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2018: crise prisional não superada

Após um ano dos massacres de 2017 novas chacinas ocorrem em unidades prisionais do País e mais de 30 pessoas privadas de liberdade foram assassinadas

No dia 1 de janeiro do ano passado, acompanhamos o segundo maior massacre na história do sistema prisional brasileiro, que ocorreu no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ), maior penitenciária de Manaus, onde 56 presos foram brutalmente assassinados em motim que durou aproximadamente 17 horas. O massacre foi apontado como resultado dos conflitos entre diversas facções criminosas, embora essa narrativa tenha sido questionada por especialistas, que veem a atual crise como consequência do descaso das autoridades com o sistema penitenciário do País.

As rebeliões se estenderam a outros estados e apenas no primeiro mês de 2017 o país testemunhou mais de 130 mortes, superando em número o massacre do Carandiru em 1992. Diante da crise instalada ainda no início de 2017, medidas foram anunciadas pelo governo federal e pelos governos estaduais e diversas organizações da sociedade civil apresentaram propostas para a superação da crise, que passavam necessariamente pela revisão de políticas encarceradoras.

 Após um ano dos massacres, no dia 1 de janeiro de 2018, não foi diferente e novamente, e sem tanta atenção midiática, o descontrole estatal sobre o sistema prisional foi evidenciado. Em Goiânia, 14 pessoas morreram no Complexo Prisional de Aparecida em decorrência de conflitos entre facções. No Ceará, outras 10 pessoas foram mortas na Cadeia Pública de Itapajé (124km de Fortaleza). De acordo com o Sindicato dos Agentes e Servidores Públicos do Sistema Penitenciário do Estado do Ceará, essa unidade estava superlotada e abrigava 113 presos quanto tinha capacidade para abrigar 25 pessoas.

Encarceramento em massa: 3ª maior população prisional no mundo

Além da violência que marca o sistema prisional brasileiro, outras características contribuem para o agravamento da crise. De acordo com o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), publicado em dezembro de 2017 – mais de dois anos depois da última publicação – o Brasil ocupa a terceira maior população carcerária do mundo, totalizando 726.712 pessoas encarceradas. Verifica-se, porém, um déficit de 358.663 vagas, evidenciando que o crescimento da população prisional não foi acompanhado pela criação das condições necessárias para abrigar tal população. No Amazonas, registrou-se uma taxa de ocupação de 484% – a maior até então -, no Rio Grande do Norte de 206,5%, em Goiás de 236,6%, e no Ceará de 385,6%.

 Outra informação preocupante diz respeito às altas taxas de aprisionamento de pessoas ainda sem condenação. Ceará, Sergipe e Amazonas lideram o ranking com os piores índices de encarceramento provisório (66%, 65% e 64%, respectivamente), seguidos por Maranhão, Bahia e Minas Gerais (58,6%, 58,2% e 57,8%). A média nacional segue em 40%, semelhante ao levantamento anterior, de 2014.

A não garantia do direito à educação e ao trabalho são outros traços marcantes do sistema prisional brasileiro. No Brasil, apenas 12% da população prisional estão envolvidas em atividades educacionais. Tocantins apresenta a melhor taxa de acesso à educação, com 25% de presos em atividades educacionais, e Amapá e Rio Grande do Norte apresentam a pior situação com apenas 2% das pessoas presas envolvidas em atividades educacionais. Em relação a atividade laboral, apenas 15% das pessoas privadas de liberdade desenvolvem algum tipo de trabalho.

Propostas do IDDD para reduzir a superlotação e melhorar o sistema penitenciário

De olho na crise do sistema penitenciário, o IDDD elaborou em fevereiro de 2017 documento que propõe medidas práticas para combater o encarceramento em massa no País. Dialogando com políticas de segurança pública e a política prisional, as propostas configuram ações eficazes no âmbito dos poderes judiciário e legislativo.

 O documento foi apresentado e discutido com Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ), deputados e o Ministro interino da Justiça à época (José Levi Mello do Amaral Júnior). As propostas também ganharam o apoio da Defensoria Pública de São Paulo, da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB SP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

 As medidas são:

 REGULAMENTAÇÃO DAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA POR MEIO DE LEI

Regulamentada via Resolução nº 213 de 2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a audiência de custódia consiste no contato entre o custodiado e autoridades judiciais em menos de 24 horas após a prisão em flagrante para verificar se há a necessidade de prisão provisória ou mesmo se houve qualquer tipo de ilegalidade na abordagem policial. Também pode ser visto enquanto mecanismo que busca frear o crescimento de prisões provisórias.

 PROIBIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA PARA CASOS DE TRÁFICO PRIVILEGIADO

Tal medida visaria alterar a chamada “Lei de Drogas” (Lei 11.343/06), vedando a prisão preventiva em casos em que o réu seja primário e não esteja envolvido em atividade criminosa ou associado ao crime organizado.

 PROIBIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA PARA CRIMES SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA COM PENA IGUAL OU MENOR A 4 ANOS

A proposta resultaria na modificação do art. 313 do Código de Processo Penal, prevendo a proibição da prisão preventiva para crimes sem violência ou grave ameaça com pena mínima igual ou inferior a 4 anos, levando em conta que em condenações até esse limite a pena privativa de liberdade poderá ser substituída por medidas restritivas de direitos. De modo que muitas prisões preventivas são permitidas em casos em que não haveriam legalidade para aplicar a pena de prisão.

 EDIÇÃO DE RESOLUÇÃO PELO CNJ PARA CONTROLE DAS PRISÕES PROVISÓRIAS E MEDIDAS CAUTELARES

O IDDD propõe a redação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de resolução por meio da qual se determine que o magistrado pe­riodicamente passe a reavaliar a necessida­de de manutenção da prisão cautelar. Idêntica providência se propõe para ser adotada no âm­bito dos tribunais. Além disso, sugere-se a expedição de ofício aos Tribunais Estaduais e Tribunais Regionais Fe­derais reclamando-se a aplicação do estabelecido no art. 10 da resolução nº 213 do CNJ com relação às medidas cautelares diversas da prisão:

Art. 10. A aplicação da medida cautelar diversa da prisão prevista no art. 319, inciso IX, do Código de Processo Penal, será excepcional e determinada apenas quando demonstrada a impossibilidade de concessão da liberdade provisória sem cautelar ou de aplicação de outra medida cautelar menos gravosa, sujeitando-se à reavaliação periódica quanto à necessi­dade e adequação de sua manutenção, sendo destinada exclusivamente a pes­soas presas em flagrante delito por cri­mes dolosos puníveis com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (qua­tro) anos ou condenadas por outro crime doloso, em sentença transitada em julga­do, ressalvado o disposto no inciso I do cap. do art. 64 do Código Penal, bem como pessoas em cumprimento de medi­das protetivas de urgência acusadas por crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, ado­lescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, quando não couber outra me­dida menos gravosa.

EDIÇÃO DE SÚMULAS VINCULANTES QUE PACIFIQUEM ENTENDIMENTOS CONSOLIDADOS PELO STF E CRIAÇÃO DE MECANISMOS URGENTES QUE GARANTAM O CUMPRIMENTO DAS SÚMULAS DO STJ

O IDDD propõe a edição de súmulas vinculan­tes pelo Supremo Tribunal Federal em matéria penal envolvendo questões mais urgentes que visam a garantir a igualdade de tratamento de toda a população e em todos os tribunais do país. Além disso, sugere adoção de medidas que exijam dos juízes e tribunais estaduais o cumprimento irrestrito das súmulas do STJ.

 ALTERAÇÕES NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL PARA GARANTIR DIREITOS DO APENADO

O IDDD propõe a votação em separado e em regime de urgência do Projeto de Lei do Senado nº 513/13, que altera a Lei de Execuções Penais. Entre as sugestões, está a aproximação das regras de progressão de regime com as regras da prisão temporária: vencido o pra­zo, o juiz precisa atuar, caso contrário a pessoa é libertada automaticamente. Isso significaria que, em relação ao cumprimento de pena, alcançado o lapso, o sentenciado seguiria au­tomaticamente ao próximo regime; se o diretor da prisão ou o Ministério Público entenderem que não é caso de progressão, devem buscar decisão nesse sentido do juiz competente. Assim, a demora ou omissão do Estado e/ou dos operadores do sistema de justiça criminal não pre­judica o direito do sentenciado, que terá um alvará de progressão garantido, a menos que o juiz diga que não faz jus à próxima.

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