava -, na realidade advogados eram impedidos de falar, de exercer a defesa e chegavam a ser ameaçados de prisão, enquanto pessoas sem condenação tinham suas reputações assassinadas. Em 2000, com apenas uma década e meia de regime democrático e às portas do novo século, estava na ordem do dia lutar contra a destruição das garantias recém-conquistadas e a favor da possibilidade de um direito penal mais civilizado. O paralelo histórico mostra que a  interpretação, além de precisa, continua servindo para nosso tempo.

Pela atualidade do que tinham em mente Márcio e outros ícones fundadores do IDDD, a instituição não apenas manteve-se em pé como se tornou uma espécie de farol para a advocacia criminal brasileira.

E eu não poderia deixar de mencionar a importância de José Carlos Dias, o grande responsável por me trazer ao IDDD e legítimo cultor do pleno exercício do direito de defesa, da vitalidade do Estado Democrático de Direito e das liberdades, valores perseguidos por todos nós ao longo desses 20 anos.

Inicialmente, nosso objetivo era triplo: defender gratuitamente aqueles que não podiam pagar; elaborar estudos de casos paradigmáticos a fim de aperfeiçoar, pelo exemplo, o sistema de Justiça e a defesa criminal; e, por fim, intervir com contundência no debate público quando o direito de defesa estivesse sob ameaça.

Desses desafios surgem iniciativas como o projeto Direito de Defesa no Tribunal do Júri, em que associados/as do IDDD atuavam – como ainda hoje o fazem -, proporcionando defesa de excelência, independentemente da trajetória ou classe social do/a réu/ré. Também passamos a fazer mutirões em delegacias e prisões, buscando minorar a realidade calamitosa de nossos cárceres.

Embora a advocacia criminal esteja desde sempre no nosso DNA, como organização, percebemos que comunicar o direito de defesa num país com vasta tradição autoritária era tarefa inadiável. Assim, demos viabilidade a projetos para, de um lado, debater a importância do direito de defesa em redações de grandes jornais e universidades e, de outro, informar às pessoas presas sobre seus direitos, visando romper uma enorme barreira no acesso à Justiça. Daí nascem iniciativas como Olhar Crítico e Educação para Cidadania no Cárcere (ECid), que propõe democratizar o saber jurídico nas prisões e fora delas.

Contudo, a constatação continuava sendo a de que, apesar de termos um regime democrático em vias de amadurecimento, a ideia do direito de defesa permanecia distante da naturalização no imaginário social. Uma acusação criminal seguia bastando para que alguém fosse instantaneamente destituído de sua humanidade. Ainda hoje é como se a suspeita de ter praticado um crime suspendesse qualquer denominador comum entre o suposto autor e o conjunto da sociedade. E este continua sendo um problema do presente que se projeta para o futuro na medida em que a Justiça – que para nós significa refazimento – é inflacionada com ressentimento e desejo de vingança, sentimentos supervalorizados, como se a Justiça não fosse capaz de restaurar o equilíbrio social e a reparação se encontrasse apenas na completa ruptura.

Em duas décadas esse punitivismo transformou nosso país na terceira potência carcerária do mundo, sem que, contudo, fosse derrubado o mito de que a impunidade reina por aqui. Temos clareza de que o cárcere, para onde tanto de nossos esforços foram direcionados, é na verdade resultado de uma soma de injustiças. Por isso, nos últimos anos, os caminhos da advocacia criminal combativa que caracteriza o IDDD passaram a cruzar cada vez mais com os dos defensores dos direitos humanos em sentido amplo e sua multiplicidade de causas, como a luta pelo redução da desigualdade social, de gênero, o fim do racismo, dentre outras. Essa confluência pode ser sentida em iniciativas recentes do IDDD como o projeto Mães Livres, que enfrenta violações de direitos produzidas pelo encontro entre o poder punitivo do Estado e a visão patriarcal que marca o sistema de Justiça.

Por mais que a caminhada tenha nos transformado, o que continua a nos mover é a mesma vontade de pavimentar um futuro com Justiça e democracia. Ele, no entanto, não existirá sem o seu fiel escudeiro, o direito de defesa, pelo qual temos lutado nessas duas décadas. Continua na ordem do dia desvincular a ideia de Justiça do ato de punir como única resposta à acusação. Ao contrário disso, Justiça é alcançar a paridade de armas, o respeito a cada uma das etapas do processo penal. Esse é desafio para uma vida. E deve ser enfrentado para que o jovem IDDD, hoje com 20 anos, possa continuar existindo no futuro.

Hugo Leonardo, presidente do IDDD

relacionados

Não existe nenhum post relacionado.

newsletter

Acompanhe nossas ações em defesa dos direitos humanos e do fortalecimento da justiça. Assine nossa newsletter e receba análises, notícias e atualizações sobre nossa atuação.